Essa é nossa praia
(Fragmentos)

Bloco 1
Cena 1

(termina a coreografia e todos formam um semicírculo)
Baiana - (Para o público) Todo dia é a mesma coisa: preparo massa, arrumo no cesto, levo cesto para o ponto. Vocês estão pensando que fazer acarajé é fácil? Não é não, minha filha. Está pensando que o meu é batido no liquidificador? Não, o meu é no punho e do muito bem feito! Está pensando o que? (Vê Picó sentado na platéia) Oh, menino, eu quero você se misturando com esse povo aí? Passando! Venha arrumar o tabuleiro e passa a vassoura aqui no ponto. (Meirelles, 1995, p. 61).

[...]

Matias - Ói mulher, eu já tô é retado, viu? Todo dia eu acordo às 4 da manhã, desço e vou lá na rampa do mercado buscar mercadoria. Quando chego lá embaixo, o sujeito vira na minha cara e diz: "Aí, meu irmão, o que eu tenho pra você é esse bagulho aí". Então eu pego e boto esse peso retado nas costas e subo toda essa ladeira, quando chego lá em cima e vou na casa da madame entregar a mercadoria que ela me encomendou, ela vira na minha cara e diz: "Passe mais tarde que meu marido saiu e me deixou sem dinheiro". Eu vou ficar numa vida miserável dessa nada! (Meirelles, 1995, p. 62).

[...]

Lúcia - Tô cheia. Tô cheia de ficar o dia inteiro nesse Pelourinho, subindo e descendo, toda entertelada. Sorri para gringo que sobe, sorri para gringo que desce e o salário: uma miséria. Mas eu saio desse Pelourinho, se possível do Brasil. Vou viver na Europa, aquilo lá que é lugar de se viver. (Meirelles, 1995, p. 67).

Bloco 3
Cena 2

(Maria de Bonfim encontra Dona Joana, em pé, simulando estar debruçada na janela)
Maria de Bonfim - Ô, mulher!
Dona Joana - Bom dia!
Maria de Bonfim - Bom dia! Eu ia dar... Sabe o que é? É que eu tô pedindo um trocado pra comprar uma passagem e vortá pro meu interior.
Dona Joana - Arrume pra duas, nêga!
Maria do Bonfim - Ô, mulher, qualquer coisa me serve.
Dona Joana - Minha senhora, eu tô com fome há três dias, meu marido está desaparecido, minhas crianças estão entregues à Neguinho do Samba, é desse jeito a minha vida.
Maria do Bonfim - Mas a senhora tá aí dentro de sua casa no bem bom.
Dona Joana - Tô com fome do mesmo jeito.
(Meirelles, 1995, p. 74-75).


LIVROS E LIVROS

Ficção

Cuti - Tenho medo de monólogo & Uma farsa de dois gumes
Eis mais uma obra do escritor Cuti, livro contendo duas peças teatrais, "Tenho medo de monólogo" e "Uma farsa de dois gumes", de extensão e de temática diferentes. Em todos os seus livros até agora publicados, Cuti tematiza, em situações do cotidiano, as relações raciais e as questões daí decorrentes num Brasil onde o discurso hegemônico se proclama democraticamente livre da discriminação de natureza étnica. Cuti não é estreante na área do texto teatral. Já em 1983 publicou Suspensão, peça em um ato e onze cenas; em 1988, em conjunto com Arnaldo Xav...

Poesia

Mel Duarte (Org.) - Querem nos calar: poemas para serem lidos em voz alta
Apresentar um livro é sempre uma tarefa perigosa, pois uma apre­sentação pode resvalar em profundos enganos. Ou ainda se tornar um exercício desconcertante, enfadonho, se não houver uma empatia com a escrita que está sendo apresentada. Mas não é esse o caso desta apresentação, ao contrário. Como apresentar um texto em que a leitura me seduz e aprofunda o meu desejo de escrever um rap? Portanto, não componho aqui uma apresentação da antologia Querem nos calar: poemas para serem lidos em voz ...

Ensaio

Henrique Freitas - O arco e a arkhé: ensaios sobre literatura e cultura
De início, chama a atenção no presente livro de Henrique Freitas a ênfase na relação estabelecida entre literatura e cultura. Não deveríamos estranhar o destaque conferido a essa relação seminal, não fosse a crescente dissociação que se observa, em nossas experiências cotidianas, entre os fenômenos e os contextos sociais em que são gerados. Tal dissociação, justificada por uma espécie de ordem natural dos acontecimentos é, no fundo, o resultado de construções sociais cujos agentes podem ser identificados em sua atuação objet...

Infantojuvenil

Sandra Menezes – O céu entre mundos
Que mundos são possíveis para nós, pessoas negras? Quais tecnologias – científicas, artísticas, espirituais – permitirão que continuemos vivos e vivas? São perguntas assim que movem a escrita futurista elaborada por e para pessoas negras. A narrativa que habita este volume nasce desse estímulo de fabulação que é, ao mesmo tempo ato de resistência. A escrita de autoria negra é uma ponte entre mundos da memória e do futuro, a ficção recria um passado não-registrado e proporciona novos horizontes que talvez ainda não possam ser vistos, mas que po...

Memória

Djamila Ribeiro-Amor de vóAmor de vó Heleine Fernandes*   “Tive a quem puxar”. Ouvi diversas vezes esse dito popular em minha infância. Depois de muito tempo, tenho a alegria de reencontrar com ele no livro Cartas para minha avó, de Djamila Ribeiro (Companhia das Letras, 2021). Lembro de sentir um misto de orgulho e espanto de autodescoberta quando alguém dizia em alto e bom som que eu tinha a quem puxar. Esse dito, que reverbera na escrita vocal de Djamila e que é uma espécie de síntese do seu livro, gravou em minha memória um ensinamento profundo do qual ainda não tinha me dado conta: o de que não estou só. Não so...

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