Namíbia, não!

PERSONAGENS
Antônio (Jovem de melanina acentuada formado em Direito)
André (Jovem de melanina acentuada estudante de Direito)

PERSONAGENS EM VOZ OFF
Socióloga
Apresentadora de TV
Mãe Idosa
Policial I
Policial II
Policial III
Garota
Senhora (Dona Aracy)
Moleque
Seu Machado
Vizinho (Seu Lobato)
Repórter
Aeromoça
Glória Maria
Leda Nagle
Ministro da Devolução

CENÁRIO
Sala de um apartamento de dois quartos. Tudo exageradamente branco: pisos, paredes, televisão, mesa, sofá, controle remoto, geladeira, estante de livros, chaleira, copos, taças... Enfim, tudo branco! Sobre a mesa de centro da sala, um tabuleiro de xadrez com jogo já começado. Detalhe e atenção para o fato de todas as peças do tabuleiro de xadrez serem também brancas.

FIGURINO
Os dois personagens vestem ternos e gravatas pretos. O terno e a gravata de Antônio, bem ajustados e engomados. O terno e a gravata de André, bem folgados e amassados.

TEMPO DA AÇÃO
O tempo em que passa a ação da peça será sempre cinco anos à frente do tempo atual de sua montagem. Como terminei de escrever esse texto em 2011, para meu tempo a ação se passa em 2016.

CENA 01


Antônio desarrumando a mesa do café da manhã. Ainda sem terminar totalmente de desarrumar a mesa, Antônio vai até a mesa de centro da sala, observa por um tempo o jogo começado do tabuleiro de xadrez e faz uma jogada. Entra, de repente, André assustado, vindo da porta da rua. André fica em silêncio olhando Antônio.

ANTÔNIO – Bom dia!

Antônio volta a desarrumar a mesa do café. André continua em silêncio.

ANTÔNIO – Noitada, hein?

André recuperando o fôlego à frente da porta da rua. Antônio para de desarrumar a mesa do café.

ANTÔNIO – Que foi, primo?

ANDRÉ - (assustado) Vai pra onde cedo assim?

ANTÔNIO – Eu vou pro meu Curso. Hoje é o primeiro dia do Curso Preparatório pro Concurso pra Diplomata de Melanina Acentuada do Itamaraty. Esqueceu? Olha aí no tabuleiro, fiz mais uma jogada.

 

Antônio termina de desarrumar a mesa e pega a pasta de estudos que estava sobre o sofá da sala.

 

ANDRÉ – Desista, Antônio!

ANTÔNIO – (surpreso) Como é?

ANDRÉ – Desista de sair de casa. Não vamos mais sair de casa, Nunca mais!

ANTÔNIO – (pegando a pasta de estudos e se dirigindo à porta) Primo, eu não quero me atrasar logo no primeiro de aula. Não posso lhe dar atenção agora. Quer um conselho? Beba bastante água, que essa onda, seja ela qual for, passa logo.

ANDRÉ – (impedindo a passagem de Antônio pela porta de saída) Não... Você não vai a lugar algum. A partir de hoje você não sai mais de casa.

ANTÔNIO – Que é isso, André? Deixe eu sair! Eu tenho compromisso sério. Brincadeira tem hora!

ANDRÉ – Antônio, eu não tô brincando!

ANTÔNIO – (tirando suavemente André da porta e colocando-o no sofá) Primo, pare com isso! Eu realmente acho que você não devia ficar por aí desperdiçando seu tempo e energia em farras noturnas. Gastando o pouco dinheiro que você ganha como atendente daquela lan house da esquina em álcool. Álcool evapora, André. Invista seu dinheiro em coisas mais concretas... Mais palpáveis. Palpabilidade, André! Como a sua Faculdade de Direito, por exemplo. Talvez seja por causa dessas farras que as mensalidades estão atrasadas!

 

Antônio vai em direção à porta.

 

ANDRÉ – saiu uma Medida Provisória!

 

Antônio desiste de sair.

Pausa.

 

Antônio – Como é?

ANDRÉ – Saiu sim! Uma medida provisória! Não podemos mais sair!

ANTÔNIO – Sair de Onde?

ANDRÉ – De casa! Estamos presos, Antônio!

ANTÔNIO – Tá maluco?

ANDRÉ – Não! (põe a boca no rosto de Antônio) Eu nem bebi essa noite!

ANTÔNIO – O que você fez a noite toda?

ANDRÉ – Eu? Eu fugi! Eu Fugi, primo! Fugi, fugi, fugi!

ANTÔNIO – (interrompendo) De quem, rapaz?

ANDRÉ – Da polícia!

(Namíbia, não!, p. 16-21.)


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