Quem de nós

                          Akins Kintê

Quem de nós quando expôs
O intrigante pus
De tormento, depois
Não quis ter olhos azuis
Nesse Estado de terror
Que nos assombra
Com horror
Em escombros
Ainda assim com fulgor
Traz com amor
Em chamas, quilombos

Quem de nós
Buscando a liberdade
Nas redes sociais que leciona
Leu mais livro que dá conta
Nem por isso detona
Mulekote da mesma cor
A revolução sabe de cor
Não se emociona, pelamô
Nem rasteja
Nem de bandeja
Entrega feito caça
Onde vive
Não encarcera a própria raça
Pra se ver livre

Quem de nós
Com toda essa tranca
A nos nutrir
Demoliu dentro de si
A construção
Dessa outra prisão
De ter a pele branca

Quem de nós
Quando sonhou a dois
Quis laço e não nó
Mesmo com o racismo
Nos pondo a longo passo
Pro caminho do não ser
Quis ainda assim com a moça
Dos mesmos traços
Gingas doces de prazer

Quem de nós
Não jogou aos pés a cabeça do irmão
Por motivo algum, nem desfez
Já lesado anda liso
Pelo nada de capital acumulado
Sempre enquadrado
Somos a bola da vez
Quando o assunto

É aumentar o sorriso
Nem por isso se envergonha
Dos Jejes, Bantus, Angolas, Nagôs
Ainda que o país exponha
Ogãns, Babalorixás, Yaôs

Quem de nós
Mesmo que amargura
Aconchegue
Se olha com ternura
E segue
Se rebelando
De tanto presídio
Desamarrando
Algema deprimente do suicídio
Ainda que nos empurrem
Pro abismo mais triste
Não delira
E com garra em riste
Inspira
A ficar vivo

Quem de nós!

   (In: Cadernos Negros 41, p. 32-34)

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