Interrupção
Te quebrei, semente
E nem conferi sua estatura,
a formosura da tua plumagem, a espessura do teu tronco.
Nem me nutri da tua sombra.
Sabia das hipertensões da hora da luz.
Sei que todo dia é 14 de maio.
Que nesse sertão de asfalto não há mais vagas.
Que a água é salobra e o ar mofado.
Te trinquei, semente.
Não ateou teus incêndios, tuas ternuras,
não banhou de chuva, mas também não viu desabamentos.
Não vadiou tuas zombetagens,
tuas flechadas zulu
nem tuas serenices de erê.
Te quebrei, semente
Meus braços já prateavam te embalando
Mas os pés avisavam gangrenas, das correias
das cólicas, das dívidas , da arrogância.
Te esmigalhei, semente
E, entre a falsidade dos aplausos e as miúdas vitórias,
entre sambas e lavouras, caldos e amores,
vejo e verei, sempre, no fundo do salão
o espelho dos teus olhos, em silêncio magoado.
(Cadernos Negros: três décadas.)
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