Bai Bai, Pelô

(Fragmentos)

Dona Edna - Ah, meu Deus, Negócio Torto voltou, Pró?

Professora - Voltou e a senhora precisa ver que condições está. Oh, minha querida, você não tem aí um quartinho pra ceder para esse rapaz se abrigar, meu amor?

Dona Edna - Oh, meu amor! Né nada não, viu, Pró! Mas quando começou essa reforma, aqui no Pelourinho, as portas do IPAC pareciam as portas do céu, que todo mundo queria reservar espaço para morar. Agora então, parece delegacia, que todo mundo vem prestar queixa. Negócio torto tá aí. Como todo mundo sabe, Negócio Torto é desabrigado. E cabe a quem assistir os desabrigados? Cabe à Prefeitura, Pró. Ao IPAC, cabe preservar pelo patrimônio artístico e cultural de Salvador, da Bahia, do diabo a quatro. Chegue lá, procure a CODESAL, a URBIS, a 13ª e dê queixa, Pró. Não, Pró, desculpa. Você não vai sair daqui sem auxílio não, viu, Pró? (Escreve alguma coisa no papel) Pronto – aqui estão dois telefones, um da ONU, outro de Deus. Se não resolver, o outro é batata. Pró, me deixe quieta, porque eu vou tomar o meu sorvete e bater o meu ponto.

(As duas descem do praticável)

[...]

Chandinha - Agora você avalei a minha situação, Maria! Largada naquela Canabrava, minha filha, com sete filhos, morando de favor na casa da minha irmã que já tem oito. É, tô morando de frente pro lixão. Menina, é uma agonia, é um desespero, quando aquele povo começa a catar aquele lixo, aquelas crianças a brigar por um pedaço de carne pôde. Maria, até cachorro morto, minha filha, eu já vi mãe pegar pra dar o filho pra comer. É tanta agonia, tanta consumição no juízo, que se você não tiver fé em Deus, você sai doida! E ainda para completar me vem este sobrinho pra eu terminar de criar.

(Meirelles, 1995, p. 163-164).

[...]

Marcelo - Tá vendo aí? O que está acontecendo com Negócio Torto serve de exemplo. Serve de exemplo para que tomemos consciência da importância da nossa união num momento tão importante como este que estamos passando agora. Na nossa primeira reunião com o IPAC que discutimos a questão dessa reforma, tivemos uma presença apoteótica – mais de 360 moradores! Já na segunda reunião, completamente solapada pelo poder público, compareceram menos de 20. E enquanto isso, os demais desavisados e afoitos estavam sendo enganados pelo poder público, que está aí não para resolver nossas causas, nossos problemas, e sim se livrar da gente. Porque sabem que aqui, na maioria, somos negros e pobres, dona Edna...

(Meirelles, 1995, p. 172).

[...]

Neusão - (Vê Negócio Torto e fica desesperada) Brigadeiro! Ô, Brigadeiro! O que foi isso aqui, rapaz? Mataram o cara aqui, dentro do meu estabelecimento? Porra! É Negócio Torto! Vão me chamar de ladrona, de assassina! Olha a cara dela no jornal! Rapaz, as tripas do cara tá saindo toda! (Reclamando com Negócio Torto, aos berros) Seu porra! Seu sacana! Como é que você faz isso comigo, Negócio? Vem morrer logo aqui dentro do meu estabelecimento? E eu gostava até de você! (Para o público) Vim para essa cidade, ralei como a porra, passei até fome, resistí a essa reforma e vem esses cambadas de morto de fome e acaba com tudo! Eu vou voltar a ser violenta e dar peixerada em todo mundo aqui dentro! Não tem desculpas! (Para Negócio Torto) E não fique me olhando com a sua cara de sacana, seu porra! Eu já sei o que vou fazer... (Empurra o cadáver de Negócio Torto, rolando pelo chão, até a beira do palco) Vou jogar você pra fora! Fechar meu estabelecimento! Todo dia aparece um morto aqui no Pelourinho. Quando a polícia chegar não vai saber que ele morreu aqui dentro. Ai, meu coração! É hoje que eu morro!

(Meirelles, 1995, p. 215-216).


LIVROS E LIVROS

Ficção

Abdulai Sila – Trilogia de padjigada
Abdulai Sila, da Guiné-Bissau, nasceu em 1958 e lutou intensamente para a libertação de seu país do jugo colonial português. Foi um dos fundadores da revista Tcholona, do Instituto Nacional de Estudos e Pesquisa (INEP), da Associação dos Escritores da Guiné-Bissau (AEGUI) e da primeira editora privada guineense, a Ku Si Mon Editora, que já completou mais de três décadas de existência. Sila atua em muitas frentes sempre ...

Poesia

Salgado Maranhão - A voz que vem dos poros
Na data determinada,amanheceu encomendandoos filhos (todos já paisde netos):“cuidem do Sérgioque é cego; cuidem do Docaque é manco;cuidem do Joãoque é distraído. Cuidem também da luaque é mãe do plantio;cuidem do sol,pai da colheita.” E foi-se!como um raio partindoas nuvens.  (“Memorália IV, Salgado Maranhão)   Com quantas memórias se produz um poema, com quantos corpos, fios e f...

Ensaio

Luiz Henrique Oliveira / Fabiane Cristiane Rodrigues – Trajetórias editoriais da literatura de autoria negra brasileira
  Mesquinho e humilde livro é este que vos apresento, leitor. Sei qude passará entre o indiferentismo glacial de uns e o riso mofador de outros, e ainda assim o dou a lume.   Maria Firmina dos Reis 1859     As palavras em epígrafe, oriundas da primeira romancista negra da língua portuguesa, remetem a tempos e mentalidades marcadas pelo preconceito em que se fundamentou a opressão de gênero também no campo da literatura. Situação esta agravada pela desumanização decorrente de séculos vividos sob o taco da chibata senh...

Infantojuvenil

Rafael Calça e Jefferson Costa - Jeremias: Pele
Desde 2012, a Maurício de Sousa Produções criou o projeto Graphic MSP, para o qual artistas brasileiros são convidados a criar histórias sobre os clássicos personagens da Turma da Mônica. Jeremias por muito tempo foi um personagem da turma que não possuía uma história de origem ou uma identidade que o tornava único dentre as diversas criações de Maurício de Sousa. Entretanto, em 2018, é lançada a novela gráfica intitulada Jeremias: Pele, cujos autores são a dupla de artistas Rafael Calça, que trabalhou com o r...

Memória

Oswaldo de Camargo - Lino Guedes, seu tempo e seu perfilLino Guedes resgatado Eduardo de Assis Duarte*   Paulista, nascido na pequena Socorro, mas desde jovem participante ativo da cena cultural da metrópole modernista, Lino Guedes (1897-1951) é exemplo de quão questionáveis, e mesmo falhos, são os critérios de consagração crítica adotados no Brasil. Da mesma forma que nossa historiografia literária não tomou conhecimento de inúmeras escritoras do século XIX, todas com livros individuais em seus currículos, para incluir apenas duas – Francisca Júlia e Auta de Souza, num universo de mais de 150 –, não bastou a Lino Guedes publicar treze volumes p...

Newsletter

Cadastre aqui seu e-mail para receber periodicamente nossa newsletter e ficar sempre ciente das novidades.

 

Instagram

 

YouTube