Aldri Anunciação

SOCIÓLOGA (OFF) – Como você não sabe de onde vieram seus tataravós escravos? Vocês têm obrigação saber a origem de vocês. Questão de cultura! Eu, por exemplo, meu sobrenome é Garcez. Logo, sei muito bem meus ascendentes vieram da Espanha.

ANDRÉ – Então por que a senhora não volta pra lá? Para os seus familiares espanhóis?

SOCIÓLOGA (OFF) – Porque a Medida Provisória é muito clara, meu querido! Muito clara na sua redação: "Cidadãos com traços e características que lembrem, mesmo que de longe, uma ascendência africana, a partir de hoje, 13 de maio de 2016, deverão ser capturados e deportados para os países africanos, como medida de correção do erro cometido pela então Colônia Portuguesa, e continuado pelo Império e pela República Brasileira. Erro esse que gerou quatro séculos de trabalhos gratuitos realizados por uma população injustamente transferida de suas terras de origem para as terras brasilianas. Com o intuito de reparar esse gravíssimo erro cometido pela União, essa Medida prevê a volta desses cidadãos, e de seus descendentes, para terras africanas em caráter de urgência".

 

Sai efeito de luz.

 

ANTÔNIO – Estava escrito isso?

ANDRÉ – Sim. Eu fiquei em silêncio. De repente, aleatoriamente, ela resolveu sugerir um país.

 

Volta efeito de luz.

 

SOCIÓLOGA (OFF) – (pensativa) Então... Vou te enviar... Pra Namíbia!

(Namíbia, não!, p. 23-24.)


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LIVROS E LIVROS

Ficção

Vagner Amaro - Deixe que eu sinta teu corpo
Vagner Amaro tem se consolidado no campo literário por meio de narrativas envolventes, reflexões densas e repletas de personagens bastante parecidas com seres do dia a dia de nossas cidades brasileiras. Se foi assim em incursões anteriores do autor no universo da prosa, a exemplo de Eles (contos), em obra mais recente, intitulada Deixe que eu sinta teu corpo (Editora Malê, 2024), o autor amplia o olhar sobre a realidade que o circunda, de tal modo a ter em mãos diversa matéria para a criação de textos ainda mais carregados de sentidos...

Poesia

Éle Semog - Guarda pra mim
    Quando A primeira vez que fiquei louco foi quando nasci. Lá dentro era um silêncio quente, só meu. Aqui fora foi um frio coletivo, cada um com o seu. A segunda vez que fiquei louco, foi quando me disseram que o saber de todos não era meu, o que todos me ensinaram não era nosso...  precisava pensar sozinho para ter os méritos. A terceira vez que fiquei louco, uma delas disse, que o amor não era bem isso, que devia repensar o que é a entrega, o ter e o repartir. Na quarta vez que fiquei louco fiquei procurando a ...

Ensaio

Luiz Henrique Oliveira / Fabiane Cristiane Rodrigues – Trajetórias editoriais da literatura de autoria negra brasileira
  Mesquinho e humilde livro é este que vos apresento, leitor. Sei qude passará entre o indiferentismo glacial de uns e o riso mofador de outros, e ainda assim o dou a lume.   Maria Firmina dos Reis 1859     As palavras em epígrafe, oriundas da primeira romancista negra da língua portuguesa, remetem a tempos e mentalidades marcadas pelo preconceito em que se fundamentou a opressão de gênero também no campo da literatura. Situação esta agravada pela desumanização decorrente de séculos vividos sob o taco da chibata senh...

Infantojuvenil

Itamar Vieira Junior – Chupim
Em agosto de 2024, Itamar Vieira Junior, autor de Torto Arado (2019) e do mais recente ganhador de Jabuti, Salvar o Fogo (2023), publica sua primeira obra dedicada às infâncias. Chupim segue a história e vida de Julim, uma criança como muitas outras de sua comunidade que ajudam seus pais na plantação de arroz, espantando os chupins que se alimentariam desse grão: “ ‘Menino, menino’, a voz do pai chamou / pela casa antes do sol nascer. / Era um convite para o despertar.” (p. 4). Assim começa os dias de Juli...

Memória

Abdias do Nascimento - Submundo: cadernos de um penitenciárioUm prefácio para (a alma nua de) Abdias Nascimento*   Denise Carrascosa   Os escritores costumam redigir os prefácios dos seus livros – ou deixá- los aos cuidados de outrem – quando a obra já se encontra terminada e nas vésperas da publicação. Eu, por motivos mui especiais, vejo-me na contingência de inverter essa norma: a mais forte razão desse procedimento reside no fato de não ser eu um escritor.   Abdias Nascimento   Submundo (2023) é um livro de cadeia. Foi nela, mais precisamente na Penitenciária do Carandiru, que Abdias Nascimento escreveu um importante capítulo da jornada que fez de...

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