A multidão é, sempre, um ser acéfalo.

Age, levada pela onda de entusiasmo, ou de ódio, de alegria, cujo movimento tem princípio numa voz que, sempre, encontra eco

Essa voz atua de repente e se transmite e domina a multidão, como se cada indivíduo fosse o elo de uma grande cadeia, junto do qual houvesse passado uma centelha.

Todo sentimento humano, quando transmitido ao povo, com a voz do coração, invade-lhe a alma, como o vento em casa de janelas escancaradas.

Reunidos pela curiosidade, os homens se agitam ao sabor das falas dos que vibram por um sentimento qualquer, e se tornam água do mesmo mar, raios oriundos de um só foco, iluminando ou destruindo segundo as vibrações do foco, donde emanam.

E essas falas eletrizantes, possuídas de um entusiasmo gritante e comunicativo, arrastam a massa e fazem-na espoucar em gargalhadas ou vaias, bater palmas ou atirar pedradas.

E cada um desses homens, capaz de se tornar incendiário, capaz dos maiores absurdos, é, isolado, um ser pacato que teme, as mais das vezes, um gesto desabrido, uma palavra menos polida.

Ninguém resiste ao horrível contágio das multidões.

E, por isto, tão somente por isto, não se lhe pode crer nem no ódio que lhe arma o braço, nem na alegria que lhe rebenta em palmas e chuva de flores.

 

Maria da Ilha

(Folha Académica, 01 ago. 1929. Crônica inédita em livro)


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