Relato de uma guerra que (não) acabou

(Fragmento)

Simone: Dona Rosane, a senhora sabe que a minha pesquisa é sobre a violência. Tô tentando entender como é que as rádios comunitárias...

Ro: Fala tudo num folego só. A senhora não vai entender nada. Vocês não vão entender nada nunca. Porque não querem. Porque vocês tem dinheiro, casa, carro, educação, médico quando precisa, comida e conforto. Vocês agora ficam com esse negócio de ajudar. De solidariedade. Pensa que a gente é besta? Acham que vão salvar a gente dando bolsa de cinquenta reais e ensinando reciclagem? Dando quilo de alimento? Vocês querem é se salvar. Porque têm medo. Vocês acham que todo mundo que mora em favela é bandido. Mas não é não. Tem bandido também. Mas quem faz os bandidos daqui é a necessidade. Quem faz os bandidos daqui são vocês mesmos, que não respeita a gente. A gente tem dignidade. É por isso que não quero ter filho nessa porra! Construí meu barraco sozinha e moro lá sozinha, pra ninguém encher meu saco. Vivo como posso e não peço nada a ninguém. Me defendo. Tenho minha arma e meto a bala no primeiro que vier me sacanear. E isso todo mundo quer. Todo mundo. Não posso atirar em todo mundo. Principalmente nos bacanas de fora que só quer enrabar a gente. Aponta para Tito nos braços de Esmeralda. Por isso não vou ter filho. Nessa porra. Porque ele não vai consertar o mundo e nem eu. Eu não vou botar mais um neste mundo, pra levar a vida de merda que eu levo. Tenho só a arma como salvação. E uma arma só não dá pra acabar com essa cambada toda de filho da puta.

(Meirelles, 2002, p. 37).


LIVROS E LIVROS

Ficção

Cuti - A pupila é preta
Luiz Silva, conhecido no universo literário por Cuti, nasceu em Ourinhos, estado de São Paulo. Graduou-se em Letras (português-francês) pela USP. Concluiu mestrado em Teoria da Literatura e doutorado em Literatura Brasileira pela Unicamp. Histórico militante pelos direitos da população negra brasileira, foi um dos fundadores do coletivo Quilombhoje Literatura, com o qual manteve vasta colaboração. Cuti também ajudou a criar a série Cadernos Negros, a qual teve início em 1978 e segue em plena atividade. O ano de 1978 marca o início da vida literária...

Poesia

Iza Reis - Os caminhos de volta para a casa
Caminho de volta pra casa é o primeiro livro da escritora, slammer e poeta Iza Reis, publicado pela Editora Vienas Abiertas (2023). A coletânea de poemas apresenta para o público a voz potente da autora que, em seus versos, aborda questões sobre amor, sobre orixás, além de temáticas relacionadas à ancestralidade e ao corpo feminino. A poeta propõe ainda reflexões sobre racismo e sobre as consequências da escravização deixadas pelos colonizadores.   Acompanhada de belas ilustrações, feitas pelo artista Pablo Xamã, tatuador e ...

Ensaio

Dalmir Francisco - Comunicação, Música Popular e Sociabilidade
Comunicação, Música Popular e Sociabilidade – eis o novo livro do professor Dalmir Francisco, doutor em Comunicação e Cultura e PhD em Comunicação e Cultura das Minorias. Professor da UFMG, o autor escreve sobre a relação entre a mídia radiofônica, a música popular e a cultura, focalizando as contribuições de diversos artistas afrodesdendentes e eurodescendentes neste cenário tríplice. Resultado de anos de ensino e de pesquisa sobre o tema, este livro é uma comprometida reflexão sobre os significados das canç...

Infantojuvenil

Nilma Lino Gomes - Olhares sobre Betina
Uma das ponderações mais relevantes do discurso feminista diz respeito ao que propõe Virginia Woolf em Um teto todo seu. A autora vai tecendo, frase a frase, um modo de expor à mulher, e a quem mais possa interessar, sobre a importância e a força da palavra escrita: “Não há marcas na parede para determinar a altura precisa das mulheres”. (WOOLF, 2014, p. 123). Plataforma ou simplesmente slogan político, a frase encerra uma certeza que resistiu ao passar dos séculos: o poder da mulher. Embora ao precisar essa e outras reflexões Woolf tenha se di...

Memória

Júlio Ludemir (Org.) - Carolinas: a nova geração de escritoras negras brasileirasCarolina, Carolinas, e um futuro que se abre Fernanda Rodrigues de Miranda* Carolina Maria de Jesus é um signo. Uma mulher preta insubmissa. Altaneira. Um caminho luminoso que se abriu na mata fechada. Uma clareira. Uma revolução. Sabe dela quem sabe das bifurcações de cada gesto, quem sabe dos desafios de si, quem colhe vento de mudança porque antes lutou pelas mudas de ousadia. Carolina é uma estrada. Sua grande marca na literatura é aquela que sinaliza a nossa cor, a nossa cara, a nossa resistência, a nossa herança. De tudo que ela nos deixou, ficou principalmente o sim, eu escrevo.  “– ...

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