Um
em negro
teceram-me a pele.
enormes correntes
amarram-me ao tronco
de uma Nova África.
carrego comigo
a sombra de longos muros
tentando impedir
que meus pés
cheguem ao final
dos caminhos.
mas o meu sangue
está cada vez mais forte,
tão forte quanto as imensas pedras
que os meus avós carregam
para edificar os palácios dos reis.
(A cor da pele.)
Dois
de pés no chão
palmilhei duros eitos
movidos a chuva e sol.
de pés no chão
atravessei frios ghetos
de duras cicatrizes.
de pés no chão
Teodoro, meu avô
envelheceu mansamente
as suas mãos escravas.
(A cor da pele.)
Escravo Isidoro
Foi no mês de junho de 1809
que Isidoro entrou preso no Tejuco.
Era triste espetáculo.
Vinha amarrado em um cavalo,
cercado de pedestres,
todo ensopado de sangue.
Joaquim Felício dos Santos
Memórias do Distrito Diamantino.
Quebraram-lhe os ossos
pisaram-lhe a carne.
Rasgaram-lhe os olhos
os lábios se uniram
em selo e sinal
arfando silêncio.
Fritz Teixeira de Salles
Dianice Diamantina.
É noite,
Isidoro destramela
a porta da senzala
lua clara,
riscos de nuvens cobrem o pico do Itambé.
Isidoro
sai pé ante pé
dispara.
Ele sabe dos fios das conversas,
da arenga na boca das catas,
ele sabe onde esconder o ouro
e camuflar o fisco.
O diamante é um sonho
que escorrega pelas mãos.
A rebelião está armada
meias palavras
portas fechadas.
Isidoro é chamado,
a chibata come.
Seu corpo é arrastado
pelas ruas do Tejuco.
(Texturaafro, p.12-13.)
Limite
e quando a palavra
apodrece
num corredor
de sílabas ininteligíveis.
e quando a palavra
mofa
num canto-cárcere
do cansaço diário.
e quando a palavra
assume o fosco
ou o incolor da hipocrisia.
e quando a palavra
é fuga
em sua própria armadilha.
e quando a palavra
é furada
em sua própria efígie.
a palavra
sem vestimenta,
nua,
desincorporada.
(Litanias de cão, p. 11-13.)
Minha avó
vovó justina
preta minas
preta mina
preta forra
preta forno
& fogão.
vovó justina
preta forró
preta mucama
preta de cama
& fogão.
(A cor da pele.)
Teodoro, meu avô
suas calejadas mãos
vaquejando nuvens perdidas
na memória.
suas calejadas mãos
pastoreando madrugadas
em lombos de cavalos misteriosos.
suas calejadas mãos
apascentando
tênues luzes de luares
em remotas fogueiras
de São João
& cachaças.
suas calejadas mãos
analfabéticas
marcadas
suadas
picadas
indefinidamente
até o último escorpião.
(A cor da pele.)
Meninas e mulheres negras dificilmente são incluídas nos espaços, precisamos chegar arrombando portas, mas infelizmente a sociedade presta bem mais atenção na porta arrombada do que em nós. Que os raios do inferno caiam sobre todos que guardam para legitimar abusos e neutralizar as vítimas e ainda nos pedem cumplicidade! Não me contem mais os segredos do patriarcado, do capitalismo e da supremacia branca pedindo-me para guarda-los, porque não estou disposta a manter a boca fe...
33 emparedadas na lamaentre as frestas das paredesemparedadassobre o sândaloo mormaço tramado pelas ranhurascom as órbitas entalhadasemparedadas nesse poçopara que em suas fendastodo murmúrio seja rocaemparedadas nesse poçosustêm a brandura da água Eliane Marques2021 Quando se lê o novo poemário de Eliane Marques, intitulado O poço das marianas, publicado pelo selo Orisun Oro, da Escola de Poesia, está-se diante de uma explosão das camadas significantes, de uma poética que se cria, p...
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