A jovem senhora

Elisio Lopes Jr.

QUEM: Esposa amarga, usando um chapéu com flores.

STATUS: Carrega a mala com o peso de sua frustração.


(Em silêncio, na estação do trem que nunca chega, ouvindo vozes vindas do armazém.)

 

As mulheres do armazém estão sempre sorrindo. Sem se importar com a hora, riem a qualquer minuto. Eu durmo e acordo ouvindo as gargalhadas. Parece que a festa é dentro da minha casa. E a música? É como se a música estivesse aqui dentro dos meus ouvidos. Eu sempre as ouço, todos os dias! E são as risadas mais espalhafatosas que já ouvi. Tem uma que começa lenta e explode em urros como animais, tem outra que primeiro dá um grito, depois se espalha cheia de dentes. Algumas delas se fazem de tímidas ao sorrirem. (Imitando:) “rá, rá, rá”, seguido de comentários: (Imitando:) “Rá, rá, rá, você é tão engraçado!... Rá, rá, rá, sim, eu quero mais um gole do seu vinho!... Rá, rá, rá...” elas gargalham... elas gargalham mesmo. Quando a festa acaba, elas dormem ali mesmo, no salão, com a boca torta em cima das mesas, agarradas aos clientes... às vezes bêbadas, maquiadas... com as garrafas vazias... é assim que eles são felizes! Os homens e as mulheres do armazém são sempre felizes. Eu não tenho nada com isso. É uma vida que não é a minha! Eu não deveria olhar para aquele antro. (Delira.) Mas aqueles gritos e a música entram pelos nossos ouvidos, pela nuca e a gente fica bêbada, mole nos braços da noite... sozinha, sonhando... Até que o sono vem e nos leva de volta ao quarto de onde nunca deveríamos ter saído. Eu não olho sempre, só de vez em quando. Quando não me contenho. Olho, sim, e naquele instante desejo trocar de lugar com elas. Sei que não deveria olhar nunca! É outro mundo, que não é o nosso: uma vida que troca o dia pela noite, à noite sempre com as garrafas e os homens. Mas eu penso... as mulheres do armazém é que devem ser felizes!

(In: Monocontos: histórias para ler e encenar, p. 84-5)

 

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