Firmine-se!

Régia Agostinho*

 

Anita Machado acerta em cheio ao lançar pela editora Mostarda na coleção

Black Power a obra Firmina: Maria Firmina dos Reis, com ilustrações de Eduardo Vetillo. Voltada para o público geral, a obra vem juntar Maria Firmina dos Reis (1825-1917) a outros nomes de peso como Luiz Gama (1830-1882), dentre outros que já fazem parte da coleção.

A vida e obra de Maria Firmina dos Reis fazia falta na coleção da Mostarda e Machado nos apresenta uma edição bastante informativa e leve para a compressão e deleite de todas e todos que desejem saber mais sobre esta maranhense que nasceu em São Luís do Maranhão e é considerada como a primeira romancista negra do Brasil (GOMES, 2022).

A obra vai nos guiando com as riquíssimas ilustrações de Vetillo, sobre a vida da maranhense, desde o seu nascimento até o que Maria Firmina dos Reis pode nos inspirar hoje em dia.

Aí está a força do texto de Machado, cercada de informações precisas sobre a vida da maranhense, a autora vai nos mostrando o que teríamos de inspirador na vida de Maria Firmina dos Reis.

Numa narrativa envolvente, Machado nos mostra como Maria Firmina dos Reis se tornou a primeira mulher negra a publicar um romance no Brasil, Úrsula, publicado em 1859 e propagandeando para venda em 1860. Há indícios de que a própria Reis já o tinha pronto em 1857 (DIOGO, 2021).

Com uma narrativa potente esse romance amplificou as vozes de escravizados na literatura brasileira. Como aponta Machado, Maria Firmina foi a primeira romancista da literatura brasileira a colocar os escravizados para falar, na potente voz da escravizada africana Preta Susana que fala como foi seu processo de tráfico para o Brasil:

Meteram-me a mim e a mais trezentos companheiros de infortúnio e de cativeiro no estreito e infecto porão de um navio. Trinta dias de cruéis tormentos, e de falta absoluta de tudo quanto é mais necessário à vida passamos nessa sepultura até que abordamos as praias brasileiras. Para caber a mercadoria humana no porão fomos amarrados em pé e para que não houvesse receio de revolta, acorrentados como os animais ferozes de nossas matas, que se levam para recreio dos potentados da Europa. Davam-nos a água imunda, podre e dada com mesquinhez, a comida má e ainda mais porca: vimos morrer do nosso lado muitos companheiros à falta de ar, de alimento e de água. É horrível lembrar que criaturas humanas tratem seus semelhantes assim e que não lhes doa a consciência de levá-los a sepultura asfixiados e famintos! (REIS, 2004, p. 117).

Com esse parágrafo, Reis antecipa em dez anos a narrativa de Navio Negreiro de Castro Alves de 1869 e se torna a primeira romancista também a falar do translado nos tumbeiros. Machado tem clareza dessa potência e apresenta ao leitor tanto Susana, como o escravizado Túlio, nascido no Brasil, mas que trazia muitas lembranças de sua mãe africana no coração. A “Mãe África” como diz Machado, está em toda a narrativa, tanto em Úrsula, de Maria Firmina dos Reis, como em Firmina, de Machado.

A autora também se dedica a falar das aventuras e agruras de Firmina para se tornar uma mulher professora:

Vivendo em uma família pobre e de poucos recursos, Firmina teve oportunidade de cursar apenas a escola primária, ou seja, estudou aproximadamente até os 15 anos de idade. Apesar de ser muito inteligente, não permitiram que ela fizesse o curso de aperfeiçoamento para alunos-mestres, denominado “Escola Normal”, pois o curso não permitia que mulheres fossem matriculadas. Como Firmina não tinha conseguido ingressar nas instituições de ensino formal para cursar o Ensino Médio, ela começou a estudar do seu próprio jeito e pelos seus próprios meios. Buscando realizar o sonho de ser professora, ela passou a frequentar a casa de seu tio Sotero dos Reis, que ocupava um cargo bastante notável na área de Educação (p. 04).

Em uma sociedade patriarcal e racista como a do século XIX, uma mulher negra se tornar professora era um grande avanço e uma grande responsabilidade. Firmina consegue aprovação em concurso público! E vai morar na vila de Guimarães no Maranhão em 1847, onde começa a lecionar as primeiras letras para meninas.

Antes de fazer isso, no entanto, Machado nos informa que a jovem Firmina, tem a chance de ir buscar sua nomeação no concurso em um palanquim, espécie de tenda que pessoas escravizadas carregavam a elite branca pelos centros da cidade. Firmina recusa a oferta e ainda afirma “Negro não é animal para se andar montado nele” (Machado, 2023, p. 09) e vai a pé receber sua nomeação de professora.

Como Machado nos mostra, os 92 anos de Maria Firmina dos Reis foram vividos de forma muito intensa e de grande dedicação à educação e à Literatura Brasileira. Firmina publica em vida ainda Gupeva (1861), Cantos a beira mar (1871) e A escrava (1887). Fora o Hino da Libertação dos escravos e autos de bumba- meu-boi.

Machado ainda nos fala da escola mista que Firmina fundou no povoado de Maçaricó, em Guimarães, um ano antes de se aposentar. Nessa escola improvisada meninos e meninas podiam aprender juntos, sem distinção de gênero e mais, crianças pobres assistiam às aulas gratuitamente (MACHADO, 2023, p. 26). Mais uma grandeza de Maria Firmina.

Por fim, Machado nos fala dos últimos dias de Maria Firmina dos Reis, que ao contrário do que alguns pensavam, não morreu pobre e sozinha. Firmina teve muitos filhos adotivos. Sempre esteve acompanhada de seus filhos de criação, ex-alunos, colegas de trabalho e familiares e deixou esse mundo na casa de uma filha de criação, Mariazinha(MACHADO, 2023, p. 28).

Por tudo que foi dito aqui, Firmina: Maria Firmina dos Reis de Anita Machado é uma boa escolha para se ter na estante e se presentear os amigos. Voltada a um público amplo, de linguagem simples, como belíssimas ilustrações de Eduardo Vetillo, o livro tem que ser presença garantida nas mãos das leitoras e leitores.

No mais, Firmine-se!

São Luiz, novembro de 2023.

 

Referências

DIOGO, Luciana Martins. A primeira resenha de Úrsula na Imprensa maranhense. Revista Firminas, São Paulo, v. 1, n. 1, p. 72-85, jan/jul, 2021.

GOMES, Agenor. Maria Firmina dos Reis e o cotidiano da escravidão no Brasil. São Luís: AML, 2022.

MACHADO, Anita. Firmina: Maria Firmina dos Reis. ilustrações Eduardo Vetillo. Campinas, SP: Editora Mostarda, 2023.

REIS. Maria Firmina dos. Úrsula. A Escrava. Atualização do texto e posfácio de Eduardo de Assis Duarte. Florianópolis: Editora Mulheres, Belo Horizonte: PUC Minas, 2004.

 

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* Régia Agostinho é Doutora em História na universidade de São Paulo (2013). Possui mestrado em História pela Universidade Federal do Ceará (2002). Atualmente é professora da Universidade Federal do Maranhão. Professora permanente do Programa de Pós-Graduação em História/ CCH- São Luís. Tem experiência na área de História, com ênfase em História do Brasil Império, atuando principalmente no seguinte tema: história e literatura, história das mulheres e história e escravidão.

 

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