Os caminhos de volta para a casa

 

 Mikaella Pereira da Silva*

 

 

Caminho de volta pra casa é o primeiro livro da escritora, slammer e poeta Iza Reis, publicado pela Editora Vienas Abiertas (2023). A coletânea de poemas apresenta para o público a voz potente da autora que, em seus versos, aborda questões sobre amor, sobre orixás, além de temáticas relacionadas à ancestralidade e ao corpo feminino. A poeta propõe ainda reflexões sobre racismo e sobre as consequências da escravização deixadas pelos colonizadores.

 

Acompanhada de belas ilustrações, feitas pelo artista Pablo Xamã, tatuador e desenhista mineiro, especialista em cultura negra, os poemas de Iza Reis apresentam versos livres e não seguem regras específicas no trato com a linguagem poética. Por outro lado, os poemas alcançam espaços dispostos na folha em branco, indicando aos leitores imagens e um ritmo particular que segue também o projeto estético e político do slam.

 

A poeta aborda temas voltados à cultura afro-brasileira, como a recorrente alusão aos orixás, a exemplo de “Mametu”, que sugere a importância da ancestralidade e a conexão com a terra:

 

Me fritou um ovo e me deu um chazinho. A

calma foi se assentando o medo ficando

pequenininho. Me deu roupas brancas, me

ensinou a pedir bênção, disse que meu lugar é o

terreiro pois

A terra me sentiu

Me sentiu como o peito duma mãe que se escorre

ao botar a cria pá descer.

A terra me chamou pá poder aprender Meu

banho é gelado e eu não temo a correnteza

Alguém me disse em sonho que meu corpo é

minha maior riqueza A memória ancestral de

um povo em comunhão com a natureza, Me

ensinou que vida em equilíbrio é a eternidade, E

o caos é necessário para restabelecer a verdade.

E não se assuste, rapaz porque mulher de

terreiro traça as rotas de fuga nas tranças, bate

atabaque e balança

(...) (p. 16).

 

No poema, a relação das mães de santo, como se nota já no título, remete também ao significado que a palavra tem na língua Kimbundo: “mametu” = “nossa mãe”. Tal acepção evoca a importância e a representatividade da mulher negra que “bate atabaque” e utiliza as tranças como rotas de fuga. Nesse processo, encontra-se a cultura afro-brasileira como meio de afirmar o sentido que esses símbolos tiveram para os antepassados e ainda tem para os contemporâneos. Ao ter contato com a terra, o eu lírico tem o acolhimento e o carinho, tal qual uma mãe tem para com seu filho, mostrando a relação de reconhecimento que faz a ponto entre sujeito e a terra.

 

Quando sonha, o eu poético evoca a voz coletiva dos ancestrais que repassam os ensinamentos da conexão com a natureza e, através dessa junção de vozes, a autora faz uso da linguagem oral utilizada pelos ancestrais africanos para compartilharem ensinamentos, culturas e tradições. Ao utilizar esse recurso, é preciso observar que a linguagem também é aquela circunscrita às batalhas de Slams, à ideia de ritmo que anterior ao verso escrito.

 

Em sua escrita ritmada que, ora é leve ora impactante, a autora transporta-nos para as batalhas de Slams que, como nas de Raps, são caracterizadas pela declamação em espaços públicos e pela presença de poetas integrantes de grupos historicamente excluídos. Dessa forma, dá-se visibilidade às suas causas, a fim de que se coloquem como protagonistas de suas histórias. Os poemas de Iza Reis fazem-nos questionar a falta de protagonismo do negro na sociedade brasileira e apontam também para o modo como a sociedade ainda trata estes corpos, como se lê nestes versos: “Ser forte não é uma opção de vida é instinto de sobrevivência” (p. 41).

 

Na literatura, esses questionamentos também surgem quando nos diz, em outro verso, que “Precisamos/ retirar a/ literatura/ das mãos dos/ brancos” (p. 30), expondo a necessidade de questionarmos o silenciamento das vozes negras nas histórias e nas nossas literaturas.

 

Leiam Iza Reis!

 

Belo Horizonte, novembro de 2023.

 

 

Referência

 

REYS, Iza. Caminho de volta pra casa. Belo Horizonte: Editora Vienas Abiertas, 2023.

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* Mikaella Pereira da Silva é graduada em Letras pela Pontifícia Universidade Católica de Minas Gerais (PUC-MG) e mestranda em Letras, Literatura de Língua Portuguesa, pela mesma Instituição.

 

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