RESISTO

De onde vem este medo?
sou
sem mistério existo
busco gestos
de parecer
atando os feitos
que me contam
grito
de onde vem
esta vergonha
sobre mim?
Eu, mulher, negra,

RESISTO.

(Eu, mulher negra, resisto, p. 14.)

 
Levante

nêgo chorará não
não chorará não
vão te pôr
para fazer esse chão
sei que teu mundo
é de guerra
nêgo bonito
tu não sabes
que força odara
tu tens de obá
teus pés amarrados
correntes de safado
qué te segurá

(Eu, mulher negra, resisto, p. 20.)

 
APARTHEID

Tempo presente gera
negros gera
brancos
e a convivência
com a vida
mistura sono com

luta
os seres fazem a divisão
diferença geográfica
mudam a língua
cultuam a racionalidade
da máquina
repartem a nossa cultura
esquecem nossos líderes
símbolos mortos

nascem negros
formam trincheiras
crescem em sonhos
trocando lágrimas
aventuras guerreiras
loucos que perguntam
o significado das palavras
“é inútil resistir”

(Eu, mulher negra, resisto, p. 26.)

 
BRASIL PALMARES

Rostos com a imensidão do mar
sem pingos de desespero
negros
não mais fujões
libertam seu nome
recém-nascido
como árvore brotando flores
flores grávidas de frutos
sem cheiro de noite gemida
no peito movimento de força
e o sol fazendo a mistura
com a chama de Zumbi.

 (Eu, mulher negra, resisto, p. 43).

 
Eu, mulher negra, resisto

escrita
paixão se revelando
paixão nas mãos

minha face meio pedra
a perda não foi perder

pedras horas mortas

dor nos olhos
e no cansaço
ternura na minha mão
resiste

o silêncio que corri
os nomes que escrevi
na pele brusca do medo

quantas vezes tropecei

(Eu, mulher negra, resisto, p. 70).

 
Ladainha

vamos lá
não pra ver o que é que dá
vamos lá pra virar
não são milhas pra partir
são encruzilhadas
barricadas
pra proteger e curar
essas feridas que sangram
cicatrizes que ficam
marcas que reivindicam
um grito de verdade

(Eu, mulher negra, resisto, p. 85).


não

não sei se tirei a couraça
não sei se rolei na cachaça
não sei se curei a ferida

pois não suporto a ausência
quando os outros dizem não
só sei que é violência
essa marca rotulada
essa coisa velada

não
minha vida diz não

(Eu, mulher negra, resisto, p. 87).


LIVROS E LIVROS

Ficção

Mel Adún – Peixe fora da baía
O livro de Mel Adún, Peixe fora da baía, publicado em 2021, pela Editora Ogum’s, da qual a escritora é uma das fundadoras, é composto por dezesseis contos que encerram as múltiplas formas do protagonismo de mulheres negras, na vida-ficção. Suas personagens travam batalhas diversas – íntimas e sociais – muitas vezes em busca de se (re)conhecerem, se (re)encontrarem. Os textos que compõem a obra vão além da forma tradicional do conto. Em “Menininha”, a narrativa se irmana à maneira dramática, na qual o leitor acompa...

Poesia

Jarid Arraes (Org.) – Poetas negras brasileiras: uma antologia
desistir é coragem difícil somos programados para tentar   deslizando aos barrancos a pele das pernas esfolada os pulsos marcados pelos rosários   é preferível morrer sorrateiramente em gorduras açúcares refluxos pedras nos órgãos no peito   mas desistir essa é uma coragem que todos não temos   Jarid Arraes “Fábula” 2021 Esta antologia é aberta pelo emblemático poema “Vozes-mulheres”, de Conceição Evaristo. Nesse poema aparecem vozes de mulheres de diferentes gerações (bisa...

Ensaio

Mário Augusto Medeiros Silva - A descoberta do insólito
O que é literatura? Responder a essa pergunta tem se tornado uma tarefa complexa, devido às particularidades envolvidas. Publicado em 2013, A descoberta do insólito: literatura negra e literatura periférica no Brasil (1960-2000), de Mário Augusto Medeiros da Silva, apresenta uma pesquisa categórica mostrando como se dá o surgimento de variantes literárias no Brasil no século XX: negra, periférica, marginal. Afinal, o que distinguiria cada uma delas? Teriam aspectos tão distintos ou ...

Infantojuvenil

Édimo de Almeida Pereira - O mercador de sorrisos
Sou formada em História. Desse modo, toda minha experiência como professora da Educação Básica se deu em turmas dos ensinos Fundamental II e Médio. Recentemente, passei a olhar com mais atenção o universo da Educação Infantil, uma vez que tenho me dedicado à Formação Inicial e Continuada de Professores. Sempre que falo sobre racismo e infância, busco chamar atenção para o que a pesquisadora Eliane Cavalleiro chamou de “apedrejamento moral”: conjunto de violências físicas e simbólicas que meninos ...

Memória

Lázaro Ramos - Na minha pele Reflexões de um jovem escritor sobre as relações raciais no Brasil Glauciane Santos*   O ator e dramaturgo baiano Lázaro Ramos nos últimos anos têm experimentado as múltiplas possibilidades da escrita literária: publicou os livros infantis A velha sentada (2010), Cadernos de Rimas do João (2015) e agora o livro de memórias e reflexões intitulado Na Minha Pele (2017). Sua mais nova obra não é propriamente uma autobiografia, ainda que ressoe para alguns como traços íntimos de sua vivência. A temática pungente da narrativa são as relações raciais no Brasil, especificamente o olhar crítico do p...

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