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Textos publicados nas lâminas – bloco VI

Um bilhete

Machado de Assis

Antes mesmo que acabasse o baile, Maria Adelaide dizia à mãe que não queria ficar um minuto mais que fosse.
— Que é isso? disse-lhe a mãe. Deu uma hora agora mesmo.
— Não quero saber. Vamo-nos embora.
— Ora, meu Deus!
— Vamos, vamos.

Não havia que dizer, a mãe era governada pela filha, e perderia o lugar no céu, se tanto fosse preciso, para não desgostá-la. Note-se que não cedia pouco desta vez; cedia a ceia, que era excelente, e a boa viúva professava esta filosofia: — que as ceias excelentes são preferíveis às boas, as boas às más e as más às que não têm existência. Sacrificava a melhor parte do baile; mas, enfim, contanto que a filha não padecesse.

Padecer, padecia. No carro, logo que as duas entraram, Maria Adelaide começou a ralhar com tudo, com o carro, com a capa, com o calor, com o pó, com a mãe e consigo mesma. A mãe entendeu logo: era algum desgosto que o Chico Alves lhe dera. Realmente, lembrou-se que o Chico Alves, indo despedir-se delas, nem alcançou que Maria Adelaide olhasse para ele. A moça deu-lhe os dedos, a pontinha apenas, e falou-lhe de costas; naturalmente estavam brigados.

A viagem foi atribulada. Nunca o mau humor da moça foi tamanho nem tão explosivo. A mãe pagou pelo namorado, mas como era prudente e estava com fome, preferiu não dizer nada.

Em casa, continuou o mau humor. A pobre criada da moça padeceu como nunca. Maria Adelaide entrou para os seus aposentos, furiosa, despiu-se ás tontas, dizendo coisas duras, rasgando uma das mangas do vestido, atirando as flores ao chão, raivosa e indignada sem causa aparente. No fim, disse à criada que se fosse embora, e ficando só rebentaram-lhe as lágrimas. Assim mesmo sozinha, ia falando, mordendo os lábios, dando punhadas nos joelhos. Depois arrancou da cadeira, foi à secretária e escreveu este bilhete:

Nunca pensei que o senhor fosse tão pérfido. Nunca imaginei que pudesse proceder com fez no baile; creia que não manifestei o meu desgosto, por dois motivos: — o primeiro, porque ainda tive força de me dominar; segundo, porque depois do que o senhor me fez, nada pode haver mais entre nós. Case-se com a viúva, se quer. Mande as minhas cartas e adeus. Esta determinação é irrevogável. Qualquer tentativa de reconciliação obrigar-me-á ao que não quero.

Tinha dado expansão à cólera, deitou-se para dormir. O sono não veio logo; a raiva agitou a pobre moça, e só quando começou a madrugada foi que ela pôde dormir um pouco. No dia seguinte, o Chico Alves recebia este bilhete:

Desculpa algumas palavras que te disse ontem no baile. Estava muito zangada. Vem hoje tomar chá, e eu te explico tudo.

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Memórias de um sargento de milícias
(fragmento)

Manuel Antônio de Almeida

Logo que pôde andar e falar tornou-se um flagelo; quebrava e rasgava tudo que lhe vinha à mão. Tinha uma paixão decidida pelo chapéu armado do Leonardo; se este o deixava por esquecimento em algum lugar ao seu alcance, tomava-o imediatamente, espanava com ele todos os móveis, punha-lhe dentro tudo que encontrava, esfregava-o em uma parede, e acabava por varrer com ele a casa; até que a Maria, exasperada pelo que aquilo lhe havia custar aos ouvidos, e talvez às costas, arrancava-lhe das mãos a vítima infeliz. Era, além de traquinas, guloso; quando não traquinava, comia. A Maria não lhe perdoava; trazia-lhe bem maltratada uma região do corpo; porém ele não se emendava, que era também teimoso, e as travessuras recomeçavam mal acabava a dor das palmadas.

Assim chegou aos 7 anos.

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Iracema
(fragmento)

José de Alencar

Além, muito além daquela serra, que ainda azula no horizonte, nasceu Iracema.
Iracema, a virgem dos lábios de mel, que tinha os cabelos mais negros que a asa da graúna e mais longos que seu talhe de palmeira.
O favo da jati não era doce como seu sorriso; nem a baunilha recendia no bosque como seu hálito perfumado.
Mais rápida que a ema selvagem, a morena virgem corria o sertão e as matas do Ipu, onde campeava sua guerreira tribo da grande nação tabajara, o pé grácil e nu, mal roçando alisava apenas a verde pelúcia que vestia a terra com as primeiras águas.
Um dia, ao pino do sol, ela repousava em um claro da floresta. Banhava-lhe o corpo a sombra da oiticica, mais fresca do que o orvalho da noite. Os ramos da acácia silvestre esparziam flores sobre os úmidos cabelos. Escondidos na folhagem os pássaros ameigavam o canto
Iracema saiu do banho; o aljôfar d'água ainda a roreja, como à doce mangaba que corou em manhã de chuva. Enquanto repousa, empluma das penas do gará as flechas de seu arco, e concerta com o sabiá da mata, pousado no galho próximo, o canto agreste
A graciosa ará, sua companheira e amiga, brinca junto dela As vezes sobe aos ramos da árvore e de lá chama a virgem pelo nome; outras remexe o uru te palha matizada, onde traz a selvagem seus perfumes, os alvos fios do crautá , as agulhas da juçara com que tece a renda, e as tintas de que matiza o algodão.
Rumor suspeito quebra a doce harmonia da sesta. Ergue a virgem os olhos, que o sol não deslumbra; sua vista perturba-se.
Diante dela e todo a contemplá-la, está um guerreiro estranho, se é guerreiro e não algum mau espírito da floresta. Tem nas faces o branco das areias que bordam o mar; nos olhos o azul triste das águas profundas. Ignotas armas e tecidos ignotos cobrem-lhe o corpo.

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A Guerra do Bom Fim

Moacyr Scliar

Em 1943 as noites eram negras. O país estava em guerra com a Alemanha e observava-se o black-out, figurado de vez em quando pelos quinta-colunas que acendiam os cigarros para dar aos Stukas e Messerschmitts a posição da defesa anti-aérea no Bom Fim. Os nazistas estavam em toda parte; na Rua Fernandes Vieira foram descobertos numa fábrica de caramelos, que foi cercada e incendiada pelas tropas da Fernandes Vieira, grande quantidade de balas café com leite sendo capturada na ocasião.

Mas, em geral, as noites eram quietas; noites de inverno, ruas quase desertas. As famílias se reuniam em torno da mesa da cozinha. Um samovar fumegava. Tomava-se chá; comiam-se bolachas, latkes, sementes de girassol. Da Oswaldo Aranha vinha o pregão do vendedor de pinhões: pinhão quente, gritava ele, está quentinho o pinhão.

Contava-se uma história da Rússia. A voz do vendedor de pinhões ia se extinguindo; só o abafado trovejar do bonde J. Abott e o longínquo latido do cão "Melâmpio" quebrava o silêncio. Os vizinhos se despediam, voltavam para suas casas caminhando encurvados na cerração. Hora de dormir - anunciava Samuel aos filhos; Joel e Nathan dormiam na mesma cama. Despiam-se lentamente, observando-se; Joel era baixo, ruivo e sardento, Nathan pálido e magro.

Deitavam-se.

Nathan nunca dormia. Ficava quieto, de olhos muito abertos, fixos no forro de velhas tábuas, sobre o qual corria, gordo e ativo,um velho rato cinzento chamado "Mendl". Joel olhava o irmão, olhava o forro. Inquieto, sussurrava: "Dorme, Nathan. Dorme, irmão". Encostava a orelha no crânio do outro, e ouvia sons, notas fugazes.

Ao longe, cruzavam-se os holofotes dos navios surtos no cais. Procuravam Stukas e Messerschmitts.

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Novelamador

Gilbert Daniel

A ESCOLA ERA UNS TIJOLINHOS COM PÁTIO SALA PÃO-COM-MOLHO E O MEDO. A PROFESSORA ENSINAVA O MUNDO E A GENTE CRESCIA SEM VER.

NO FINAL DO ANO FESTAS COM GUARANÁ EMPADINHA DOCINHOS E TODOS CHORAVAM.

O MELHOR DAS FÉRIAS ERA TODO DIA SER DOMINGO.

ANIVERSÁRIO DA AVÓ, A QUE SOBREVIVEU E CONHECI. PRIMOS E PRIMAS E OUTRAS CRIANÇAS SE JUNTAVAM NO QUARTO. SEGREDINHOS. ATÉ QUE ME CHAMARAM NUM CANTO:

— QUEM VOCÊ QUER BEIJAR?

— O QUÊ?

— BEIJAR! ESCOLHE ALGUÉM!

SENTI UM FOGO QUEIMAR MEU ROSTO. O DESEJO ESCONDIDO.

— NÃO QUERO NÃO. NINGUÉM.

E A PORTA SE FECHOU.

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Os decotes nos ônibus

Gilbert Daniel

camisa que envolve um seio
carne que abriga um desejo
o seio
seio do desejo

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Poema cinematográfico

Gilbert Daniel

o netinho perguntou:
“vô! que é poesia?”
os olhos do velhinho:
“poesia é...”
e com os dedos ele apontou o Edifício JK que veloz e infinito passava pelas janelas do ônibus

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Poética

Gilbert Daniel

A poesia espalhada pelo mundo
pelo horizonte
tão evidente
na bala colorida
no obelisco da Praça 7
nos prédios cheios de vidas humanas
na multidão
nos elevadores com cheiro de mofo
nos automóveis parados no semáforo
a poesia está nas gentes
não só em livros de poemas
sobretudo
aqui
entre elevados e nuvens
avenidas e sorrisos
a poesia é o sentimento

Ilustrações de alunos de Escola de Belas Artes da UFMG

Gustave Doré Tatiana Tameirão Julius Alessandra Threvenard Cesária