Candombe

Do acetilénio à luz, no vasto pagodô,

Ágil mulata arisca, em revolutas, dança.

Fuzila o seu olhar, que um brilho estranho lança,

E a roda canta o congo, em preces a Xangô.

 

Vistosa se lhe enfuna a ampla saia de chita

Nos quebros da coréia, E o seu balangandã

De Zazi e de Omolu, de Oxóssi e de Nanan,

De uma deusa nagô deu-lhe a forma esquisita.

 

Agressivos e maus, os fortes seios tesos,

Sob a renda a tremer do camisu de linho,

Tentando como loiro e capitoso vinho,

Nos trazem de volúpia os íntimos acesos.

 

Lindo pano da Costa as ilhargas lhe prende,

No batuque se esfaz em trágicos meneios.

E os negros olhos cruéis a tudo e ao todo alheios,

Dão-lhe agora a expressão de um funâmbulo duende.

 

Rouco e surdo a roncar, rudo, roufenho e fundo,

Raucíssono tabaque o burgo acorda e abala.

Dá-nos toda a impressão de uma velha senzala,

Esta cena infernal de coisas do outro mundo.

 

E rolando se vão, perdidos em falange,

Pela treva da noite, erma, Soturna e treda,

No silêncio morrer de encruzada vereda,

De agogôs e canzás os sons que o vento tange.

 

De capim de caboclo a incenso me saturo,

Que ardendo ao centro vão deste recinto morno,

Ao passo que ela expõe do corpo o heril contorno,

Sobre os pés nus dançando em áspero chão duro.

 

Ríspido e barulhento o ca-xi-xi chocalha,

E louca se desmancha e toda se requebra,

Em honras de Xangó, cujo culto celebra,

Certa de seu poder imenso que não falha.

 

E pula e salta e canta e roda e gira aos pinchos.

E corta e recorta o ar de alucinados gestos,

Desengonçando o tronco em movimentos prestas,

De seu grande orixá desfere agudos guinchos.

 

Bailado singular, dança de abracadabra,

Ginástica que o colo empina e curva o dorso,

Que a faz baixar e erguer-se em voltas, em contorço,

Ginástica espetral, diabólica e macabra.

 

Do exótico melenge, o ambiente, exausta, deixa,

Desfeita a coifa, o olhar parado, o corpo lasso,

Depois de a todos dar o regular abraço,

Ao monótono soar da derradeira endecha.

 

E a meiga e doce aurora o longo e róseo véu

Distende no ar macio, onde o mistério bóia.

É uma pedra a luzir de aberto porta-jóia,

A Estrela do Pastor do escampo azul do céu.

(Aloísio Resende, p. 47-48.)

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