Festa para o nascimento de Carolina de Jesus e Abdias Nascimento

 Cidinha da Silva

Carolina Maria de Jesus e Abdias Nascimento nasceram no dia 14 de março de 1914, em dois interiores distintos, ele, em Franca, São Paulo, e ela, em Sacramento, Minas Gerais. Em comum, o fato de terem sido desbravadores. Carolina, uma escritora de pouca escolaridade, origem popular. Abdias, de mesma origem, tornou-se intelectual versátil e artista de variada expressão: poeta, dramaturgo e artista plástico. Ambos representaram o Brasil no mundo internacional das letras.

Quando saiu de Minas, em 1930, Carolina fixou-se em Franca (cidade de Abdias), onde foi trabalhadora doméstica por sete anos. Só em 1937, depois da morte da mãe, Carolina muda-se para a capital paulista. De novo foi trabalhadora doméstica, migrando a seguir para a coleta de papelão.

Abdias, em 1930 já era técnico em contabilidade e alistou-se no Exército com o objetivo de transferir-se para São Paulo. Em 1936 mudou-se para a capital fluminense e anos mais tarde formou-se em Economia pela universidade do Estado do Rio de Janeiro. A intensa vida cultural negra carioca, a convivência com artistas de vários lugares do mundo, leva-o a criar o Teatro Experimental do Negro (TEN) em 1944, um espaço criativo e dramatúrgico para os profissionais negros das artes cênicas.

Em São Paulo, Carolina mantinha um diário que originou seu livro mais famoso, Quarto de despejo: diário de uma favelada, editado por Audálio Dantas. A obra foi sucesso estrondoso. Há registros de que foram vendidos 600 exemplares na noite de autógrafos, 10 mil exemplares na primeira semana e 100 mil exemplares em um ano. Para alguns pesquisadores renomados, o fenômeno de vendas comprova, prioritariamente, o papel decisivo da mídia no sistema literário, já naquela época, ao promover certos autores e obras. Talvez, para estes analistas tenha menos importância o contexto sócio-político do Brasil de 1960, no qual havia grande ebulição cultural e política, coroada pela curiosidade (mórbida, em muitos casos) em conhecer detalhes da vida de uma favelada.

Carolina foi gerada e destruída pela indústria cultural em curto espaço de tempo. Escreveu livros de memória e poesia. Em vida publicou Casa de alvenaria (1961), Pedaços da fome e Provérbios (1963), além de Quarto de despejo (1960). Após seu falecimento foram publicados: Um Brasil para os brasileiros (1982), Diário de Bitita (1986), Meu estranho diário e Antologia pessoal (1996).

Abdias foi o ativista negro mais longevo da História do Brasil, agregando produção artística e política fundamentais. Em sua vultosa obra destacam-se: a organização da Convenção Nacional do Negro (Rio de Janeiro) nos anos de 1945 e 1946. Em 1950, numa parceria com Guerreiro Ramos e Edson Carneiro, realizou o Primeiro Congresso do Negro Brasileiro. Foi vice-presidente nacional do PDT, deputado federal e senador por este partido. Criou o conceito de Quilombismo: “reinvenção de um caminho afro-brasileiro de vida fundado em sua experiência histórica, na utilização do conhecimento crítico e inventivo de suas instituições golpeadas pelo colonialismo e o racismo. Enfim. Reconstruir no presente uma sociedade dirigida ao futuro, mas levando em conta o que ainda for útil e positivo no acervo do passado”.

 

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LIVROS E LIVROS

Ficção

Cristiane Sobral-Caixa Preta literária
Em palestra proferida na Universidade de Belgrano, Argentina, em 24 de maio de 1978, o escritor Jorge Luis Borges (1899-1986) sublinhou sua admiração pelo universo dos livros: Dediquei parte de minha vida às letras, e creio que uma forma de felicidade é a leitura. Outra forma de felicidade – menor – é a criação poética, ou que chamamos de criação, mistura de esquecimento e lembrança do que lemos. Emerson coincide com Montaigne quanto ao fato de que devemos ler unicamente o que nos agrada, que um livro tem que ser uma forma de felicidade...

Poesia

Nina Rizzi – Caderno-goiabada
    porque alguns nomessão tão desdizíveiscomo marido e esposo êxtase, precipício porque desse nomecalcanhar ou punhoé tecido destino   fio em desfiopronto a não-ser   porque de um outro nome seu nomepura renda alcanço a delicada e violenta potência de dizer anchova   Nina Rizzi 2022     Livro de receitas, diário, processo de escrita criativa e de descoberta de si mesma, de um corpo-voz; poesia, questionamento de fronteiras – dos meios, da forma, do status quo –, ou ainda experimento se...

Ensaio

Marcos Antônio Alexandre - O teatro negro em perspectiva: dramaturgia e cena negra no Brasil e em Cuba
Em sua Crítica da razão negra (2014), o filósofo camaronês Achille Mbembe demonstra em detalhes o quanto os sentidos outrora hegemônicos da palavra “negro” foram construídos, desde o século XV, pelo Ocidente interessado em fazer dos africanos não apenas mercadoria mas, sobretudo, força de trabalho submissa. E relata como o predomínio dos interesses do capitalismo mercantil em sua expansão ultramarina levou à convicção na infra-humanidade do negro, crença fundamentada em inúmeras narrativas – tanto triviais e lendárias, quanto...

Infantojuvenil

Patricia Santana - Entremeio sem babado / Minha mãe é negra sim / Cheirinho de neném
A representação do negro na literatura infantojuvenil é recente, iniciada nas décadas de 20 e 30 do século XX, com personagens secundárias dentro do espaço diegético ou como parte da cena doméstica cujas ações evidenciavam e reiteravam uma posição subalterna do negro. Conforme Souza & Lima (2006, p. 188), “os personagens negros não sabiam ler nem escrever, apenas repetiam o que ouviam, ou seja, não possuíam o conhecimento considerado erudito e eram representados de um modo estereotipado e depreciativo”. É mais recen...

Memória

Aline A. Arruda, Iara C. S. Barroca, Luana Tolentino, Maria I. Marreco (Org.) - Memorialismo e resistência: estudos sobre Carolina Maria de JesusCarolina Maria de Jesus na Academia   Constância Lima Duarte*       15 DE JULHO DE 1955 Aniversário de minha filha Vera Eunice.Eu pretendia comprarum par de sapatos para ela.Mas o custodos gêneros alimentíciosnos impedea realização de nossos desejos.Atualmente somos escravosdo custo de vida.Eu achei um par de sapatosno lixo,lavei, e remendeipara ela calçar.  Eu não tinha um tostãopara comprar pão.Então eu lavei 3 litrose troquei com o Arnaldo.Ele ficou com os litrose deu-me pão.Fui receber o dinheiro do papel.Recebi 65 cruzeiros.Comprei 20 de carne,1 quilo de toucinhoe 1 quilo de açúcare s...

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