Relato de uma guerra que (não) acabou

(Fragmento)

Simone: Dona Rosane, a senhora sabe que a minha pesquisa é sobre a violência. Tô tentando entender como é que as rádios comunitárias...

Ro: Fala tudo num folego só. A senhora não vai entender nada. Vocês não vão entender nada nunca. Porque não querem. Porque vocês tem dinheiro, casa, carro, educação, médico quando precisa, comida e conforto. Vocês agora ficam com esse negócio de ajudar. De solidariedade. Pensa que a gente é besta? Acham que vão salvar a gente dando bolsa de cinquenta reais e ensinando reciclagem? Dando quilo de alimento? Vocês querem é se salvar. Porque têm medo. Vocês acham que todo mundo que mora em favela é bandido. Mas não é não. Tem bandido também. Mas quem faz os bandidos daqui é a necessidade. Quem faz os bandidos daqui são vocês mesmos, que não respeita a gente. A gente tem dignidade. É por isso que não quero ter filho nessa porra! Construí meu barraco sozinha e moro lá sozinha, pra ninguém encher meu saco. Vivo como posso e não peço nada a ninguém. Me defendo. Tenho minha arma e meto a bala no primeiro que vier me sacanear. E isso todo mundo quer. Todo mundo. Não posso atirar em todo mundo. Principalmente nos bacanas de fora que só quer enrabar a gente. Aponta para Tito nos braços de Esmeralda. Por isso não vou ter filho. Nessa porra. Porque ele não vai consertar o mundo e nem eu. Eu não vou botar mais um neste mundo, pra levar a vida de merda que eu levo. Tenho só a arma como salvação. E uma arma só não dá pra acabar com essa cambada toda de filho da puta.

(Meirelles, 2002, p. 37).


LIVROS E LIVROS

Ficção

Jeferson Tenório - O avesso da pele
 Mas a morte é um clichê e por isso os lugares-comuns são permitidos,você me disse. (p. 178-9).  A morte é íntima demais para caber em um espetáculo, você me disse. (p. 179).    Acredito que tempos difíceis estão por vir, quando desejaremos ouvir a voz de escritores que consigam ver alternativas ao que vivemos hoje e possam enxergar além desta nossa sociedade, tomada pelo medo e por sua tecnologia obsessiva, outras maneiras de existir, e que possam até imaginar possibi...

Poesia

Eliane Marques - O poço das marianas
  33 emparedadas na lamaentre as frestas das paredesemparedadassobre o sândaloo mormaço tramado pelas ranhurascom as órbitas entalhadasemparedadas nesse poçopara que em suas fendastodo murmúrio seja rocaemparedadas nesse poçosustêm a brandura da água Eliane Marques2021   Quando se lê o novo poemário de Eliane Marques, intitulado O poço das marianas, publicado pelo selo Orisun Oro, da Escola de Poesia, está-se diante de uma explosão das camadas significantes, de uma poética que se cria, p...

Ensaio

Oswaldo de Camargo - Negro Drama. Ao redor da cor duvidosa de Mário de Andrade
No livro O espetáculo das raças (1993)1, Lilia Moritz Schwarcz considera que, nos finais do século XIX, em período em que as consequências da independência do país, em 1822, e mesmo das lutas pela libertação dos escravos, o Brasil era descrito, nos relatos de viajantes europeus que aqui estiveram, como um país negativamente misturado em termos de raças. Ao se referir às várias representações do paia, nas quais a mestiçagem era ressaltada, Schwarcz reitera que, apesar de vários intelectuais brasileiros referirem-se ao “espetáculo brasile...

Infantojuvenil

Rafael Calça e Jefferson Costa - Jeremias: Pele
Desde 2012, a Maurício de Sousa Produções criou o projeto Graphic MSP, para o qual artistas brasileiros são convidados a criar histórias sobre os clássicos personagens da Turma da Mônica. Jeremias por muito tempo foi um personagem da turma que não possuía uma história de origem ou uma identidade que o tornava único dentre as diversas criações de Maurício de Sousa. Entretanto, em 2018, é lançada a novela gráfica intitulada Jeremias: Pele, cujos autores são a dupla de artistas Rafael Calça, que trabalhou com o r...

Memória

Anita Machado – FirminaFirmine-se! Régia Agostinho*   Anita Machado acerta em cheio ao lançar pela editora Mostarda na coleção Black Power a obra Firmina: Maria Firmina dos Reis, com ilustrações de Eduardo Vetillo. Voltada para o público geral, a obra vem juntar Maria Firmina dos Reis (1825-1917) a outros nomes de peso como Luiz Gama (1830-1882), dentre outros que já fazem parte da coleção. A vida e obra de Maria Firmina dos Reis fazia falta na coleção da Mostarda e Machado nos apresenta uma edição bastante informativa e leve para a compressão e deleite de todas e todos que desejem saber mais sobre esta maranhens...

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