A rolinha e a raposa, de Elio Ferreira

 

   Maria do Socorro Rios Magalhães* 

A rolinha e a raposa, de autoria de Elio Ferreira, com belíssima ilustração de Antonio Amaral, livro muito bem elaborado, com um projeto gráfico bem cuidado e perfeita sintonia entre o verbal e o não verbal, é uma obra que tem como destinatário preferencial o leitor criança.  

Trata-se, portanto, de literatura infantil com interface na cultura popular ou folclore.  

Na realidade, é um reconto, como o próprio autor informa em texto de abertura do livro que diz assim: “A rolinha 

e a raposa é uma entre muitas histórias que ouvi contar na minha infância por homens e mulheres mais velhos da minha família e por pessoas amigas da rua, do meu bairro. Esta fábula era nossa narrativa de iniciação, uma espécie de rito de passagem para quem entrava no círculo de crianças e adolescentes contadores de histórias.” 

O autor, Elio Ferreira, é professor de Literatura na Uespi, com uma longa experiência com a escrita literária, sobretudo, em poesia, com vários livros publicados. Doutor em Letras pela Universidade Federal de Pernambuco, desenvolve pesquisas relacionadas à produção literária de escritores afro-brasileiros e africanos, sendo o idealizador do África-Brasil, um dos maiores eventos acadêmicos a reunir pesquisadores nacionais e internacionais na área de literatura e cultura africana e afrodescendente.  

E é como um grande conhecedor da sabedoria popular, desde as raízes indígenas, africanas e ibéricas, que deram lugar à cultura brasileira, que o autor enreda a sua  narrativa A rolinha e a raposa, revisitando fontes da nossa literatura, que englobam  desde as histórias do livro de autoria de Gonçalo Fernandes Trancoso, ainda no  século XVI, passando por Silvio Romero e Figueiredo Pimentel, no século XIX, até  autores do século XX, como Câmara Cascudo, José Lins do Rego, Guimarães Rosa,  além daqueles que escrevem diretamente para crianças e jovens, como Monteiro  Lobato, Ricardo Azevedo e Roger Mello, entre outros. 

Atualmente, o reconto vem sendo muito valorizado, por salvaguardar a figura milenar  do contador de histórias e eternizar as narrativas orais, sendo a literatura infantil o  lugar privilegiado de permanência dessa tradição, ameaçada pelo vertiginoso avanço  das mídias digitais, que cada vez mais se impõem no mundo de hoje. 

O livro tem, pois, o sabor da infância de uma geração, que à boca da noite, sentava  nas calçadas para ouvir e contar histórias, nas rodas de famílias e vizinhos, reunindo  crianças, jovens e velhos, que se revezavam no papel de narrador.

Em A rolinha e a raposa, Elio Ferreira recupera a oralidade, uma das principais características das narrativas populares, através de recursos linguísticos e poéticos, como repetição, rima e onomatopeia, entre outros. O resultado é a criação de uma linguagem viva e dinâmica, que reproduz o tempo mágico em que os animais falavam, a exemplo da Rolinha, da Raposa e do Cancão, personagens desta história. 

A fala da Rolinha, por exemplo, é sempre antecedida pela onomatopeia: Fogo-pagou, fogo-pagou! Outras vozes como, Bem-te-vi, Bem-te-vi, Cancão, cancão!, misturam-se  no texto, criando uma verdadeira sinfonia em que se reconhece a voz da natureza  representada pela fauna brasileira.  

Assim como as onomatopeias, as repetições de palavras e frases, bastante presentes no texto, conferem um caráter de prosa poética ao livro, conforme se pode observar em trechos, como esses: “Que que tem! Que que tem!” e “Não mexa, aí! Não mexa aí!” “Bem que eu disse! Bem que eu disse!” “Quando, Quando!” 

Uma outra característica dos contos populares que o autor preserva na obra é a concisão e a economia verbal, que é uma qualidade da obra literária destinada à criança, leitor exigente quanto à intensidade da ação e ao dinamismo dos fatos relatados, pois esse leitor não tem paciência para digressões e descrições mais longas, ansiando, sempre, por saber o que vai acontecer em seguida.  

Nesse sentido, o livro atende plenamente às expectativas do leitor infantil. O autor utiliza uma linguagem coloquial, embora gramaticalmente correta, mas que respeita a capacidade de compreensão do público infantil. Utiliza frases curtas e períodos simples, com predomínio do discurso direto, representando o diálogo entre os personagens. Aliás, o diálogo ocupa a maior parte do texto, daí o interesse que a narrativa poderá despertar no leitor criança, pois a reprodução da fala dos personagens, através das construções onomatopaicas como “Fogo-pagou” e “Bem 

te-vi” consiste seguramente em mais um artifício usado pelo autor para resgatar a origem oral da história recontada. 

Vou concluir a apresentação do livro, sem entrar em maiores detalhes sobre a ilustração do Amaral, quero apenas destacar que, em se tratando de literatura para crianças, a ilustração é fundamental, não se pode prescindir das imagens, quando se faz um livro endereçado ao pequeno leitor. E este é mais um acerto de A rolinha e a raposa, ao promover este encontro do texto verbal com o texto não verbal, resultando numa união perfeita entre duas linguagens artísticas que se complementam. 

Agora, realmente, à guisa de conclusão, quero destacar um outro aspecto decisivo para justificar a classificação desta obra como literatura infantil. Estou me referindo ao final feliz, em que a protagonista, ou seja, a rolinha vence a vilã, representada pela raposa. Segundo o psicanalista alemão, Bruno Bettelheim, as crianças necessitam do final feliz nas histórias, porque, assim, se sentirão encorajadas a optar pelo lado do Bem contra o lado do Mal, na certeza de que os maus serão punidos e os bons recompensados. É o que acontece no final desta história: vence o lado do Bem, a rolinha e o canção derrotam a raposa, símbolo do egoísmo, vingança e vaidade. *Maria do Socorro Rios Magalhães é Doutora em Letras e Professora do Curso de Licenciatura em Letras da Universidade Federal do Piauí - UESPI, além de integrante da Academia Piauiense de Letras - APL.


Nota 

* Texto de Apresentação do livro A rolinha e a raposa, de Elio Ferreira, com ilustração de Antônio Amaral, na Academia Piauiense de Letras, em 01 de abril de 2023, Teresina, PI.

 

Referência

FERREIRA, Elio. A rolinha e a raposa. Ilustrações de Amaral. Terezina-PI: Abracadabra Edições, 2023.

 

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 *Maria do Socorro Rios Magalhães é Doutora em Letras e Professora do Curso de Licenciatura em Letras da Universidade Federal do Piauí - UESPI, além de integrante da Academia Piauiense de Letras - APL.

  

 

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