Por que escrevo

Sempre acreditei que o ser humano precisa de uma válvula de escape para suportar os problemas. Alguns aproveitam os finais de semana indo à baladas, dançando e bebendo o tempo todo. Outros vão às compras consumir, alguns se drogam, outros descarregam seu estresse no ato sexual.

Na minha cabeça têm sempre duas opiniões distintas, pensamentos cruéis, dúvidas, imaginações mil, enfim, vivo em constante conflito comigo mesmo.

Para apaziguar esses demônios achei na escrita a minha válvula de escape. Mas escrevo também por outro motivo em particular.

Na minha infância sofri muito preconceito racial por ser negro. Sofri porque não sabia me defender, e achava que ser negro era errado.

Para completar a minha falta de auto-estima algumas cenas do meu dia-a-dia deixavam-me totalmente pra baixo.

Uma das atividades em sala de aula era colorir figuras. As professoras passavam o desenho pra gente e quando esse desenho era um ser humano, sempre via algum aluno pedindo o lápis de cor bege porque queria pintar da cor de “gente”. E eu ficava perguntando pra mim mesmo se “gente” era apenas bege.

Outro fator foram as histórias em quadrinhos que raramente tinham personagens negros ou da “cor preta”. Exemplo disso são os gibis da Turma da Mônica de Maurício de Souza. O único negro que eu conhecia na história era o Pelézinho, que só aparecia vez ou outra.

Os desenhos animados pra mim eram um grande desanimador, deixavam-me ruminado fatos e coisas com relação a heróis negros. Tinha um personagem que ficava forte de uma hora pra outra, crescia que até chegava a rasgar as roupas do corpo. Mas ele era verde.

Passava nessa época um seriado muito conhecido chamado “Os Trapalhões” onde os únicos negros que tinham era o Mussúm que só queria saber de samba e de beber cachaça, e o Tião Macalé, um ator que só aparecia quando o programa ia para o intervalo e dizia; “Ih, nojento, tchan” – e sorria sem os dentes da frente. Ele era banguela.

E pra completar a falta ou a má imagem do negro na sociedade, muitas vezes assistia novelas e filmes com meus tios e minha avó. O negro dificilmente aparecia, e quando isso acontecia era sempre em último plano.

Então, não escrevo apenas como uma válvula de escape, mas também como vingança. Quero criar meus próprios personagens e da minha forma de ver o mundo, como ele existe ou pode existir. Para preencher o vazio deixado por outros.

É por isso que escrevo.

(Racismo: São Paulo Fala.)


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