Literatura negra: os sentidos e as ramificações 1

Maria Nazareth Soares Fonseca *

Here on the edge of hell
Stands Harlem –
Remembering the old lies,
The old kicks in the back,
The old, Be patient,
They told us before
Langston Hughes2

De repente era eu: um disfarce.
E não percebiam nos becos da cidade, nem nas rugas da tarde envelhecida.
Nem me clamava o nome o vento-lâmina que agitou meus primeiros dias.
Vi minha vida e senti: nada perfeito.
Então deitei-me à sombra do Inverno. E, insone, dormi, à espera do sol.
Oswaldo de Camargo 3

Nas primeiras décadas do século XX, surgem, nos Estados Unidos, diversas manifestações literárias que, num sentido geral, ficaram conhecidas como o Renascimento Negro Norte-americano. Esse movimento, através de suas vertentes - o Black Renaissance, o New Negro e o Harlem Renaissance – se pautou pela assunção dos vínculos que o ligavam ao continente africano e pela rejeição aos valores defendidos pela chamada “white middle-class” norte-americana. Várias publicações lançadas na década de 1920 constituem contribuições importantes do movimento e de suas vertentes por tocarem em questões relacionadas com a segregação vivida pelo negro norte-americano e na luta pela conscientização de seus direitos como cidadão. Dentre essas publicações são importantes a coletânea New Negro, organizada por Alain Locke e publicada em 1925, Color, de Countee Cullen, publicado no mesmo ano, os Weary Blues (1926), de Langston Hughes, e o romance Black princess, de Du Bois, lançado em 1928. A voz negra do Harlem se fará ouvir, nesse período de intensa movimentação, também através de músicas e de peças de teatro escritas, interpretadas e dirigidas por artistas e escritores negros.

Ao Harlem Renaissance integraram-se artistas do teatro e da música, como Josephine Baker, Paul Robenson e Mariam Anderson. A literatura e a música negras − o jazz, o soul, o blues − integram-se à simbolização do novo negro, consciente do valor que a sua presença teve na formação das sociedades que o veem com desprezo.

O Renascimento Negro Norte-americano, em suas diferentes vertentes, assume, como se percebe, tanto a variada produção artístico-literária inspirada pela exclusão dos afrodescendentes, nos Estados Unidos, quanto questões ligadas à exclusão sofrida pelos negros numa sociedade que apresentava barreiras sólidas para a separação dos indivíduos de pele negra. E nesse sentido é possível afirmar que a produção literária de escritores negros, nos Estados Unidos dos anos 1920 e 1930, é responsável pela afirmação de uma blackness, uma consciência de ser negro, que fortaleceu a luta pelos direitos civis dos afro-americanos e, certamente, contaminou outros movimentos que surgiriam, um pouco mais tarde, na Europa, nas Antilhas, no Caribe e em diferentes regiões da África colonizada.

Deve-se considerar o fato de a produção literária dos escritores norte- americanos apresentar algumas características particulares. Ao mesmo tempo em que dá visibilidade à situação vivida pelos escravos e por seus descendentes na ordem implantada pela sociedade norte-americana, ela assume a luta pela conscientização do homem negro, inspirando-se nas ideias do Iluminismo e do Romantismo. De qualquer forma, a literatura produzida por escritores como Langston Hughes, o representante maior do movimento Black Rennaissance, Countee Cullen, Claude Mckay e W.E.B. Du Bois, na década de 20 do século passado, marcará sobremaneira várias tendências literárias que, ao insistirem em expor o sofrimento dos “desterrados do mundo”4 , caracterizam-se por um forte compromisso com a luta pelo reconhecimento dos direitos civis dos afrodescendentes e contra o preconceito racial.

Algumas das tendências desenvolvidas pelos movimentos que se espalharam pelos Estados Unidos e de lá para outros espaços marcarão fortemente o conceito de “literatura negra” e definirão alguns de seus mais significativos traços: a celebração de concepções e valores próprios de diferentes culturas africanas; a busca de uma origem africana, que redundará por vezes na representação de uma África mítica, imaginada e, até mesmo, na retomada de alguns clichês sobre o exotismo do continente. A insistência em representar o continente africano à distância, pensando-o como um espaço original definido pela integração perfeita entre o homem e a natureza, se bem que verdadeira em alguns aspectos, foi tomada como um contraponto à situação vivida pelo negro, subjugado pelo trabalho duro, de que os versos de Sterling Brown são símbolo: “They keeps the books/ We gotta be grateful/ For being cheated”5 . Em muitas obras, as referências ao som dos tambores, ao batuque (“All the tom-toms of the jungle beat in my blood”) 6 , ao sol intenso, aos símbolos de diferentes religiões africanas, expressarão tendências nas quais a conscientização do homem negro coincide com a busca dos elos perdidos com o espaço original.

Em muitos escritores norte-americanos, a exaltação da temática negra e da terra de origem dos negros espalhados pelo mundo presta-se à denúncia de situações concretas: a perseguição brutal dos negros norte-americanos pela organização racista Ku Klux Klan, responsável por inúmeros linchamentos de negros. Em outros movimentos, como no negrismo cubano, também conhecido como Negrismo Crioulo e Cubania, a tônica será a apreensão de costumes da cultura crioula, que inspira uma produção literária de estrutura simples, apoiada em onomatopeias, em palavras soltas que acentuam o ritmo dos versos, as jitanjáforas, cunhadas por Alfonso Reyes como um elemento da literatura que se inspira em ritmos populares. A poesia de Nicolas Guillén é marcada por elementos retirados da música cantada nos bairros crioulos, dos espetáculos de dança popular, das rinhas de galos e da musicalidade quente dos pregões de rua (“Ah!/ qué pedazo del sol,/ carne de mango!/ Melones de agua/ plátanos”) 7. As referências à África estão nos versos desse magnífico poema, marcadas pela presença forte de ritmos e cantos trazidos pelos africanos e pelas misturas culturais da terra cubana. A intenção social se torna muito clara em seus poemas, particularmente a partir da publicação do livro West Indies, Ltd. (1934), no qual uma direção política mais forte convive com a intensa musicalidade que o poeta cultiva.

O movimento da Negritude, nascido nos anos 30 do século passado, em Paris, dará um novo impulso às vozes dos escritores norte-americanos que aportavam na Europa no momento. Ele afirmará importantes tendências literárias nascidas tanto da motivação da denúncia da opressão sofrida pelos afrodescendentes, quanto do cultivo de uma poesia que assume a ruptura proposta pelo surrealismo e por outras vanguardas que acirravam a contestação à norma literária vigente. Ainda que se inspirando no Surrealismo ou evocando motivos do cotidiano das comunidades negras, em diferentes espaços, a poesia da Negritude tem um cunho eminentemente político, sem contudo desprezar uma preocupação estética evidente em Aimé Césaire, em Senghor e em outros escritores ligados ao movimento. Num certo sentido, a Negritude pode ser considerada o prolongamento mais importante das ideias que fomentaram os movimentos do Renascimento Negro Norte-americano, do negrismo cubano e do indigenismo haitiano. O movimento, ao assumir uma poética marcada por ritmos e sons buscados na oralidade e pela descrição de espaços nos quais a alteridade se afirma em sua exuberância, procurará, pelo menos na fase em que se busca resistir ao estigma do “bom negro servil ao bom mestre”8 , afirmar a conscientização do homem negro e delinear uma estética advinda de metamorfoses e misturas densas. Tais mutações, fazendo-se emblema de um mundo “selvagem” que a cultura europeia teme e deseja, produzem uma impressão estética que agride por vezes com suas imagens inusitadas. A adesão de vários seguidores da Negritude à rebeldia surrealista diz bem da procura de novos caminhos que a literatura negra, particularmente a poesia, busca ansiosamente. Nesse sentido, a incursão no imaginário africano traduz-se por uma proliferação de palavras-totens que, em Aimé Césaire, exibem-se através da variedade de serpentes (cobras, anacondas, couleuvres, vipères, serpent-corail, serpents pytons, basilics), lézards e crocodilos que povoam a sua poesia. Um outro emblema, o do “falo poderoso”, aparecerá mais acentuadamente na obra de René Depestre, um negritudinista da geração posterior à dos pioneiros, como imagem da rebeldia contra os preconceitos e estereótipos construídos sobre a sexualidade exacerbada dos negros. Os estereótipos são assumidos como uma contestação de seus significados e muitas vezes são eles, os estereótipos, que se fazem arma de combate mordaz e irônica à visão dos que persistiam em considerar os negros a partir do vínculo com a escravidão. Tais sentidos aparecem em poemas e peças de Aimé Césaire e particularmente em obras de René Depestre.

Algumas publicações marcam a efervescência do renascimento negro em Paris dos anos 30 e 40, como a revista Légitime Defense, cujo único número saiu em 1932. A criação do jornal L ́Etudiant Noir, em 1934, foi um marco importante na luta empreendida por escritores, artistas e intelectuais em favor da conscientização do homem negro sobre os seus direitos e pela valorização de expressões culturais africanas sufocadas pela colonização. É nesse jornal que a palavra negritude é empregada pela primeira vez para indicar o repúdio à assimilação cultural e à propagação de ideias sobre a incapacidade de o homem negro – entendido como metonímia do continente africano − de construir uma civilização. Outras publicações importantes têm, na época, intrínseca relação com as idéias defendidas pelos escritores negritudinistas, como La Revue du monde noir, organizada por Aimé Césaire (Martinica), Léo-Gotran Damas (Guiana Francesa) e Léopold Senghor (Senegal). Na década de 40, do século XX, surge em Paris, em 1947, a revista Présence Africaine, tornada desde a sua criação a grande disseminadora de ideias e tendências literárias de intelectuais e escritores africanos na diáspora.

Nascida numa época em que se procura rever as imagens sobre África e o papel do homem negro na construção do chamado Novo Mundo, a Negritude tinha as marcas de seus idealizadores e defendia que “ser negro implicava tomar posse do seu destino, de sua história e de sua cultura” (KESTELOOT, 1962, p. 93). Os propósitos da Negritude explicam a força de uma literatura que se empenhava em assumir a condição dos negros na diáspora, mas também se fortalecia com a defesa da luta contra o colonialismo que se expandia nos países africanos, nos quais, muitas vezes, as questões de identidade assumiam um valor que se desprendia da cor da pele do indivíduo. Assumir-se negro, em qualquer um dos sentidos, significava ter consciência de que se estaria esvaziando o termo “negro” de significados produzidos por um processo perverso de exploração que manteve os africanos escravizados e os seus descendentes em estado de servidão durante séculos. A cor negra transforma-se em emblema da luta contra os estereótipos negativos que circulam nos espaços herdeiros da escravidão e marca uma vertente literária que explorará as “forças eruptivas da emoção e sua relação com a natureza”, bem como o “o fio rubro do sangue e da razão”9 , com o qual a criação literária tecerá tendências significativas. Apesar do caráter essencialista que passou a defender − pois, ao assumir as lutas pela libertação dos negros de todo o mundo, centrou seus argumentos na valorização da cor negra da pele para combater o brancocentrismo ocidental −, o movimento foi importante para a concretização das discussões sobre a opressão de povos pelo sistema colonialista e propiciou a revisão das imagens preconceituosas sobre a África, as quais legitimaram o tráfico negreiro e o processo de exploração implantado, no continente africano, pela colonização gerenciada por culturas europeias.

A Negritude francesa se fortalece com a publicação de obras literárias significativas, como Pigments (1937), de Leon Damas, Cahier d ́un retour au pays natal (1939), de Aimé Césaire, e a Anthologie de la nouvelle poésie nègre et malgache de langue française, publicada em 1948. Esta antologia, organizada por Léopold Senghor, teve uma grande repercussão nos meios literários ocidentais, não Apenas porque levava ao público a poesia de escritores africanos e afrodescendentes, mas também porque era apresentada por Jean-Paul Sartre, com o prefácio intitulado “Orphée Noir”.

Na esteira da produção literária negritudinista, assumindo as suas várias tendências e seus muitos conflitos, deve ser destacada como publicação importante à História da poesia negra, a antologia Poesia negra de expressão portuguesa, organizada pelo angolano Mário Pinto de Andrade e pelo são-tomeense Francisco José Tenreiro, em 1953. Embora não se possa afirmar ter havido, em Portugal ou em suas ex-colônias em África, um movimento semelhante à Negritude francesa, é certo que as ideias defendidas pelos teóricos do movimento e mesmo por aqueles que os influenciaram eram conhecidas e seguidas. Considere-se, nesse sentido, a antologia de Poesia negra de expressão portuguesa (1953), organizada por Mário Pinto de Andrade e Francisco José Tenreiro: há diversas indicações, no volume, da afinidade dos organizadores com as ideias defendidas pelos intelectuais e escritores ligados à Negritude e com a intenção contestatória da poesia produzida por eles, embora esteja também evidente que a publicação não se preocupou com a cor da pele dos escritores selecionados. O prefaciador da antologia, o incansável estudioso das literaturas africanas de língua portuguesa, Manuel Ferreira, afirma que a coleção “não assumia um carácter ‘racial’, mas temático e ideológico” (p. 26). Para Manuel Ferreira, a poesia negra, na antologia, “era a que saía da pena dos que ‘mergulhavam as suas mãos no substrato dramático da vida’ das comunidades negras” (p. 26).

Como se percebe, a expressão “poesia negra”, dos movimentos do Renascimento Negro Norte-americano à Negritude, assumiu várias acepções. Tanto expressou o desejo de levar ao público leitor a voz de escritores condenados à exclusão pelo fato de descenderem de um povo – os africanos – que o mundo ocidental racializou, quanto defendeu um projeto interessado no desvio de modelos literários legitimados e propenso a propor novos caminhos para a literatura. Um estudo mais profundo da obra dos escritores, que vem sendo analisada a partir de classificações como literatura negra, negrista, negritudinista, indica que o pendor contestatório presente em muitas produções não esteve sempre afastado da busca de novas formas de expressão.

Com relação à poesia negra no Brasil, penso que vale a pena considerar algumas questões que surgem particularmente a partir de alguns momentos bastante significativos. Não se pode afirmar haverem existido, no país, movimentos literários que, a exemplo do Renascimento Negro Norte-americano ou da Negritude, se empenharam em produzir uma literatura de forte conteúdo reivindicativo, buscando valorizar outros princípios estéticos, antes do surgimento dos Cadernos Negros, em 1978, e da reflexão teórica encaminhada por seus criadores. Mas o fato é que muitos escritores, antes mesmo da extinção do tráfico negreiro, no século XIX, produziram textos em que é abordada a questão negra. Sobre essas criações, no âmbito da literatura, mas não somente, são considerados neste texto pontos de vista de Gregory Rabassa (1965), de Benedita Damasceno (1988) e de Domício Proença Filho (1988), Zilá Bernd (1988), além de outros propostos por Florentina Silva Souza (2005), Eduardo de Assis Duarte (2005) e as considerações que venho produzindo em artigos publicados em revistas nacionais e internacionais e em capítulos de livros sobre o assunto.

Domício Proença Filho, em seu conhecido artigo “O negro e a literatura brasileira” (1988), elabora um vasto panorama da presença do negro na literatura brasileira. Na introdução do artigo, o crítico deixa clara a sua não concordância com o uso da expressão “literatura negra”, salientando que ela não se justifica, podendo, inclusive “fazer o jogo do preconceito, embora velado” (p. 77). O crítico discute o caráter não mimético da literatura, logo o seu não compromisso com as questões sociais que a expressão poderia indicar. Embora discordando do uso da expressão, Proença propõe uma definição do que ela poderia ser: [...] será negra, em sentido restrito, uma literatura feita por negros ou descendentes assumidos de negros, e, como tal, reveladora de visões de mundo, de ideologias e de modos de realização que, por força de condições atávicas, sociais e históricas, se caracteriza por uma certa especificidade, ligada a um intuito claro de singularização cultural. Lato sensu, será a arte literária feita por quem quer que seja, desde que reveladora de dimensões particulares aos negros ou aos descendentes de negros (p. 78).

Proença discute a representação do negro na literatura brasileira particularizando as representações literárias em duas versões: “a condição negra como objeto, numa visão distanciada”, e “o negro como sujeito, numa atitude compromissada” (p. 80). Na primeira versão, destaca as representações do negro como escravo ou ex-escravo, presentes nos poemas “satíricos e demolidores” de Gregório de Matos, no século XVII, e em retratos pintados com a fixação em personagens que, por força do branqueamento, conseguem ultrapassar os estereótipos, ainda que “a custo de muito sacrifício e humilhação” (p. 81). Como personagem-emblema dessa luta solitária, o crítico cita a escrava Isaura, criação de Bernardo de Guimarães no romance de mesmo nome publicado em 1872. Além de Isaura, a personagem submissa, embora de “cor linda” e atitudes nobres, é citada a personagem Raimundo, “o belíssimo mulato de olhos azuis” (p. 82) do romance O mulato (1881), de Aluísio de Azevedo. Isaura e Raimundo são imagens de negros nobres, que souberam suportar a rejeição da sociedade, ainda que a personagem criada por Aluísio de Azevedo mostre uma certa rebeldia no final do romance, atitude que justificaria a sua morte.

Presas à caracterização do negro como objeto são também as imagens e idealizações do “negro vítima” que aparecem em poemas de Castro Alves, embora a intenção mais forte seja a de expor o sofrimento dos escravos e a de condenar o perverso comércio dos africanos como escravos. No poema antológico “O navio negreiro”, o centro de atenção desloca-se da caracterização do “negro vítima” para a vitimização da África, pintada com as tintas fortes da poesia abolicionista, mas referida como “vítima sacrificável”, pois é a terra punida pela maldição de Deus (“Basta, Senhor! Do teu potente braço/ Role através dos astros e do espaço/ Perdão p ́ra os crimes meus”). A leitura do belo poema expõe o grito contra a injustiça da escravidão e contra a barbaridade do tráfico negreiro, mas percebe-se que pairam sobre os versos resquícios ideológicos que procuravam justificar o tráfico valendo-se de visões que justificam as diferenças entre raças e aceitam a propensão natural dos africanos (e do continente africano) à submissão. Esse aspecto da poesia de Castro Alves é ressaltado por Domício Proença Filho, que também destaca a retórica libertária e as imagens plásticas com que o poeta descreve o sofrimento dos africanos escravizados encarcerados nos navios, obrigados a fazer a longa travessia. A utilização de recursos “retóricos” de grande efeito pode ser considerada um desvio à coisificação visível nas imagens do “negro nobre” ou do “negro vítima” que circulavam via literatura, ainda que, nos poemas, o negro não tenha voz e a visão do poeta seja também distanciada.

Nesse sentido, é pertinente considerar a leitura dos efeitos produzidos pela força verbal dos poemas condoreiros de Castro Alves feita por Rabassa (1965) quando considera que, embora não haja identificação do poeta com os negros que aparecem em seus poemas, ele assume uma postura de denúncia do tráfico e dos horrores da escravidão mais ousada que a de outros escritores de sua época, mesmo aqueles de ascendência negra como Tobias Barreto.

A representação do negro como objeto agrega valores e visões forjados no âmbito da escravidão, interessados em afirmar a inferioridade dos negros ou a sua condição instintiva – propensos à submissão e/ou à violência. Tais visões ficam evidentes na caracterização de personagens negras infantilizadas ou imbecilizadas, que reproduzem a condição subalterna em que os africanos escravizados viviam na sociedade brasileira. Servem de exemplo a personagem do poema “Mauro, o escravo” (1864), de Fagundes Varela, e a do drama O demônio familiar, de José de Alencar.

Em outros textos literários, cultivam-se os estereótipos do “negro ruim”, do “negro selvagem, instintivo”. A caracterização das personagens indica o endosso pela literatura de representações do negro que circulavam na sociedade escravocrata: o negro de bom coração, mas submisso, como a escrava Isaura e, de certa forma, o médico Raimundo; o negro bestializado, como a Bertoleza, de O cortiço, de Aloísio de Azevedo; ou pervertido, como o negro Amaro, do romance O bom-crioulo (1885), de Adolfo Caminha, capaz de assassinar o jovem Aleixo, por quem nutria uma paixão. A caracterização de personagens negras marcadas por estereótipos negativos (de alma ruim, perigosos ou sexualmente pervertidos) distende-se para a consideração dos negros como depravados, que se evidencia no romance A carne (1888), de Júlio Ribeiro. Em O presidente negro (1926), de Monteiro Lobato, legitima-se a crença na inferioridade do negro e de sua raça.

É importante considerar, na representação do escravo tal como aparece em obras da literatura brasileira do século XIX, a presença de mitos literários criados por obras como Bug-Jargal (1819), de Vitor Hugo, que encena a história de um escravo ligada ao sistema da Plantation, em Saint-Domingue, fazendo dele um herói delineado com traços fortes da ideologia do “bom selvagem”. Em caracterizações do negro “de bom coração”, também estão presentes ecos do romance A cabana do Pai Tomás (1850), da americana Harriet Beecher Stowe, que irá marcar uma tradição presente em vários textos surgidos no Brasil. Rabassa (1965) cita publicações menos conhecidas de Castro Alves que, na esteira da obra Bug-Jargal, de Vitor Hugo, preocupam-se em mostrar a presença do negro em atividades importantes da luta pela soberania do país. E discute a presença da figura do escravo fiel de A cabana do Pai Tomás na retomada da figura de Calabar, realizada por Agrário de Menezes na peça de mesmo nome.

Mais recentemente, uma importante releitura da obra de Machado de Assis tem procurado evidenciar o envolvimento do escritor com a questão escravocrata. O estudioso Eduardo de Assis Duarte (2005) lê com olhos menos armados a obra do escritor brasileiro e consegue evidenciar, no projeto literário machadiano, uma denúncia sutil da hipocrisia característica das elites da sociedade brasileira escravocrata. Duarte identifica, nas crônicas jornalísticas do escritor, muitas delas publicadas com pseudônimo, a voz do “cidadão empenhado em denunciar a crueldade do sistema e a hipocrisia dos escravocratas recém-convertidos ao abolicionismo”10 . Embora os romances de Machado de Assis não apresentem a denúncia explícita do preconceito e da hierarquização da sociedade preocupada em expurgar os descendentes dos africanos escravizados do modelo de modernização eleito pelo país, a posição irônica do escritor contra os senhores de escravos e a exposição crítica dos mecanismos utilizados pelas elites para prolongar os benefícios advindos da escravidão tornam-se evidentes em sua literatura, que também se empenhou em apontar os desmandos dos senhores de escravos e a situação de penúria vivida pelos africanos e seus descendentes no Brasil.

O mesmo se dá com a obra de Cruz e Souza, que vem sendo redescoberta pela crítica especializada. A pesquisa do escritor Cuti, de São Paulo, apresentada como tese de Doutorado na Universidade de Campinas e já publicada em forma de livro, aprofunda questões importantes sobre as representações do negro na obra do escritor. Valendo-se dos conceitos de “sujeito étnico” e “sujeito étnico afro-brasileiro”, procura dar conta dos embricamentos discursivos evidentes na obra do poeta catarinense, na maioria das vezes lido como expressão máxima do Simbolismo no Brasil. Os versos do poema “Crianças negras” e o teor do texto “Emparedado” não deixam dúvida quanto à visão do escritor sobre a situação dos negros como ele, na sociedade rigidamente hierarquizada em que viveu.

Na visão panorâmica construída por Proença, merece destaque o trabalho de escritores e jornalistas negros que, nas décadas de 20, 30 e 40 do século passado, propiciaram a organização de grupos e a edição de jornais como O Menelik, Alfinete, Clarim da Alvorada e A Voz da Raça, editados em São Paulo, e O Quilombo, no Rio de Janeiro. As publicações abordam temas variados diretamente ligados às populações negras e por isso são caracterizadas como imprensa negra. Por outro lado, o surgimento de produções como Leite Crioulo (1929), em Belo Horizonte, e a realização em Recife (1934) e na Bahia (1937) do I e II Congresso Afro-brasileiro indicam uma movimentação importante, entre os intelectuais brasileiros nem sempre negros, sobre o negro no Brasil.

As imagens do negro como objeto, reprodução – por vezes fiel, por vezes mais distanciada – de representações ideológicas do africano escravizado e de seus descendentes na cultura brasileira, são antagônicas às que se inscrevem no universo literário que procura apreender o negro como sujeito. Domício Proença, Benedita Damasceno (1988) e Zilá Bernd (1992) ressaltam a posição de Luiz Gama (1830-1882), contemporâneo de Castro Alves, que construiu um percurso mais propenso a deixar as marcas de sua subjetividade nos versos que produziu. Seus poemas expressam uma atitude compromissada de quem, sendo filho de escrava e de um fidalgo baiano, de origem portuguesa, é vendido como escravo pelo próprio pai, tornando-se mais tarde, grande defensor da causa abolicionista. Zilá Bernd considera seus poemas fundantes “de uma linha de indagação sobre a identidade” negra, expressa de forma irônica nos versos do seu famoso poema “Bodarrada” (“Quem sou eu”), a que pertencem os versos: “Se negro sou, se sou bode,/ pouco importa. O que isto pode?/ Bodes há em toda a casta.”). A ironia mordaz presente em seus poemas constrói uma significativa diferença com relação aos poemas de Castro Alves, que assume o negro de forma contundente, mas ainda distanciada, já que em seus textos o negro não tem direito a voz.

Benedita Damasceno (1988), ao estudar a poesia negra do Modernismo, salienta a importância de Lino Guedes, autor dos livros O canto do Cisne Negro (1927) e Negro Preto Cor da Noite (1932), ainda que o escritor seja visto por estudiosos como Roger Bastide (1943) como a expressão de comportamento paradoxal, expresso em seus versos. Se, por um lado, o poeta tem consciência da luta do negro pelo reconhecimento, por outro, reconhece a inutilidade de sua luta em favor dos negros, a não ser a indicação “de uma severa moral puritana” (p. 70) e a pregação de mudanças de comportamento do negro.

Por outro lado, Duarte (2005) destaca a importância, ainda no século XIX, do primeiro romance abolicionista brasileiro, Úrsula, de Maria Firmina dos Reis, publicado em 1859 em primeira edição e só redescoberto em 1975. Retomando afirmações de Zahidé Lupinacci Muzart com relação ao livro, Duarte endossa a importância, no romance, da caracterização da personagem Mãe Suzana como voz que se destaca nas narrativas abolicionistas.

Como se pode observar, vários olhares vasculharam a representação literária do negro brasileiro, e o lugar ocupado pelos descendentes de africanos escravizados na sociedade brasileira. Roger Bastide (1943) faz de Domingos Caldas Barbosa (1738-1800), autor de Viola de Lereno, o primeiro poeta afro-brasileiro.

Gregory Rabassa (1965) destaca a importância de obras que abordaram a posição do negro na sociedade brasileira, no campo específico da literatura e fora dele.

Nesse sentido, o pesquisador norte-americano cita, como referência obrigatória, a obra O negro no Brasil (1940), coletânea de trabalhos apresentados no II Segundo Congresso Afro-brasileiro, realizado na Bahia em 1937, e a Antologia do negro brasileiro (1950), organizada por Édison Carneiro.

Na esteira dos estudos sobre a representação do negro na literatura, o artigo de Domício Proença Filho (1988) bem como a análise feita por Benedita Damasceno sobre a presença negra em textos do Modernismo brasileiro destacam várias obras desse movimento literário, muitas delas consideradas representantes do negrismo brasileiro. O objetivo é ressaltar que tanto a figura do negro – em poemas como “Essa nega fulô”, de Jorge de Lima – quanto a do mulato – no longo poema Juca Mulato, de Menotti del Picchia – mantêm a estereotipia negativa com relação ao negro e a seus descendentes.

Proença Filho, ao considerar obras em que a representação do negro resgata-o da posição de objeto a ser descrito a partir de estereótipos, salienta, como outros estudiosos, a importância da literatura produzida por Lima Barreto, particularmente o romance Clara dos Anjos, publicado postumamente em 1948. O romance, ao tratar da sedução da personagem Clara por Cassi Jones, denuncia a situação de abandono dos habitantes dos subúrbios da cidade do Rio de Janeiro e a certeza de que a conscientização dos pobres como Clara e “suas iguais” só poderá resultar da luta contra todos os que se opuserem às mudanças de ordem moral e social.

Tanto Proença Filho quanto Benedita Damasceno e Zilá Bernd salientam a importância de Solano Trindade, que estreia, em 1944, com o livro Poemas de uma vida simples, em que o protesto contra as injustiças sofridas pelo negro se expressa em versos despretensiosos. Em 1961, ao publicar Cantares do meu povo, cujos versos indicam uma atitude consciente do escritor de escrever aproximando-se do povo, o poeta afirma o compromisso com a cultura negra. Ao considerar as personagens negras e mulatas na obra de Jorge Amado, Proença destaca o fato de a maioria encenar os lugares ocupados pelo negro e pelo mulato na sociedade brasileira. Nesse sentido, o teórico se alia à visão da Rabasssa, para quem as personagens negras amadianas são ingênuas. Entretanto, é importante considerar, como o faz Proença Filho, que o escritor baiano fez de negros e mulatos protagonistas de vários de seus romances, produzindo efeitos de sentido que deslocam as expectativas do leitor, ainda que corra o risco de retomar em suas negras e mulatas sensuais muitos dos estereótipos que pretendia apagar.

Proença destaca como transgressão à estereotipia do negro e do mulato, personagens do romance Luanda Beira Bahia, de Adonias Filho, no qual personagens negras aparecem como protagonistas da história. O crítico, todavia, não destaca a manutenção de uma visão que desloca o preconceito contra o negro para um espaço mais amplo – o da identidade dos povos colonizados. Uma leitura possível do romance seria a de ver o pai – que, nos espaços por onde transita, reproduz a trajetória do viajante europeu e mesmo a do conquistador – como aquele que, inconscientemente, decreta a morte dos filhos mestiços, gerados no Brasil e na África. Talvez essa seja a armadilha maior do romance, que, valendo-se de elementos da narrativa mítica e da lenda, narra encontros de amor que acontecem sem ter como empecilho maior a barreira da cor ou da origem. A morte de Caúla e Iuta, no final do romance, desloca a questão dos estereótipos negativos contra o negro e o mulato para uma dimensão maior, pois emblematiza a permanência de uma ordem que impede a continuidade das misturas entre o europeu e as mulheres negras a quem ele amou no Brasil e na África. O incesto entre irmãos sela a impossibilidade de continuidade. Nesse sentido, não se poderia afirmar que o romance Luanda Beira Bahia, de Adonias Filho, ultrapasse a visão do negro como objeto, embora não se negue a sua intenção de simbolizar a integração, num mesmo espaço “étnico”, entre Brasil, Angola e Moçambique.

A tendência a ultrapassar a visão do negro (e do mulato) como objeto é ainda tratada por Proença na leitura de romances como Os tambores de São Luís (1985), de Josué Montello, que pretende ser a “saga do negro brasileiro, nas suas lutas, nos seus dramas e na sua tragédia [...]”, e Viva o povo brasileiro (1984), de João Ubaldo Ribeiro. O romance Viva o povo brasileiro (1984), de João Ubaldo Ribeiro, procura narrar a história da formação da sociedade brasileira entendida como o resultado de diferentes formas de violência que caracterizam o encontro dos colonizadores com o gentio e com os oriundos da África. O romance, como já assinalei em trabalhos anteriores11 , constitui referência significativa para se estabelecer um contraponto com as chamadas narrativas de fundação. Assumindo o modelo híbrido dessas narrativas, misto de criação artístico-literária e referencial histórico, o romance propõe rastrear a herança indígena e africana do povo brasileiro para dessacralizar os mitos de harmonização que emolduram a face grandiosa do país.

No âmbito da literatura feita por escritores negros, não se pode deixar de destacar a importância do escritor, teórico e criador do Teatro Experimental do Negro, Abdias Nascimento. Neto de africanos escravizados, Abdias teve participação importante na Frente Negra Brasileira, na década de 30, e na organização de eventos como a Convenção Nacional do Negro, realizada no Rio de Janeiro e em São Paulo, nos anos de 1945 e 1946. Escritor, artista plástico reconhecido, professor em universidades estrangeiras e militante na área política, Abdias Nascimento vem sendo reconhecido com o mais importante nome da cultura negra no Brasil.

Como vimos considerando até aqui, a literatura negra não se configura como um gênero literário nem se mostra a partir de gêneros discursivos específicos. Ora configurada a partir da afirmação étnica ou de marcas de busca de uma identidade negra ou afro-brasileira, ora construindo outros percursos marcados por autores, invenções literárias, temas, situando-se, como assinala Octavio Ianni (1988) por dentro e por fora da literatura brasileira, ela é pauta de discussão em vários momentos entre teóricos, críticos literários, escritores e públicos. Se se pode com maior facilidade acompanhar, como fizeram vários estudiosos citados neste texto, a presença e a ausência de personagens negras em obras da literatura brasileira, o mesmo não se pode dizer acerca dos significados dados à expressão “literatura negra” ao longo do processo de construção de sua história. Acompanhando os títulos de várias antologias publicadas a partir dos anos 80 (século XX), é possível perceber que a designação “negra” está presente na maioria delas: Axé: Antologia contemporânea de poesia negra brasileira, organizada por Paulo Colina, em 1982; A razão da chama – Antologia de poetas negros brasileiros, organizada por Oswaldo de Camargo e publicada em 1987; Poesia negra brasileira – Antologia, organizada por Zilá Bernd, em 1992. Em outras publicações, a expressão “literatura negra” mantém-se, apesar de o título privilegiar uma designação menos referencial. Citem- se as coletâneas Quilombo de palavras – a literatura dos afrodescendentes, organizada por Jônatas Conceição e Lindinalva Barbosa e publicada em Salvador em 2002, e a novíssima O negro em versos, organizada por Luiz Carlos dos Santos, Maria Galas e Ulisses Tavares, publicada em 2005. A se considerar o universo textual das antologias, todas se enunciam com uma intenção de denúncia às vezes, de resistência quase sempre e com gestos de escrita que resgatam memórias silenciadas pela tradição literária no Brasil. Circulando por espaços nem sempre visíveis por olhares desarmados, as coletâneas ainda enfrentam a resistência do leitor que não convive com os textos na escola ou não os identifica nos apelos publicitários das grandes livrarias.

Procurando furar o cerco de incompreensões e dificuldades, a coletânea Cadernos Negros, editada pelo Movimento Quilombhoje desde 1978, vem desenvolvendo estratégias importantes para continuar publicando os contos e poemas que caracterizam cada um de seus números. Nessa coletânea, as expressões “literatura negra” e “literatura afro-brasileira” marcam as contradições inerentes à sua utilização. Já no primeiro número, publicado em 1978, defendia-se a utilização de termos como “expressão negra”, “povo negro”, e a coletânea queria-se “a viva imagem da África” (Apud ALVES, 2002, p. 223). Miriam Alves, em artigo publicado em 2002, considera a intenção dos escritores, ao lançarem o primeiro número dos Cadernos Negros, de se denominarem “escritores negros de literatura negra” (p. 224), projetando encontros, discussões, simpósios, conferências para a discussão de temas ligados ao compromisso dos escritores de arrancarem “as máscaras brancas, pondo fim à imitação” (p. 224). Se observarmos a trajetória dos Cadernos Negros, é possível observar que a intenção de denúncia do preconceito racial e da exclusão vivida pelos descendentes de escravos no Brasil está sempre presente. Ela se traduz seja em textos de forte apelo contestatório, seja no resgate de histórias de gente simples, sempre convivendo com a exclusão, que se encenam nos textos ora assumindo o seu próprio dizer, ora deixando-se contar por um narrador cúmplice, companheiro na encenação.

O primeiro volume dos Cadernos Negros, lançado em 1978, iniciou uma série de publicações de contos e poemas que chegam ao número 29 em dezembro de 2006, tendo, a partir de um determinado momento, anexado ao título o subtítulo que define o conteúdo do volume: poemas afro-brasileiros ou contos afro-brasileiros. Os Cadernos Negros, principalmente em seus primeiros números, tinham como proposta concreta a produção de uma literatura que, seguindo o caminho trilhado por Solano Trindade e outros escritores, seja percebida como um dos instrumentos necessários ao fortalecimento da consciência de ser negro. Para ser coerente com essa proposta, a coletânea apresenta uma literatura comprometida, de certo modo, com uma posição política e com formas de autoconhecimento. É possível perceber, nas propostas iniciais dos Cadernos Negros, a presença da reflexão produzida por Frantz Fanon e por intelectuais do movimento da Negritude, ainda que os poemas e contos se abrissem, de forma concreta, para a discussão dos modos de produção, circulação e recepção dos textos escritos pelo escritor negro no Brasil. Escrevemos literatura para quê e para quem? Interrogam os autores dos primeiros Cadernos Negros em vários textos reflexivos publicados na coletânea Reflexões sobre a literatura afro-brasileira (Quilombhoje, 1985).

O Cadernos Negros 1 concretiza, dentre outras, a proposta de valorização de uma estética negra. Esse tema é recorrente nas publicações dos Cadernos, mas também está presente em outras publicações individuais e coletivas como uma forma de se distanciar de uma visão que particulariza os critérios determinantes de gosto e valor da obra de arte em nossa cultura. Ao proporem uma estética negra, os escritores que assumiram os Cadernos Negros em seus primeiros números procuraram apagar do corpo negro os estigmas remanescentes do sistema escravocrata e das compartimentações nas quais a sociedade brasileira aloja os indivíduos marcados pela pobreza – às vezes miserabilidade – e pela cor da pele.

No número 28, publicado no final de 2005, os Cadernos Negros não ocultam o seu compromisso com a denúncia dessas compartimentações. Tal compromisso faz a publicação sair em busca de um leitor disposto a refletir sobre a internalização inevitável das imagens negativas sobre os indivíduos marcados pela pigmentação não apenas da pele, mas também das oportunidades a eles oferecidas. A motivação inicial dos Cadernos Negros – a descoberta das “raízes negríssimas” da maioria de seus colaboradores e a intenção de “levar adiante as sementes da consciência para a verdadeira democracia racial”12 – diz bem do traçado que os textos procuraram delinear nesses quase 30 anos de existência.

Ao compararmos o texto de apresentação do primeiro número da publicação com o que encaminha os contos do número 28, vamos perceber algumas indicações da permanência dos objetivos iniciais da publicação quando afirma: “Correndo à margem, o trabalho de Cadernos, que vem desde 1978, abrange o resgate de ancestralidades e a indicação de caminhos possíveis” (p. 9). O trecho da “Apresentação” do número 28 repisa sentidos expressos no prefácio do número 1 dos Cadernos, quando se propunha, via literatura, a legítima defesa dos valores do povo negro brasileiro. Considere-se que, no prefácio do n. 28, a proposta de uma poesia assumidamente negritudinista cede lugar à indicação de que a diversidade passa a ser a cara do novo volume, porque, conforme declaram os organizadores, “somos afrodescendentes, temos essa origem comum, mas temos também nossas individualidades, gostos e preferências” (p. 9). Os organizadores destacam também o fato de que cada autor participante do volume tem “um visão clara do que é escrever” (p. 9). No volume de contos, o projeto renovado assume, portanto, novas parcerias e a intenção inicial amplia-se para acolher uma maior “variedade de temas e abordagens” (p. 9).

No novo volume dos Cadernos, a produção literária de alguns escritores revela novas formas de contar as histórias de vidas de gente excluída: o formato do conto “Pisadas”, de Allan da Rosa, sugere a perambulação do narrador-personagem pelos caminhos da pobreza; o conto “Delírios de sombra”, de Cuti, explora várias situações e sensações que, no nível do enunciado, se ligam a estados de delírio e desequilíbrio e, no da enunciação, dizem de insanidades provocadas por um sistema que Fanon procurará descrever, fixando-se na ambivalência entre “raça e sexualidade” e na análise de sintomas de delírios apresentados pelo indivíduo espoliado. O que pode ser visto, em vários contos do número 28, é a permanência de temas ligados ao cotidiano da população de excluídos, a referência sempre explícita a detalhes que caracterizam a exclusão. Nada é mais doloroso que a conscientização da personagem Makini, no conto “Encruzilhada”, de Esmeralda Ribeiro, motivada pelas lembranças de ridículos e humilhações sofridas pelos pobres iguais a ela e pela visão de sua mãe Estela, “toda roliça”, presa na parte inferior da catraca do ônibus, ao tentar passar sem pagar a passagem, seguindo o exemplo dado pelas filhas, as irmãs de Makini. A intenção sempre presente, nas produções dos Cadernos Negros, de denunciar a exclusão aludindo às diferentes marcas que ela deixa nos discriminados reitera o compromisso que a publicação continua a ter com os problemas vividos por uma parcela significativa da população brasileira. Seja pelo detalhamento de situações de penúria, seja pela ironia mordaz presente em muitos textos, a opção por uma escrita de intenção participante indica tendências literárias que, como salienta Antônio Cândido (2004, p. 173), fornece “a possibilidade de vivermos dialeticamente os problemas”.

Deve-se destacar que, na literatura dita negra ou afro-brasileira, as imagens de negro circulam com intenções que se marcam pela autoconscientização e pela imposição de ampliar o espaço de visibilidade dos negros e de seus descendentes, independentemente da cor da pele, do tipo de cabelo ou da carnadura do corpo. A luta por maior visibilidade nos diferentes espaços com que se desenham os mapas das cidades atuais almeja reverter as associações que ligam os negros à feiúra, à sujeira, ao que está fora dos padrões determinantes de um gosto estético e construir uma semântica que esvazie os significados negativos gravados no corpo negro e nos lugares por onde ele é levado a circular.

Esse processo de cura pela assunção da palavra denegada está evidente em poemas do escritor Cuti, particularmente na tríade “Sou negro”, “Eu negro”, “Negro pronto”13, nos quais se denuncia a forma discriminatória com que o negro e o seu corpo são olhados pela sociedade. O enfrentamento ao olhar preconceituoso fica claro em versos do poema “Sou negro”:

Sou negro
Negro sou sem mas ou reticências.
Negro e pronto!
..................................................
Negro no ódio com que retranco
Negro no meu riso branco
 

Negro no meu pranto
Negro e pronto!
Beiço
Pixaim
Abas largas meu nariz
Tudo isso sim
– Negro e pronto! –
(Apud BERND, 1992, p. 84)

Mas também se mostra em versos do poema “Eu negro”, particularmente no emprego de metáforas – “areia movediça”, “pano-pra-manga”, “chaga escarnada” – que aludem a situações de penúria, insegurança e abandono vividas pelo negro no mundo. Em contrapartida, no poema “Negro pronto”, ficam explícitas as referências às negociações e ao aprimoramento de um processo que conduz à conscientização.

O negro pronto
está se fazendo sempre
ponto por ponto
56atento
contra o jogo da humilhação e
cansaço
(Apud BERND, 1992. p. 88)

Fica evidente nos poemas citados uma manifestação literária marcada por um forte compromisso com a conscientização, embora não despreze o cuidado com o trabalho no nível da linguagem. Tais características se mostram de forma mais contundente nos Cadernos Negros, marcando a intenção do grupo de dar à literatura produzida por eles um sentido não somente político. A esse respeito, Arnaldo Xavier é bastante lúcido, quando afirma que o Movimento Negro Brasileiro teria de fazer conviver o político com o cultural. A opinião de Xavier (1987) alinha-se à visão de Deleuze e Guattari (1997) sobre o agenciamento político do literário em situações em que a literatura passa a ser assumida como uma estratégia de solapagem do poder instalado.

Em torno dos textos publicados pelos Cadernos Negros, amplia-se uma reflexão ampla sobre a condição de escrita dos escritores negros, sobre a linguagem em que se expressam, sobre a circulação de seus textos, sobre a marginalidade dessa produção. A esse respeito, vale retomar a observação da escritora Esmeralda Ribeiro, publicada em Criação crioula: nu elefante branco (1987): “Temos de criar uma nova linguagem. [...]. Temos que tomar cuidado e estarmos atentos a esta modernização da informática. [...] Não podemos ficar à margem e não utilizar este veículo, além do livro, logicamente”. (1987, p. 24).

A discussão sobre a escrita dos textos da coletânea Cadernos Negros ultrapassava, como se pode perceber, a questão da etnia ou da busca de uma identidade negra. A relação entre cor da pele e exclusão é um dado importante da discussão de uma escrita que, dizendo-se negra, também assume a expressão afro- brasileira como uma estratégia necessária à ultrapassagem de tendências do mercado e da circulação dos textos.

A expressão literatura afro-brasileira, parece-me, tem uma motivação norte- americana, mas procura também diluir o essencialismo que o termo “negra”, associado à palavra literatura, pode indicar. Como bem acentua Duarte (2006), a expressão “afro-brasileira” procura também se afastar de questões postas pela crítica e não respondidas de forma satisfatória. Uma delas se relaciona com a dificuldade de se responder à pergunta “O que é literatura negra”, sem se esbarrar no ranço das discussões sobre a negritude. A estudiosa Zilá Bernd (1988) chama a atenção para o fato de que “ao se autoproclamarem negros, os autores ainda uma vez estão enunciando seu discurso de acordo com o contrato estabelecido pelos brancos” (p. 21). A opinião da estudiosa remonta à observação de Frantz Fanon quando discutia o fato de que, no discurso da colonização, negro e branco são formações discursivas postas em oposição. Procurando sair desse “círculo de giz”, Bernd considera que a literatura negra se anuncia pelo “surgimento de um eu enunciador que se quer negro.” (p. 23). Tal proposta já deu muito pano pra manga e discussões que sempre caem em particularismos. Mas, passado o calor da hora, é possível perceber que o agenciamento do texto é que vai indicar a pertinência de sua nomeação. Mais que definir o texto por expressões como “literatura negra” – sempre encurralada no paradoxo da cor da pele e da intenção do texto – ou “literatura afro-brasileira”, que vem se confirmando como regra geral, é pertinente auscultar o texto e perceber os sentidos que ele ajuda a construir na contramão, nos caminhos marginais, mas por isso mesmo, menos percorridos por parafernália teórica.

Todavia, mais que se prender a conceituações, importa possibilitar a entrada dos textos em maior circulação, aprendê-los em sua feitura, discutir a materialidade discursiva com que se apresentam, assumindo as inovações de sua escrita. Vários escritos têm realizado a façanha de imprimir o político nos arranjos do texto que prefere se desligar da encenação do protesto explícito. Assumindo a capacidade que o texto literário tem de fazer deslizar significados ideológicos, propõem um desarranjo, uma constante ambiguidade, que se explicita nos versos do poema “Fugaz”14 , de Edimilson de Almeida Pereira: “Letreiro de ônibus/ não é seta nem rota/ ou lugar, mesmo/ para quem lê/ Nessa/ biblioteca em rodas/ tudo o que diz o signo/ não dura”. Os versos do poema aludem à natureza da literatura, à sua proposta implícita de lidar com imprevisibilidades. Constituindo-se como uma estratégia de enfrentamento, pretende desarticular a ação previsível e o gesto que se perde – porque mal calculado – na garantia de sua imobilização.

Assumir que a literatura afro-brasileira quer recuperar o jogo, as “palavras jongadas de boca em boca”15 evitaria talvez discussões às vezes infrutíferas que revelam pontos de vistas feitos à margem da instituição que os escritores afro- brasileiros, afrodescendentes escolheram para se expressar. Talvez ciente do perigo de se exigir da literatura afro-brasileira um compromisso imediato com as questões sociais, o escritor Edimilson de Almeida Pereira venha apontando o risco de critérios étnicos e temáticos se sobreporem ao trabalho com a linguagem, em textos literários que se querem instrumento de resistência e combate ao racismo, à exclusão, à invisibilidade do negro. Assumindo de certa forma direções apontadas por Antônio Cândido, mas invertendo-as, Pereira indica a possibilidade de a literatura produzida a partir de matrizes africanas ou voltada para o agenciamento literário como combate aos discursos de exclusão que atingem “simultaneamente o sujeito e a sua comunidade” (PEREIRA, 2001, p. 107) ser produzida como um trabalho específico com a linguagem. A condição afro-brasileira da literatura constituiria, então, uma ruptura com os contratos de escrita legitimados e a disposição de trazer para o texto literário “um sujeito que escolhe a diáspora e que expressa sua oposição nas construções de [...] quilombos móveis, de identidades plurais, de etnicidades cruzadas” (CANEVACCI, 1973, p. 10).

Nessa direção demolidora que assume a força da palavra escrita, vários escritores e escritoras têm contribuído para distender os sentidos ainda persistentes em visões que agenciam a origem étnica e os conteúdos marcados pela denúncia e resistência, sem impedir, no entanto, que o texto aponte para uma sensibilidade capaz de construir perspectivas de mudanças que, no âmbito da literatura, indicam a reconfiguração de paisagens literárias. No âmbito das produções publicadas pelos Cadernos Negros, essas paisagens assumem a “cara da diversidade” (RIBEIRO; BARBOSA, 2005, p. 9), mas também são indicadas pela produção literária de muitos escritores e escritoras que distendem a questão étnica em busca de novos arranjos de linguagem que assumam as matrizes africanas presentes na cultura brasileira.

Várias escritoras – dentre as quais Miriam Alves, Esmeralda Ribeiro, Lia Vieira, Cristiane Sobral, Conceição Evaristo – trazem para seus textos um eu-mulher enunciador de visões de mundo que desestabilizam tanto o racismo quanto o sexismo. A assunção do eu-mulher que fala nos poemas dá à produção literária de muitas mulheres negras uma dimensão que ultrapassa a questão epidérmica. Os versos de Miriam Alves, no poema “Pedaços de mim”, aludem ao processo de expurgar do corpo as marcas impressas por uma exclusão outra:

Olho-me
espelhos
Imagens
que não me contêm
(ALVES apud Bernd, 1992, p. 94)

Esmeralda Ribeiro utiliza a metáfora do rio para expressar o desejo de salvar- se das “águas incertas” e dos “laços de tormenta” e dos “castelos movediços”16 que prendem e acorrentam o desejo da mulher. A metáfora assumida pelo poema diz bem da assunção do feminino como uma correnteza, como um corpo em que o desejo se mostra em diferentes linguagens. Conceição Evaristo trabalha de forma mais contundente o universo feminino recolhendo, em poemas, contos e romances, as lágrimas e as “molhadas lembranças”, material que fecunda a sua poética. A arte de escrever torna-se a ferramenta utilizada para recompor o vasto painel de experiências de pobreza e de observação atenciosa dos fragmentos de memória com que costura os seus textos. A memória costurada pelos textos expõe-se em versos que recolhem gestos e palavras de mulheres que conviveram com a poesia que pode ser encontrada mesmo na dureza da vida. Vida e arte mostram-se no poema “De mãe”:

Foi mãe que me fez sentir
as flores amassadas
debaixo das pedras
os corpos vazios
rente às calçadas
16 Expressões tomadas ao poema “Vários desejos de um rio” (CN, 1998, p. 67-70).
e me ensinou, insisto, foi ela
a fazer da palavra
artifício
arte e ofício
do meu canto
da minha fala.”
(EVARISTO, apud CN 25, 2002, p. 36).

Assim, caberia introduzir-se, na discussão sobre os sentidos construídos ao longo do tempo pelas expressões “literatura negra” ou “literatura afro-brasileira”, a observação dos trânsitos que se efetivam na interlocução entre os textos e os leitores em diferentes “locais de cultura”. Sendo esses locais diferentes em si mesmos e alterados por forças diversas, é de se pensar que, ainda que se queiram fechados, eles não conseguem inibir a pluralidade de sentidos que os diferentes usos das expressões nelas imprimem, ainda quando se queira conservar um sentido mais específico. Ao serem utilizadas para significar o coro de vozes discordantes que se manifestam no meio social, as expressões permitem que uma gama de efeitos de sentido sejam construídos por estratégias que, sendo literárias, são também políticas no sentido amplo do termo.

Talvez se pudesse pensar que as diferentes mesclagens agenciadas pela escrita literária “se alongam, se confundem, se entrelaçam em corpos interzonas” (CANEVACCI, 1996, p. 41), formando novos arranjos que o escritor não consegue controlar, porque é no espaço da recepção que elas se manifestam com maior intensidade. Ao perceber as mesclagens inevitáveis, Canevacci procura valorizar os campos de tensão e os espaços desarticulados por diferentes revoluções que instalam “um pânico desejoso” (p. 40), porque estimula o desmanche de pontos presos e aposta em transgressões que também, poderíamos acrescentar, se localizam no interior da língua literária. Tais transgressões, ao marcarem os movimentos oscilantes de desterritorialização e reterritorialização que as expressões “literatura negra” e “literatura afro-brasileira” agenciam, ainda quando pretendem reafirmar um locus enunciativo específico, tornam-se emblema de intensas revoluções que a literatura assume para expor-se sempre como linguagem em transgressão que está, como acentua DUARTE (2007):

dentro da literatura brasileira, porque se utiliza da mesma língua e, praticamente, das mesmas formas, gêneros e processos (procedimentos) de expressão. Mas que também está fora porque, entre outros fatores não se enquadra na “missão” romântica, tão bem detectada por Antônio Cândido, de instituir o advento do espírito nacional.

Transitando sempre em vias de mão dupla, as expressões assumem as contradições inerentes à sua utilização, mas permitem que se pense na vasta produção de textos que instigam a reflexão sobre a função da literatura que se volta para os segmentos excluídos ou neles produzidos, fazendo-se, no campo da arte, instrumento capaz de produzir efeitos significativos de mudança em cenários culturais e atitudes.

Notas

* Maria Nazareth Soares Fonseca é doutora em Literatura Comparada e professora aposentada dos cursos de Letras da UFMG e da PUC Minas. Pesquisadora do CNPq, além de diversos ensaios e artigos críticos publicados em periódicos nacionais e estrangeiros, organizou os livros Brasil afro-brasileiro (2000), Poéticas afro- brasileiras (2003), Literaturas africanas de língua portuguesa – percursos da memória e outros trânsitos (2008), entre outros. É também autora de Literaturas africanas de língua portuguesa: mobilidades e trânsitos diaspóricos (2015). É também co-organizadora da coleção Literatura e afrodescendência no Brasil: antologia crítica (2014, 4 vol.).

1 In: DUARTE, Eduardo de Assis; FONSECA, Maria Nazareth Soares (Orgs.). Literatura e afrodescendência no Brasil: antologia crítica. 2.ed. Belo Horizonte: Editora UFMG; Brasília: SEPPIR, 2014, vol. 4, História, teoria, polêmica, p. 245-277.

2 Aqui nas margens do inferno/ Fica Harlem/ Recordando as velhas mentiras,/ Os velhos pontapés nas costas/ O velho, Tenham paciência,/ Que eles dantes nos diziam. Os versos pertencem ao poema “Que fazer”, de Langston Hughes, publicado no livro Também eu sou a América. Citado por ALVES (1997, p. 93).

3 Versos do poema “Disfarce”, de Oswaldo de Camargo. Citado por BERND (1992, p. 69).

4 A expressão remete ao título da obra de Frantz Fanon, Les damnés de la terre (1961), publicada em Paris pela Editora Gallimard.

5 “Eles dirigem o armazém/Fazem a escrita/Nós temos que agradecer/Por sermos enganados”. Versos do poema “Old Lem” (“O velho Lem”), de Sterling Brown, publicado em 1932. O poema integra a antologia Também eu sou a América (1997:52/53), organizada por Hélio Oswaldo Alves.

6 “Todos os batuques das selvas me latejam no sangue”. Verso de “Poema”, de Langston Hughes (op. cit.).

7 Ah/ que pedaço de sol/ carne de manga/ melões de água/ bananas. Poema “Pregón”, do livro Sóngoro cosongo (1931).

8 A expressão procura traduzir um aspecto do comportamento imposto ao escravo pelo sistema escravocrata (Cf. KESTELOOT, 1962, p. 88).

9 A referência liga-se ao verso “le fil rouge de mon sang de ma raison de mon droit”, do poema “Viscères du poème”, do livro Ferrements (1959), de Aimè Césaire.

10 Ver DUARTE, Eduardo de Assis (2005, p. 123).

11 FONSECA (1993), (1997), (2000), (2002), (2006).

12 As partes entre aspas foram tiradas do prefácio dos Cadernos Negros n. 1, lançado em 25 de novembro de 1978. 

13 Os poemas de Cuti “Sou negro” e “Eu negro” pertencem ao livro Poemas de carapinha, publicado em 1978, e “Negro pronto”, ao livro Flash crioulo, publicado em 1987. Neste texto, estão citados a partir de Bernd (1992).

14 Versos do poema “Fugaz”, do livro Zeosório Blues – obra poética 1 (2002).

15 A expressão assume as intenções explícitas do título de texto publicado em Criação crioula: nu elefante branco (1987), o qual transcreve as falas de vários escritores participantes dos Cadernos Negros, à época.

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