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Textos publicados nas lâminas – bloco VIII

Negror

Nina Rosa Magnani

Do que é
          trágico

ao
        pândego
do
        cáustico
                ao
         sôfrego

do burumdum
             aum
                 ban
                     da.

Riso e
           lágrima

           blues
     e
           ginga.

Universo
           do
intempestivo
           Mistura
           Do bem e do mal
                                         na
                                      mesma
                                         caçamba.

.................................................................................

NO JARDIM DAS AMBROSIAS
                                         AO PÉ DA
                                         PEDREIRA

                         PEDREGULHOS
                         FALSOS BRILHANTES
                                         RUÍNAS

                         APESAR DE TUDO
                                     RESGUARDO EM MIM
                                         O TALISMÃ DE OURO
                                PEDRA FILOSOFAL
                               QUE VAI TRANFORMAR
                            A EXISTÊNCIA EM VIDA
                                     E MANTÉM
                                             INTOCADO
                                     O TRONO DO ASTECA
                                             PAIRANDO
                                     SOBRE TRATORES
                                             RUPTURAS
                                                         DESISTÊNCIAS.

                      XANGÔ FIRMA SUA CASA
                                             CERCADA DE RELVA
                             BEM NO CENTRO DA ESTRADA DE CONTORNO;
                                             VELAS ACESAS
                                                         E PEQUENOS GNOMOS
                                                                              AO POR DO SOL;
                                                                                    BRILHO FOSCO.

                             ACIMA DE TUDO
                                         PRESERVO AINDA
                                                      O OLHO SIMPLES
                                                                       DAS CRIAÇAS
                                                              E DOS DUENDES
                                          QUE CORREM SOLTOS
                                                              PELA GRAMA
                                                                                ÚMIDA.

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Sentença

Flávio Mota

A vida
me condena
-Serás pássaro
somente em bico de pena!

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Sem Referencial

Flávio Mota

num galho da mente
pousa de repente
uma idéia
e zune

o meu coração
se apressa
e a essa
mais um turbilhão
de idéias
se une

imensa colméia
espantoso enxame

e sem saber traduzi-las
limito-me a ouvi-las
com vexame.

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Pra São Jorge

Flávio Mota

clara lua
essa dourada gema
esse branco halo
fito
será que vai dar em poema
o ovo frito
do bife a cavalo?
medito

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Sem asas

Flávio Mota

surfam urubus
nas ondas azuis
de uma tarde calma

precipito-me
num abismo
buscando profundidades

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Criação

Flávio Mota

gado no osso
nenhum capim
no fundo do poço
o meu coração é um pasto
vasto
e seco

sinto-me como se estivesse num beco
sem saída

a vida é uma boiada
desembestada
contra mim

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Corte e sutura

Flávio Mota

coração
                em frangalhos
olhos
                vendo ilhas
pelo vão
                das agulhas

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Tragicômico

Flávio Mota

na tempestade

comendo farinha

sem o mesmo sorriso de dentes
na mesma boca de antes

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Anacrônico

Flávio Mota

o bobo
da corte
no globo
da morte

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Exergípcio

Flávio Mota

nada como ficar assim
escrevendo e rabiscando
linhas e linhas
embolando folhas e folhas
dias e noites
enquanto o tempo entalha
em mim
a sua esfinge

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Definição do amor

Neuza Parreira

O amor não está só no beijo,
Na volúpia fugaz do desejo,
Na expressão de um abraço e calor.
O amor é pureza, é ventura,
Um mistério de doce ternura
Como a brisa embalando uma flor.

Se o amor estiver no altar
Quando suas mãos se enlaçarem
Unidas no mesmo caminho,
Vencerão os labores da vida.
Um será para o outro guarida
Sem temer da jornada os espinhos.

Amar é juntos olhar deslumbrados
A beleza do verde dos prados,
Ouvir juntos o vento falar,
É juntos tremer de emoção,
Fortemente apertar suas mãos
Ante as ondas bravias do mar.

Amar é viver a todo momento
Unidos num só pensamento,
Ter a mesma expressão no olhar.
Na tristeza, fadiga ou na dor.
Serem os dois um só em amor
Uma só cruz em seus ombros levar.

Amar é quando a luz de teus olhos perder
Meus olhos tua luz há de ser.
Na longa estrada da vida
Meus braços serão os teus braços
Quando inerte tombar de cansaço
Pelas lutas e labores desta lida.

Quando a luz do sol fenecer,
A sombra da noite descer
Uma oração levará ao céu.
Suas lágrimas caindo no chão
Numa só fé, numa só devoção
Agradecendo as bênçãos de Deus.

Quando os olhos para sempre cerrarem,
A vós o silêncio guardar,
E o pó ao pó retornar,
Ficará somente a lembrança
Dessa linda e eterna aliança
Que o amor consigo guardou.

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O que adquiri do que joguei fora

Ismael Silveira

Joguei fora o revólver e
adquiri tranqüilidade.

Joguei fora as drogas e
adquiri boa saúde.

Joguei fora a oportunidade de ser bandido e
adquiri mais liberdade.

Joguei fora o pensamento ruim e
adquiri pensamento positivo.

Jogo fora a violência e
adquiro a PAZ.

(O autor, Ismael Silveira, é aluno da 5ª série da E.M. Professora Eleonora Pieruccetti.) .................................................................................

Risco

Evandro Nunes

De súbito me descuido.
É o desejo reprimido que me faz não zelar
                                                           por mim,
                                                           por você,
                                                           por nós.

Feito meninos
– troca, troco, destroco -,
                            brincamos com nossos destinos e
                            imprimimos em nossos corpos a
                            confiabilidade cristã e
as incertezas de vidas pagãs.

Dói ter você em mim!
Me dói não saciá-lo até o fim!
Dói ser assim...
                            descompromissado,
                            não desejado,
                            apenas acontecido.
De súbito
pu(e)to
(e) não zelo
            por mim,
            por mim,por você,
            por mim,por nós.

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Conjugar

Evandro nunes

eu amele
ele amela
ela amoeu

ele amela
ela amele
Ih, sobrei!

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O ciúme e outras paisagens

Eva Pereira

A paisagem e o enigma

São dois os olhos com que se vê,
Mas só se percebe isso
Quando um deles se fecha,
Ou se o sol se atrapalha
Entre cortina e janela.

O ciúme é o olho fechado do amor
Ou o aberto?
Qual o sentido da paisagem
para os cegos?

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Ponte

Eva Pereira

Do lado de cá do rio
Tem montanhas, tem o trem.
Do lado de lá do rio
Tem os olhos do meu bem.

Do lado de cá da rua
Tem praça com muita flor
Do lado de lá da rua
É onde mora o meu amor.

Às vezes eu vou pra lá
Às vezes ele vem pra cá
Mas no meio do caminho
Nós não podemos ficar.

Então meu bem decidiu
Morar no lado de cá
E enquanto ele não chega
Eu sonho o lado de lá

Cheio de flor, de montanha,
De trem, de rua e de rio
E espero meu bem chegar
Nas asas dos meus suspiros.

E brinco de inventar
Cantigas pra ele cantar
E invento de brincar
Jogos de amor, não de azar.

E sonho com os olhos dele,
Com o corpo dele, com a pele,
Com a mão dele na minha...
E antes que ele atravesse

A ponte para me ver,
A gente brinca um pouquinho
(Mas só um pouquinho mesmo)
De não mais se conhecer.

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Contenção

Eva Pereira

É difícil guardar este segredo
E teu nome a ti mesmo,
Por exemplo.

Difícil não ter nas minhas coxas
Tuas mãos enfurecidas de
impossível.

Difícil guardar no sutiã
Meus seios que te esperam
Para sempre.

Difícil não usar de novo a blusa
Que às vezes devassavas cobiçando
E outras olhavas distraído.

Difícil não ter nas minhas mãos
Alguma exata parte do teu corpo,
Qualquer uma.

É difícil guardar o meu segredo
De ti, que sabes alguns outros,
Menos teu nome.

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Pecado

Eva Pereira

As grades nos guardam
Dos guardas da esquina:
Silêncio e sofreguidão.
No susto, agarro o lençol.

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Oportunismo ecológico

Eva Pereira

Pobre esperança!
Já não és tão verde.

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Geometria

Eva Pereira

A janela é maior que a porta,
No entanto, na horizontal.

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Relâmpago

Eva Pereira

O verbo esbravejar
Dissolve o trovão.

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Poema:

Eva Pereira

Pontos e linhas;
Retas e curvas:
O crochê é mesmo uma metáfora do tempo.

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Paradoxo

Eva Pereira

As reticências
Também são pontos finais.

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O ser-nem-aí

Eva Pereira

– Fui!

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Poema de domingo

Eva Pereira

Uma sala e seus vizinhos:
A porta, a rua, o cachorro;
Tua mão corre traquina
Entre meus cabelos soltos.

Depois teus pés dançarinos
Driblam a minha vontade
De fugir deste presente,
De buscar tempos alados;
E tua promessa de corpo
Me chama de volta à sala.

Abandono a natureza,
A vizinhança, a cidade,
O papel e a caneta,
A métrica, a rima toante;
Abandono a coerência,
A clareza, a concisão,
E me espreguiço toda
Nas voltas da tua mão.

                                 Uma sala e seus destinos:
                                 O colo, a lua, o esboço;
                                 Tua mão baila tranqüila
                                 Pelos meus cabelos soltos.

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Oração na casa de meu pai

Eva Pereira

Senhor,
Assopra em mim as três casas
De penas, de palhas, de pedra,
Diminua na paisagem
O velho lobo do medo:
Seus grandes olhos,
O forte hálito,
Garras e dentes.

Quero uma janela de frente
E uma janela de fundos,
Donde eu possa ter
A goiaba na árvore
Esquecida dos bichos
E o aviso sempre inédito
Do cachorro da rua.

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142

- Luas

Tânia Diniz

Na lua nova
de recurvo brilho
a paixão renovas

No meu céu
de cio crescente
a chama alteia

E serpente e sereia
me encontro vindo:
lua cheia

E quando, bacante,
mesmo minguante,
me prendes a cintura
na quadratura de cada mês,
a cada vez,
desvendas com arte
a sanguínea face
de minha lua escarlate.

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143

Tânia Diniz

No capim orvalhado
Guarda-chuva de renda
A teia de aranha

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144

Tânia Diniz

vôo dos pássaros!
Fio costurando ligeiro
O céu ao mar.

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Dilema do eletropoema de um fôlego só

Lecy Pereira Sousa

...até que minha memória rude mentar desemboque em partículas particulares elétricas recheadas de significados latentes prossigo noticiando o amor de ontem de noite onde todos nós nus misturamos sem vergonha na cara transando de trenzinho tântrico cada um por sua vez no seu quarto na sua sala cozinha copa wc até ao ar livre devo noticiar/ Bem e mal desconheço quando como uma maçã com você dentro às vezes chamo atenção faço algum sentido quase sempre tudo nem te ligo me expresso nessa luz impulsiva impossível explosiva raivosa romântica quando o luar chegar e4 partir e o sol levantar sair alguém estará me lendo no praça olhando para certa temperatura mínima dezenove máxima vinte e nove/Caiu o índice da bolsa de valores mulher mata homem por amor homem se joga no arranha-céu fotos recentes do telescópio Hubble mostram o nascimento e a morte de uma estrela/Sex Shop Five Star pomada anestésica celulares vibradores tudo para seu prazer/Vidente diz internacional/Morre outra vítima da falta de amor/Robôs se preparam para votar em novo presidente enquanto a vaca caminha decidida para o brejo/Tudo se passa em mim sem lirismo algum até que um raio parta as notícias pelo céu de baunilha até que minhas luzinhas parem de enganar os olhos alheios e passem a esclarecer galáxias continuarei passando numa tela eletrônica de um prédio de concreto armado sem sutilezas...

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A DOR DO AMOR

SOBRE A SENSIBILIDADE QUE OS OLHOS COSTUMAM NÃO PERCEBER...

Lecy Pereira Sousa

Em primeiro plano, uma manhã de abril com os seus pequenos ventos. Algumas aves difíceis de identificar como aquelas que aparecem,ao longe, numa história surreal em quadrinhos preto e branco.

Em seguida, uma dor insólita e vociferante como se fora provocada por um exército das mais sanguinárias bactérias.

A moça loira, instalada em sua casa de campo, cravou os dentes de marfim na maçã perfeita e tirou a calca de couro branco colada em suas pernas e nádegas. Uma delícia! E com um controle remotíssimo acionou um CD de house music.

Então, o torvelinho. Durante a batida da música, dez corações pararam de bater na cidade – a Lu deu um tapa na cara do Rafa, terminou o noivado e dicidiu ir embora para Blumenau – um raio fulminou a dona Esperança em sua fazenda – um pastor expulsou dez satanases, de uma vez, em seu ministério – o pároco partiu o corpo e tomou o sangue de Cristo na frente de todos e ninguém fez nada – dona Sueli terminou o quinto capítulo de um livro que, segundo ela, estava sendo sussurrado em seu ouvido, todas as manhãs, pelo espírito de Camões – no terreiro “Flecha Azul”, mãe Zilá recebeu um nagô e chamou por Oxalá – Cristina, 14 anos, sofreu um aborto espontâneo no banheiro da sua casa – a freira Joana virou santa e foi acometida por uma misteriosa cegueira – Paulinho jurou por Deus que viu dois ET’s e uma nave espacial nos fundos do quintal da sua casa.

Tudo isso e mais uma infinidade de coisas aconteceram sem que alguém jamais soubesse daquela dor, afinal dores são invisíveis. Naquela manhã de um sofisticado mês de abril, uma réplica da estátua da Vênus de Milo, sentia a sua dor no jardim de grama japonesa e fontes arranjadas segundo Feng Shui.

Em seu marmóreo silêncio, Vênus curtiu sua dor sob um sol ameno. Talvez tenha sentido a dor do mundo ou a indecifrável dor de amor.

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Onde está a palavra?

Ronald claver

Na grafia errante dos que erram pelo planeta. Ou na garganta
calada, sufocada, da moça ao lado que perdeu o namorado?

Está no Muro das Lamentações, nas canções dos bordéis ou nos cordéis de nordestinas babéis?
Quem sabe nos papiros de alguma cartilha que corre nas
trilhas do sertão pregando a doutrina do sim e do não?
Onde está a palavra que passeia nas esquinas exibindo
portentosas coxas e seios. No sexo dos desavisados ou na
luxúria dos tarados? Onde está a palavra que desafia a máfia
de mensuradas mentiras e outras iras? Será que está na
eficácia do campo minado da falácia? Ou na flor de acácia?
Onde está a palavra que adormece no veludo de noturnas
tramas e enredos? Na poesia do dia a dia ou nos romances de
cavalaria?
Onde está a palavra que pousa no texto iniciante sem
nenhuma pose ou pompa? Será que nos lençóis amantes de
noites insones ou nos cânones dos falantes?
Onde está a palavra que grita de dor quando sufocada e de
fúria quando escamoteada?
Será que está no norte do olho do molho inglês ou na sardinha
do boteco do português?
Onde está a palavra que brinca de esconde-esconde no porão,
que namora no portão e faz sexo de montão?
E a palavra que brilha como estrela, ilumina como lua e
adormece como musa? E a arte da palavra arte e a paz da
palavra paz? Onde estão? E a palavra ternura que ficou rubra
de tanta amargura? Será que espera amanhecer no canto do
galo liberta e pura?
Na verdade, na verdade, a palavra está mais ali do que aqui,
mais lá do que cá, acolá, alhures.


E A POESIA?

A poesia está na plumagem dos mares,
no vôo das cachoeiras
na pele das tempestades
no barulho do silêncio, na veloz acrobacia dos peixes
no verde sol e no ver do olho que tudo vê e não vê.
A poesia?
É só abrir os olhos e ver
Tem tudo a ver com tudo
E com você.

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Gostosuras do querer

Ronald Claver

Prefiro o ócio ao ofício
E o doce pecado do cio.

Nunca temperei corações
glaciais
Prefiro paixões passionais.

Não resolvi a equação dos
corações
Racionais, prefiro os
tropicais.

Em minha matemática do amor a
soma de dois
Resulta em um, já que um é a
soma de dois.

Confesso que amansei o galope
das tempestades
Bebi noites de açoites e
exílios.

Nada sei da rota das
especiarias
Mas aportei em seu porto a
partir das calmarias

Me rendi ao tecer com dedos de
bilro
As rendas de seu coração

Quero provocar o vulcão que
guarda
No lado esquerdo da sedução

Invento palavras, descubro
paisagens, viajo secretos
códigos, visito impossíveis
ilhas e traço no limite de seu
corpo a trilha da paixão.

Prefiro o ofício do ócio e o
deleite do cio e
A gostosura de te querer sem
usura.

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Nascendo com São Francisco

Ronald Claver

Ele nunca entendeu como aquela
Agüinha de nada que nascia aqui e ali
Numas mirradas minas e bicas no alto da Serra
Da Canastra
Poderia virar um São Francisco.
Como aquela agüinha que cabia em suas mãos
Iria um dia virar mar?
E em Pirapora, São Romão tornar-se imemorial,
Intenso?
É como o amor, pensou.
Começa num desaviso,
Num não querer querendo
Num começar crescendo
Até assumir a sua forma definitiva e corpórea
Aí já estamos imensos
E desaguamos no outro o nosso tanto.

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Dia internacional da mulher

Bianca Alves

A quinta-feira passada era um dia como qualquer outro: acordar, fazer café,arrumar a casa, dar uns telefonemas, escrever uns textos, ir ao banco, pegar orçamentos, ligar para o filho, escrever mais textos, comer empadinha com Beto na Padaria Santos e, mais tarde, quem sabe, curtir uma quinta sertaneja no Adelso. Estranhamente, porém, em qualquer lugar que chegasse, recebia um “parabéns pelo meu dia”. Demorei um pouco para descobrir que era o tal “dia internacional da mulher” - uma data que inventaram para homenagear umas figuras que trabalham fora, estudam, arrumam a casa, criam filhos, comem empadinhas e ouvem Bruno e Marrone. A verdade é que não simpatizo com tal homenagem, por motivos amplamente conhecidos. Existe dia do homem? Não. Dia do branco? Não. Dia do não-indígena? Também não. Isso porque todos os dias são dias de homem, de branco e de “civilizados” e poucos são os dias fáceis – às vezes, só um por ano - para mulheres, negros e índios. De qualquer maneira, depois de séculos e séculos de trabalho pesado, submissão e virgindade como passaporte para uma vida decente, mulheres já são quase iguais aos homens. Digo quase porque ainda suportam – até por uma questão de prática – jornadas triplas de trabalho, ganham menos que seus colegas homens e são muito mal faladas quando assumem seu lado mais libertário. Mas pelo menos uma boa notícia:as mulheres hoje participam mais da compra do veículo, quando não são elas que decidem o que comprar. Um release – um texto informativo - do Sindicato das concessionárias de Brasília mostra essa tendência e destaca os esforços das montadoras em atender a detalhes que as mulheres priorizam. Diz ele que hoje, dentro de um automóvel, é possível encontrar suporte para bolsas, espaço no assoalho para dirigir de salto alto e muitos espelhos, inclusive no quebra-sol da motorista. O texto traz ainda os carros preferidos das mulheres. A lista começa pelo Fiat Idea – meu objeto de desejo - passa pelo Fox com a regulagem de altura dos bancos e deságua no EcoSport, com suporte para bolsas, porta-trecos embaixo do banco do passageiro, porta-óculos no teto e até mesmo uma mini geladeira onde podem ser colocados iogurtes, maquiagens, sanduíches naturais, sucos. Como se ali não coubessem também umas cervejinhas ou refrigerantes de vodca. Carros do tipo monovolume, como a Zafira, da G; o Doblò, da Fiat; e o Fit, da Honda, também se enquadram no gosto do público feminino, pelo espaço e a praticidade que oferecem. O release diz ainda que o mercado tenta acompanhar a evolução feminina e, em breve, haverá, dentro das concessionárias, departamentos exclusivos para esse “novo” tipo de consumidor - como se houvesse lugares separados para homens, brancos e não-indígenas comprarem carros. Para fechar esse arrazoado pseudo-feminista, um poeminha bacana do amigo Márcio Metzker. Deixo-o aqui em homenagem a todos, mulheres e homens, que lêem esta coluna.

“Amo todas as mulheres, as nacionais e as importadas, as internacionais e as mal-comportadas, de qualquer cor, qualquer matiz, as desorientadas e as donas do seu nariz,
as melancólicas e as descompensadas, as bem-vestidas e as melhor despidas,
as alucinantes e as alucinadas, simples amantes ou bem suntuosas,
até as trovejantes e as chuvosas, só não amo as mulheres sem compaixão,
que não florescem fêmeas nos fogos do corpo, porque são secas de coração.”

Feliz dia internacional das pessoas!!!!! ............................................................................

Os carros da minha vida

Bianca Alves

O primeiro que chegou era uma Brasília amarela. Não um amarelo mamona, mas aquele foveiro, cor de burro quando foge, meio puxado para creme. De bom mesmo, eu só guardei o gosto da aventura, de ter sido o primeiro, de ter me colocado dentro dele e me levado pelo mundo – bem restrito aliás, porque era um carro cheio de limites, não freava e, ao mesmo tempo, não ia muito longe.

O segundo era um chevete. Também não foi grandes coisas e deu problema no freio, no cilindro mestre, se não me engano, problema que me fez passá-lo logo pra frente. No terceiro, um Escort, as coisas começaram a melhorar. Era um automóvel mais macio, mais confortável, me trouxe muito mais prazer de estar nele e me levou para bem longe, para lugares lindos tipo Monte Verde ou São Tomé.

No quarto, um desastre. Com um mês de uso, o Uno S fundiu o motor. Comprei enganada, o carro veio maquiado mas já não valia grande coisa. Mesmo assim, quis ficar mais tempo com ele – era um carro relativamente novo e tinha seus encantos. Estávamos em plena crise do álcool e, já que eu tinha que trocar o motor mesmo, optei por fazer a conversão para gasolina. Passamos um período maravilhoso, no qual eu chegava nos postos e passava pelas filas de carros provocadas pelo racionamento e, sorridente, estacionava na única bomba de gasolina de qualquer posto. Sozinhos, eu e meu Uno à gasolina.

O quinto carro foi o primeiro realmente meu. Um carro zero, comprado com a venda do anterior e algumas economias. Pago à vista. Eu e minha enceradeira – um Uno Mille – descobrimos o mundo juntos. Não deu problema, não deu mecânico, era econômico, confiável, seguro, enfim, um tédio.

Com três anos de uso, troquei-o por um Pallio vermelho, capota preta, um carro rápido, potente, esportivo. Ferveu com três dias e, emprestado a um amigo, capotou com três meses. Outro desastre.

Passei um tempo com um Monza antigo, pé de boi, uma beleza de carro. Silencioso, pesado, meio desajeitado mas também confiável e seguro, a não ser por um outro problema provocado pela idade.

Logo, logo, troquei o Monza por um Gol preto, TSI, um negócio de louco. Viajamos muito, em um frenesi de muitas aventuras. Fomos muito felizes juntos. Em um período de vacas gordas, troquei o Gol por uma Blazer, prateada, uma verdadeira nave espacial, como diziam meus amigos.

Ar condicionado fantástico, trio elétrico, poltronas acolchoadas, cd, teto solar – com ele, eu parecia estar em outro mundo. Talvez por isso, e por não conseguir mantê-lo, voltei para o Gol TSI.

Há alguns anos, estou com ele. O fervor inicial já passou, é claro. Sua performance ainda é boa, mas já começa a baixar muito óleo e soltar muita fumaça. De vez em quando, penso em trocar. Desisto logo, seja pela falta de dinheiro, seja porque ele ainda anda bem e me leva onde eu quero. Acho que me acomodei.

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O amor de Beatriz
(Crônica do livro Homem de cama e mesa ou qualquer amor)

Maria Esther Lacerda

ELA colecionava conchas sem conhecer o mar. Ele jogava bilhar e não sonhava. Ela vestia camisolas de cetim. Ele bebia uísque puro. Ela fazia ioga, ele tomava analgésico pela manhã. Eles se amaram por uma eternidade, até que um dia ele virou anjo e fugiu do altar. Ela, persistente, continuou a amá-lo. Seu cheiro impregnado roubava-lhe beijos, entre o sono e delírios de saudade. Ele tatuou o amor no seu cotidiano e na alma.

José vivia no corpo e nos olhos de Beatriz. Ela, por certo, guarda esse amor, esse grande amor, entre beija-flores, a lua e o cheiro de jasmim. Quando tudo parece ficar escuro, quando a noite toma assento, ela corre para a janela e, com os olhos no céu, avista sua estrela. Acolhe o vento que vem da ladeira da praça, aproxima suave, traz em surdina cantos gregorianos e, ao lado da ausência, Beatriz decompõe sua lembrança.

Beatriz e José trocaram cartas e afetos, amigos e recordações. Às vezes eram amigos de cuidar, de espiar também. Ele era solto, ela, comprometida. Eles eram dois - pra gente, um amor. Viajavam fazendas e deslizavam asfalto, juntando os pés num destino só. Era bonito o par, maduro e solto. Era também feito maracujá, doce e azedo. Aos domingos iam ao cinema. Ele gostava de sorvete de pistache, ela preferia pastel frito com caldo de cana. Ele lhe dava flor, e ela, colo pra amar. Ele, distante, telefonava. Ela, com doçura, tecia remendos e curava seus arranhões. Um dia de fevereiro, José foi embora. Partiu de repente, numa rodovia de desencanto. Beatriz chorou. O tempo os ludibriou. Levou pro lado de lá, além do corpo, das mãos e dos beijos, seu amor.

Entre brisa de primavera, entre um ano e outro, ela tinha sempre o que guardar. Aguardava o tempo e, dentro de uma caixa de música, acolhia a espera.

Tudo era duplo: dois amores, duas casas, dois colchões, dois isso, dois aquilo, dois caminhos, dois pratos, duas toalhas, dois corpos – às vezes um só – anel solitário, silêncio, um lado da cama vazio, um outro guardado, um chinelo, um encontro marcado – desencontro – dos sonhos, dos caminhos, dos amigos, das palavras, do par – um amor quase perfeito.

Meia-noite, meia-página, meia-lua. Metade da história, metade da vírgula, metade do tempo, metade da laranja, metade de dois - um só – amor inteiro. Tudo feito prosa de um verso.

Nesse tempo sem par, ela espia a ladeira e reza na igreja do Rosário. Levanta cedo, compra pão e faz um só café.

Pela torre da igreja de Mariana o vento repassa feito um passarinho, o tempo pendura no sino parado e triste como os olhos de Beatriz. Tudo desfeito, quando chove: a rosa, as pregas do vestido, não o amor de Beatriz.

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O Equívoco

Kátia de Figueiredo e Silva

Rute era uma mulher decidida. Dessas que não levam desaforo para casa. Professora da rede pública de ensino, acostumada a lutar por seus direitos, era muito extrovertida, brincalhona e, como dizem seus alunos, “doidona”.

Acostumada a enfrentar ônibus lotado, lá estava ela. De repente, um homem começou a encostar nela abusivamente. Com certa dificuldade, conseguiu trocar de lugar e se ver livre dele. Sorrateiramente, o homem chegou novamente e voltou a encostar nela displicentemente. Ela fingiu que não via. Ele insistiu. Então, ela olhou para o braço dele, a mão segurando no cano e ficou possessa: seu relógio estava no braço dele.

Rute não deixou por menos. Mulher prevenida, tirou da bolsa o estilete, que usava para apontar os lápis de seus alunos e começou a espetá-lo dizendo:

— Passe o relógio pra cá, desça no próximo ponto calado!
Assim ele fez.
Ela chegou à escola onde trabalhava e contou o ocorrido para todos os colegas que ficaram surpreendidos com sua bravura e coragem. Rute ainda acrescentou:

— Comigo é assim: sou mulher mas não dou moleza pra bandido!
Ao chegar em casa, contou a história para sua mãe. A mãe, imediatamente, abriu a gaveta do armário à sua frente e disse:

— Minha filha, seu relógio está aqui !

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Cenário Suburbano

Isa de Oliveira

Chumbos perdidos por onde...
Não se sabe em que direção
vem o barulho de explosão
seguidas vezes, flechas pontilhadas e
luminosas
em todas as direções...
um grito, dois gritos,
sirene...e alarmes...
Na escuridão via-se apenas
o fogo pairando no ar
medo, medo e medo...
A luz, eterna luz
que a violência apagou
e a vida comeu
entristeceu o amanhecer...mortuário amanhecer
No amanhecer seguinte...
Silêncio... pelas almas violentadas
à queima-roupa ou em chamas
é o mundo suburbano,
cenário do teatro real
que o dramaturgo humano socializou.

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O Rio

Olavo Bilac

Da mata no seio umbroso,
No verde seio da serra,
Nasce o rio generoso,
Que é a providência da terra.

Nasce humilde; e, pequenino,
Foge ao sol abrasador;
É um fio d'água, tão fino,
Que desliza sem rumor.

Entre as pedras se insinua,
Ganha corpo, abre caminho,
Já canta, já tumultua,
Num alegre borburinho.

Agora ao sol, que o prateia,
Todo se entrega, a sorrir;
Avança, as rochas ladeia,
Some-se, torna a surgir.

Recebe outras águas, desce
As encostas de uma em uma,
Engrossa as vagas, e cresce,
Galga os penedos, e espuma.

Agora, indômito e ousado,
Transpõe furnas e grotões,
Vence abismos, despenhado
Em saltos e cachoeirões.

E corre, galopa, cheio
De força; de vaga em vaga,
Chega ao vale, alarga o seio,
Cava a terra, o campo alaga . . .

Expande-se, abre-se, ingente,
Por cem léguas, a cantar,
Até que cai finalmente,
No seio vasto do mar . . .

Mas na triunfal majestade
Dessa marcha vitoriosa,
Quanto amor, quanta bondade
Na sua alma generosa!

A cada passo que dava
O nobre rio, feliz
Mais uma árvore criava,
Dando vida a uma raiz.
Quantas dádivas e quantas
Esmolas pelos caminhos!
Matava a sede das plantas
E a sede dos passarinhos . . .

Fonte de força e fartura,
Foi bem, foi saúde e pão:
Dava às cidades frescura,
Fecundidade ao sertão . . .

E um nobre exemplo sadio
Nas suas águas se encerra;
Devemos ser como o rio,
Que é a providência da terra:

Bendito aquele que é forte,
E desconhece o rancor,
E, em vez de servir a morte,
Ama a vida, e serve o Amor!

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Barca Bela

Almeida Garret

Pescador da barca bela,
Onde vás pescar com ela
Que é tão bela,
Ó pescador?
Não vês que a última estrela
No céu nublado se vela?
Colhe a vela,
Ó pescador!
Deita o lanço com cautela,
Que a sereia canta bela...
Mas cautela,
Ó pescador!
Não se enrede a rede nela,
Que perdido é remo e vela
Só de vê-la,
Ó pescador.
Pescador da barca bela,
Inda é tempo, foge dela,
Foge dela,
Ó pescador!

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Mar Português

Fernando Pessoa

Ó mar salgado, quanto do teu sal
São lágrimas de Portugal!
Por te cruzarmos, quantas mães choraram,
Quantos filhos em vão rezaram!
Quantas noivas ficaram por casar
Para que fosses nosso, ó mar!

Valeu a pena? Tudo vale a pena
Se a alma não é pequena.
Quem quer passar além do Bojador
Tem de passar além da dor.
Deus ao mar o perigo e o abismo deu,
Mas nele é que espelhou o céu.

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Autopsicografia

Fernando Pessoa

O poeta é um fingidor.
Finge tão completamente
Que chega a fingir que é dor
A dor que deveras sente.
E os que lêem o que escreve,
Na dor lida sentem bem,
Não as duas que ele teve,
Mas só a que eles não têm.
E assim nas calhas de roda
Gira, a entreter a razão,
Esse comboio de corda
Que se chama coração.

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Memórias de um sargento de milícias (fragmento)

Manuel Antônio de Almeida

Logo que pôde andar e falar tornou-se um flagelo; quebrava e rasgava tudo que lhe vinha à mão.
Tinha uma paixão decidida pelo chapéu armado do Leonardo; se este o deixava por esquecimento em algum lugar ao seu alcance,
tomava-o imediatamente, espanava com ele todos os móveis, punha-lhe dentro tudo que encontrava, esfregava-o em uma parede,
e acabava por varrer com ele a casa; até que a Maria, exasperada pelo que aquilo lhe havia custar aos ouvidos, e talvez às costas,
arrancava-lhe das mãos a vítima infeliz. Era, além de traquinas, guloso; quando não traquinava, comia. A Maria não lhe perdoava;
trazia-lhe bem maltratada uma região do corpo; porém ele não se emendava, que era também teimoso, e as travessuras recomeçavam mal
acabava a dor das palmadas.
Assim chegou aos 7 anos.

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Ismália

Alphonsus de Guimaraens

Quando Ismália enlouqueceu,
Pôs-se na torre a sonhar...
Viu uma lua no céu,
Viu outra lua no mar.

No sonho em que se perdeu,
Banhou-se toda em luar...
Queria subir ao céu,
Queria descer ao mar...

E, no desvario seu,
Na torre pôs-se a cantar...
Estava longe do céu...
Estava longe do mar...

E como um anjo pendeu
As asas para voar. . .
Queria a lua do céu,
Queria a lua do mar...

As asas que Deus lhe deu
Ruflaram de par em par...
Sua alma subiu ao céu,
Seu corpo desceu ao mar...
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Iguais

Cláudio Lélis

Flores ou Feras
caem se despetalam
erguem-se com a necessidade de mais

se recompõem
Dálias Margaridas e Rosas
todas exalando o mesmo perfume

da necessidade
Vontade
de vitória
agrupam-se o sorriso
a raiva
a força

elas fazem descompasso
fazem passo a passo
o passe
conseguem o gol
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Cor Vermelha

Cláudio Lélis

Um punhal apontado para o próprio peito

E quanto mais o punhal penetra o músculo
você percebe que está vivo é um homem
e que o sentimento mais puro é o amor

E que é capaz de sentir o amor não correspondido

Sentir dor de espírito
Dor de alma

Machuca a alma
Não sangra
Mata de amor.
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Amor

José Américo Miranda

não há lugar pra você no meu coração
não há lugar pra você no meu chão
não há lugar pra você
não há, inda não, lugar pra você

há lugar pra você
só há lugar pra você
só há                  você
há                        você
só                           você


Ilustrações de alunos de Escola de Belas Artes da UFMG

Gustave Doré Tatiana Tameirão Julius Alessandra Threvenard Cesária