Torto arado

 (excerto, Fio de corte, cap. 1)

Itamar Vieira Júnior

 

Quando retirei a faca da mala de roupas, embrulhada em um pedaço de tecido antigo e encardido, com nódoas escuras e um nó no meio, tinha pouco mais de sete anos. Minha irmã, Belonísia, que estava comigo, era mais nova um ano. Pouco antes daquele evento estávamos no terreiro da casa antiga, brincando com bonecas feitas de espigas de milho colhidas na semana anterior. Aproveitávamos as palhas que já amarelavam para vestir feito roupas nos sabugos. Falávamos que as bonecas eram nossas filhas, filhas de Bibiana e Belonísia. Ao percebermos nossa avó se afastar da casa pela lateral do terreiro, nos olhamos em sinal de que o terreno estava livre, para em seguida dizer que era hora de descobrir o que Donana escondia na mala de couro, em meio às roupas surradas com cheiro de gordura rançosa. Donana notava que crescíamos e, curiosas, invadíamos seu quarto para perguntar sobre as conversas que escutávamos e sobre as coisas que nada sabíamos, como os objetos no interior de sua mala. A todo instante éramos repreendidas por nosso pai ou nossa mãe. Minha vó, em particular, só precisava nos olhar com firmeza para sentirmos a pele arrepiar e arder, como se tivéssemos nos aproximado de uma fogueira.

Por isso, ao vê-la se afastar em direção ao quintal, olhei para Belonísia. Decidida a revirar suas coisas, não hesitei em caminhar, na ponta dos pés, em direção ao quarto, para abrir a mala de couro envelhecida, com manchas e uma grossa camada de terra acumulada sobre ela. A mala, durante toda a nossa existência até então, estava debaixo da cama. Eu mesma fui para o quintal espiar pela porta e ver vó Donana se arrastando em direção à mata, que ficava depois do pomar e da horta, depois do galinheiro e seus poleiros velhos. Naquele tempo, costumávamos ver nossa avó falar sozinha, pedir coisas estranhas como que alguém – que não víamos – se afastasse de Carmelita, a tia que não havíamos conhecido. Pedia que o mesmo fantasma que habitava suas lembranças e afastasse das meninas. Era uma profusão de falas desconexas. Falava sobre pessoas que não víamos – os espíritos – ou outras pessoas sobre as quais quase nunca ouvíamos, parentes e comadres distantes. Nos habituamos a ouvir Donana falando pela casa, falar na porta da rua, no caminho para roça, falar no quintal, como se conversasse com as galinhas ou com as árvores secas. Eu e Belonísia nos olhávamos, ríamos sem alarde, e nos aproximávamos sem que percebesse. Fingíamos brincar com algo por perto só para escutar e, depois, com as bonecas, com os bichos e as plantas repetirmos o que Donana havia dito como coisa séria. Repetíamos o que minha mãe dizia baixo para o pai na cozinha. “Hoje ela está falando muito, a cada dia fala mais sozinha.” O pai relutava em admitir que minha avó estava com sinais de demência, dizia que a vida toda a mãe havia falado consigo mesma, a vida toda havia repetido rezas e encantos com a mesma distração com que revirava os pensamentos.

Naquele dia, escutamos a voz de Donana se afastar no espaço, em meio ao cacarejo e aos cantos das aves. Era como se as rezas e sentenças que proferia, e que muitas vezes não faziam sentido para nós, estivessem sendo carregadas para longe, carregadas pelo sopro de nossas respirações ansiosas pela transgressão que estávamos prestes a cometer. Belonísia se enfiou debaixo da cama e puxou a mala. O couro de caititu que cobria as imperfeições do chão de terra se encolheu sob seu corpo. Abri a mala sozinha, sob nossos olhos luminosos. Levantei algumas peças de roupa antigas, surradas, e de outras que ainda guardavam as cores vivas que a luz do dia seco irradiava, luz que nunca sobre descrever de forma exata. E no meio das roupas mal dobradas e arrumadas havia um tecido sujo envolto no objeto que nos chamou atenção, como se fosse a joia preciosa que nossa avó guardava com todo o seu segredo. Fui eu quem desatou o nó, atenta à voz de Donana que ainda estava distante. Vi os olhos de Belonísia cintilarem com o brilho do que descobríamos como se fosse um presente novo, forjado de um metal recém-tirado da terra. Levantei a faca, que não era grande nem pequena diante de nossos olhos, e minha irmã pediu para pegar. Não deixei, eu veria primeiro. Cheirei e não tinha o odor rançoso dos guardados de minha avó, não tinha machas nem arranhões. Minha reação naquele pequeno intervalo de tempo era explorar ao máximo o segredo e não deixar passar a oportunidade de descobrir a serventia da coisa que resplandecia em minhas mãos. Vi parte de meu rosto refletido como num espelho, assim como vi o rosto de minha irmã, mais distante. Belonísia tentou tirar a faca de minha mão e eu recuei. “Me deixa pegar, Bibiana.” “Espere.” Foi quando coloquei o metal na boca, tamanha era vontade de sentir seu gosto, e, quase ao mesmo tempo, a faca foi retirada de forma violenta. Meus olhos ficaram perplexos, vidrados nos de Belonísia, que agora também levava o metal à boca. Junto com o sabor de metal que ficou em meu paladar se juntou o gosto do sangue quente, que escorria pelo canto de minha boca semiaberta, e passou a gotejar pelo meu queixo. O sangue se pôs a embotar de novo o tecido encardido e de nódoas escuras que recobria a faca.

Belonísia também retirou a faca da boca, mas levou a mão até ela como se quisesse segurar algo. Seus lábios ficaram tingidos de vermelho, não sabia se tinha sido a emoção de sentir a prata, ou se, assim como eu, tinha se ferido, porque dela também escorria sangue. Tentei engolir o que podia, minha irmã também esfregava rápido a mão na boca com os olhos marejados e apertados, tentando afastar a dor. Ouvi os passos lentos de minha avó chamando Bibiana, chamando Zezé, Domingas, Belonísia. “Bibiana, não está vendo as batatas queimando?” Havia um cheiro de batata queimada, mas tinha também o cheiro do metal, o cheiro do sangue que ensopava minha roupa e a de Belonísia.

Quando Donana levantou a cortina que separava o cômodo em que dormia da cozinha, eu já havia retirado a faca do chão e embrulhado de qualquer jeito no tecido empapado mas não havia conseguido empurrar de volta a mala de couro para debaixo da cama. Vi o olhar assombrado de minha avó, que desabou sua mão grossa na minha cabeça e na de Belonísia. Ouvi Donana perguntar o que estávamos fazendo ali, porque sua mala estava fora do lugar e que sangue era aquele. “Falem”, disse, nos ameaçando arrancar a língua, que estava, mal ela sabia, em uma das nossas mãos.

 

(In: Torto arado, 1Reimpr., 2019, p. 13-16)

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Quilombismo: um conceito científico histórico-social

Abdias Nascimento

 

Para os africanos escravizados assim como para os seus descendentes "libertos", tanto o Estado colonial português quanto o Brasil – colônia, império e república – têm uma única e idêntica significação: um estado de terror organizado contra eles. Um Estado por assim dizer natural em sua iniquidade fundamental, um Estado naturalmente ilegítimo. Porque tem sido a cristalização político-social dos interesses exclusivos de um segmento elitista, cuja aspiração é atingir o status ário-europeu em estética racial, em padrão de cultura e civilização. Este segmento tem sido o maior beneficiário da espoliação que em todos os sentidos tem vitimado o povo afro-brasileiro ao longo da nossa história. Conscientes da extensão e profundidade dos problemas que enfrenta, o negro sabe que sua oposição ao que aí está não se esgota na obtenção de pequenas reivindicações de caráter empregatício ou de direitos civis, no âmbito da dominante sociedade capitalista-burguesa e sua decorrente classe média organizada. O negro já compreendeu que terá de derrotar todas as componentes do sistema ou estrutura vigente, inclusive a sua intelligentsia responsável pela cobertura ideológica da opressão através da teorização "científica" seja de sua inferioridade biossocial, da miscigenação sutilmente compulsória ou da criação do mito "democracia racial". Essa "intelligentsia", aliada a mentores europeus e norte-americanos, fabricou uma "ciência” histórica ou humana que ajudou a desumanização dos africanos e seus descendentes para servir os interesses dos opressores eurocentristas. Uma ciência histórica que não serve à história do povo de que trata está negando-se a si mesma. Trata-se de uma presunção cientificista e não de uma ciência histórica verdadeira.

 Como poderiam as ciências humanas, históricas – etnologia, economia, história, antropologia, sociologia, psicologia, e outras – nascidas, cultivadas e definidas para povos e contextos socioeconômicos diferentes, prestar útil e eficaz colaboração ao conhecimento do negro, sua realidade existencial, seus problemas e aspirações e projetos? Seria a ciência social elaborada na Europa ou nos Estados Unidos tão universal em sua aplicação? Os povos negros conhecem na própria carne a falaciosidade do universalismo e da isenção dessa "ciência". Aliás, a ideia de uma ciência histórica pura e universal está ultrapassada. O conhecimento científico que os negros necessitam é aquele que os ajude a formular teoricamente – de forma sistemática e consistente – sua experiência de quase 500 anos de opressão. Haverá erros ou equívocos inevitáveis em nossa busca de racionalidade do nosso sistema de valores, em nosso esforço de autodefinição de nós mesmos e de nosso caminho futuro. Não importa. Durante séculos temos carregado o peso dos crimes e dos erros do eurocentrismo "científico", os seus dogmas impostos em nossa carne como marcas ígneas da verdade definitiva. Agora devolvemos ao obstinado segmento "branco” da sociedade brasileira as suas mentiras, a sua ideologia de supremacismo europeu, a lavagem cerebral que pretendia tirar a nossa humanidade, a nossa identidade, a nossa dignidade, a nossa liberdade. Proclamando a falência da colonização mental eurocentrista, celebramos o advento da libertação quilombista.

O negro tragou até à última gota os venenos da submissão imposta pelo escravismo, perpetuada pela estrutura do racismo psicossócio-cultural que mantém atuando até os dias de hoje. Os negros têm como projeto coletivo a ereção de uma sociedade fundada na justiça, na igualdade e no respeito a todos os seres humanos, na liberdade; uma sociedade cuja natureza intrínseca torne impossível a exploração econômica e o racismo. Uma democracia autêntica, fundada pelos destituídos e os deserdados deste país, aos quais não interessa a simples restauração de tipos e formas caducas de instituições políticas, sociais e econômicas as quais serviriam unicamente para procrastinar o advento de nossa emancipação total e definitiva que somente pode vir com a transformação radical das estruturas vigentes. Cabe mais uma vez insistir: não nos interessa a proposta de uma adaptação aos moldes de sociedade capitalista e de classes. Esta não é a solução que devemos aceitar como se fora mandamento inelutável. Confiamos na idoneidade mental do negro, e acreditamos na reinvenção de nós mesmos e de nossa história. Reinvenção de um caminho afro-brasileiro de vida fundado em sua experiência histórica, na utilização do conhecimento crítico e inventivo de suas instituições golpeadas pelo colonialismo e o racismo. Enfim reconstituir no presente uma sociedade dirigida ao futuro, mas levando em conta o que ainda for útil e positivo no acervo do passado. Um futuro melhor para o negro tanto exige uma realidade em termos de pão, moradia, saúde, trabalho, como requer um clima moral e espiritual de respeito às componentes mais sensíveis da personalidade negra expressas em sua religião, cultura, história, costumes e outras formas.

A segurança de um futuro melhor para a população negra não se inclui nos dispositivos da chamada "lei de segurança nacional". Esta é a segurança das elites dominantes, dos seus lucros e compromissos com o capital interno ou estrangeiro, privado ou estatal. A segurança da "ordem" econômica, social e política em vigor é aquela associada e inseparável das teorias “científicas" e dos parâmetros culturais e ideológicos engendrados pelos opressores e exploradores tradicionais da população afro-brasileira.

Tampouco nos interessa o uso ou a adoção de slogans ou palavras de ordem de um esquerdismo ou democratismo vindos de fora. A revolução negra produz seus historiadores, sociólogos, antropólogos, pensadores, filósofos e cientistas políticos. Tal imperativo se aplica também ao movimento afro-brasileiro.

 Um instrumento conceitual operativo se coloca, pois, na pauta das necessidades imediatas da gente negra brasileira. O qual não deve e não pode ser fruto de uma maquinação cerebral arbitrária, falsa e abstrata. Nem tampouco um elenco de princípios importados, elaborados a partir de contextos e de realidades diferentes. A cristalização dos nossos conceitos, definições ou princípios deve exprimir a vivência de cultura e de praxis da coletividade negra. Incorporar nossa integridade de ser total, em nosso tempo histórico, enriquecendo e aumentando nossa capacidade de luta.

Precisamos e devemos codificar nossa experiência por nós mesmos, sistematizá-la, interpretá-la e tirar desse ato todas as lições teóricas e práticas conforme a perspectiva exclusiva dos interesses da população negra e de sua respectiva visão de futuro. Esta se apresenta como a tarefa da atual geração afro-brasileira: edificar a ciência histórico-humanista do quilombismo.

Quilombo não significa escravo fugido. Quilombo quer dizer reunião fraterna e livre, solidariedade, convivência, comunhão existencial. Repetimos que a sociedade quilombola representa uma etapa no progresso humano e sócio-político em termos de igualitarismo econômico. Os precedentes históricos conhecidos confirmam esta colocação. Como sistema econômico, o quilombismo tem sido a adequação ao meio brasileiro do comunitarismo e/ou ujamaaísmo da tradição africana. Em tal sistema as relações de produção diferem basicamente daquelas prevalecentes na economia espoliativa do trabalho, chamada capitalismo, fundada na razão do lucro a qualquer custo. Compasso e ritmo do quilombismo se conjugam aos mecanismos operativos, articulando os diversos níveis da vida coletiva cuja dialética interação propõe e assegura a realização completa do ser humano. Nem propriedade privada da terra, dos meios de produção e de outros elementos da natureza. Todos os fatores e elementos básicos são de propriedade e uso coletivo. Uma sociedade criativa no seio da qual o trabalho não se define como uma forma de castigo, opressão ou exploração; o trabalho e antes uma forma de libertação humana que o cidadão desfruta como um direito e uma obrigação social. Liberto da exploração e do jugo embrutecedor da produção tecno-capitalista, a desgraça do trabalhador deixará de ser o sustentáculo de uma sociedade burguesa parasitária que se regozija no ócio de seus jogos e futilidades.

Os quilombolas dos séculos XV, XVI, XVII, XVIII e XIX nos legaram um patrimônio de prática quilombista. Cumpre aos negros atuais manter e ampliar a cultura afro-brasileira de resistência ao genocídio e de afirmação da sua verdade. Um método de análise, compreensão e definição de uma experiência concreta, o quilombismo expressa a ciência do sangue escravo, do suor que este derramou enquanto pés e mãos edificadores da economia deste país. Um futuro de melhor qualidade para a população afro-brasileira só poderá ocorrer pelo esforço enérgico de organização e mobilização coletiva, tanto da população negra como das inteligências e capacidades escolarizadas, para a enorme batalha no fronte da criação teórico-científica. Uma teoria científica inextricavelmente fundida à nossa prática histórica que efetivamente contribua à salvação da comunidade negra, a qual vem sendo inexoravelmente exterminada. Seja pela matança direta da fome, seja pela miscigenação compulsória, pela assimilação do negro aos padrões e ideais ilusórios do lucro ocidental. Não permitamos que a derrocada desse mundo racista, individualista e inimigo da felicidade humana afete a existência futura daqueles que efetiva e plenamente nunca a ele pertenceram: nós, negro-africanos e afro-brasileiros.

Condenada a sobreviver rodeada ou permeada de hostilidade, a sociedade afro-brasileira tem persistido nesses quase 500 anos sob o signo de permanente tensão. Tensão esta que consubstancia a essência e o processo do quilombismo.

Assegurar a condição humana do povo afro-brasileiro, há tantos séculos tratado e definido de forma humilhante e opressiva, é o fundamento ético do quilombismo. Deve-se assim compreender a subordinação do quilombismo ao conceito que define o ser humano como o seu objeto e sujeito científico, dentro de uma concepção de mundo e de existência na qual a ciência constitui uma entre outras vias do conhecimento.

(In: O quilombismo: documentos de uma militância pan-africanista. 2. ed. Brasília / Rio de Janeiro: Fundação Palmares / OR Editor Produtor, 2002, p. 269-274).

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A mulher mais bela

                               Wesley Correia

Fragmentos dispersos do puro espírito
são filtrados na clareira vista da janela,
na qual contempla a mulher mais bela.

Ali, nada retrai ou precipita,
nem o amor em primeiro plano,
que não conforma nem agita,
nem a sentida ilusão ao fundo,
que não cala nem grita.

Paralisada, a estranha narrativa
nos inaugura um fluxo,
nos obriga à festa.
As cenas banais,
aí, também, excepcionais,
conhecem a raiz de cada desejo.

Do peito intumescido,
do couro, da luz e da mística,
de tudo isso, nós sabemos,
e nada é bom ou mau em si,
mas da mulher mais bela,
dela, só quem sabe é Juraci.

     (In: Laboratório de incertezas, p. 64)

 

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Capoeira, um jogo de corpo

Muniz Sodré

Eu atrás do cantadô Sou como abêia por pau.
Como linha por agúia,
Como dedo por dedal
Como chapéu por cabeça
E nêgo por berimbau
(Sextilha do cego Sinfrônio Martins)

Eu vim aqui foi
pra vadiar
Eu vim aqui foi
pra vadiar
Vadeia, nêgo, vadeia
Vadeia, povo, vadeia
(Estrofe de samba de roda)

Vadiação, brincadeira, são outros nomes com que os negros designavam na Bahia o jogo da capoei­ra. Capoeira se luta, joga, brinca, é algo que se faz en­tre amigos ou companheiros. Como? Primeiro, forma-se uma roda composta de um ou mais tocado­res de berimbau (arco retesado por um fio de aço, percutido por uma vareta e ao qual se prende uma cabaça capaz de funcionar como caixa de ressonân­cia), pandeiros, caxixis ou reco-recos. Em seguida, dois homens entram no círculo, abaixando-se na frente dos músicos, ao som dos instrumentos e de canções (chulas) específicas. Na capoeira dita de Angola, ao se cantar a expressão "Volta ao mun­do", está dado o sinal para o início do jogo.

Aí então, mobilizam-se totalmente os corpos dos jogadores. Mãos, pés, joelhos, braços, calcanha­res, cotovelos, dedos, cabeças, combinam-se di­namicamente em esquivas e golpes, de nomes variados: aú, rasteira, meia-lua, meia-lua de compasso, martelo, rabo de arraia, bênção, chapa-de-pé, chiba­ta, tesoura e muitos outros.

O que se busca é o envolvimento, a atração do oponente a um ponto que se pode definir como impacto/queda (na luta) ou a demonstração da possibilidade do impacto/queda (na brincadeira). Mas nenhuma finalidade estrita comanda o jogo, nem há uma divisão radical entre as formas de luta e as de brincadeira ou as formas de ataque e de defesa. Todos se fazem acompanhar do ritmo não rigoro­samente simétrico do berimbau, que apoia (sem comandar) os movimentos dos jogadores numa gradação do menos ao mais rápido, do lento ao prestíssimo. Angolinha, São Bento Grande, São Bento Pequeno, jogo de fora, jogo de dentro, iúna, cavalaria, Santa Maria, são alguns dos toques diferenciados do berimbau, — aos quais correspon­dem diferentes estilos de jogo.

O estilo rítmico do jogo não se confunde, en­tretanto, com o estilo individual do jogador. Este se define inicialmente pela ginga, o balanço inces­sante e maneiroso do corpo, que faz com que se esquive e dance ao mesmo tempo, tudo isto com­portando uma mandinga (feitiçaria, encantamen­to malícia) de gestos, firulas, sorrisos, capazes de desviar o adversário de seu caminho previs­to, isto é, de seduzi-lo. Sobre os pés, sobre as mãos, abaixado, pulando, o capoeirista jamais se imobili­za e, acionado pela ginga, evolui em roda (como no espaço do samba tradicional ou no espaço das danças religiosas negras), sempre com movimentos circulares, afirmando o seu estilo de jogo através do ritmo que imprime ao corpo, da velocidade dos gestos, da sutileza da mandinga. Uma chula define o saber do jogo: "Ele é mandingueiro/iê, sabe jogá, camarada/iê, a capoeira/iê, a capoeira, camará".

E a mesma estratégia de aranha: evitando o confronto direto, o capoeirista seduz o adversário num espaço circular, envolvendo-o, enlaçando-o. Se não o vence, retira-se graças à esquiva, transforma-se num pé-de-mato (capoeira), foge. "Fujão", "quilombola", "capoeira", são epítetos recorrentes para o negro da História do Brasil. Dizia-se do escravo fugitivo: "Caiu na capoeira". E subtendia-se: era rápido, faquista, mandingueiro, rebelde, resistente enfim.

Este último aspecto-resistência aproxima as origens de capoeira das origens da maior parte das artes de corpo e guerra. A crônica da capoeira até quase o final do Império revela disposições permanentes de resistência marcial aos dispositi­vos repressivos de ordem escravagista. Desde pouco antes da Abolição e durante a Primeira República, os capoeiristas passaram a ser usados, sobretudo no Rio de Janeiro, como capangas, (às vezes contra os próprios negros, ou contra republicanos) por políticos e pessoas de influência. Não sendo este o caso, o capoeirista era frequentemente apontado como autor de tropelias e desordens, suscitando mais uma vez medidas legislativas específicas .1

Mas a capoeira implicava, como toda estraté­gia cultural dos negros no Brasil, num jogo de re­sistência e acomodação. Luta com aparência de dança, dança que aparenta combate, fantasia de luta, vadiação, mandinga, a capoeira sobreviveu por ser jogo cultural. Um jogo de destreza e malí­cia, em que se finge lutar, e se finge tão bem que o conceito de verdade da luta se dissolve aos olhos do espectador e — ai dele — do adversário desavisado.

Formas orientais e esporte

A face dupla do jogo (luta e dança) aproxima a capoeira das formas orientais de combate, como as do Wu-shu, conjunto das artes marciais da anti­ga China, que reunia os domínios do combate a mão armada e a mão livre (neste último multipli­cavam-se as escolas e as técnicas), a maioria das quais se perdeu com o tempo. Uma delas, a do Tien-Hsueh, consistia em acompanhar relaxadamente os gestos do adversário, envolvendo-o, até o instante em que se desferia um ataque fulminan­te a um ponto vital. Os fragmentos do Tien-Hsueh alimentavam a maior parte dos sistemas externos (Nei-chia) do combate, que são os estilos ditos "duros", voltados principalmente para o desenvol­vimento da potência muscular e baseados em mo­vimento de confronto direto com o oponente. Es­ses estilos parecem originar-se da forma Chiao-Ti-Shu (popular desde o segundo século A.C.) e são conhecidos sob nomes diversos como Shaolin, Kung-Fu, etc. Daí procedem as artes marciais japo­nesas e coreanas, como o jiu-jitsu, karatê, taekwendo, etc.

Diferentemente do Nei-chia, o sistema interno (Wai-Chia), conjunto de estilos ditos "brandos", busca desenvolver, por movimentos circulares, a força vital (chi). Alguns dos princípios desse sistema são evocados em escritos Taoístas, como o Tao-Te-King, de Lao-Tsé, onde se lê que o fraco termina sempre vencendo o forte e que o poder está no Wu-wei, ou seja, no não-agir ou "agir para o não-agir". O Wu-wei exorta a abandonar a eficácia como uma finalidade estrita, em favor de uma ação harmoniosa com o ritmo do universo, seja modelada pelos movimentos de animais, seja por plantas ou fenômenos atmosféricos. Este prin­cípio se aplica aos três métodos básicos (Pakua, Hsing-I e Tai-chi) do sistema interno, que procu­ram ensinar o corpo a descontrair-se, a fim de que o Chi, a força, possa circular livremente.

Na realidade, os dois sistemas interligavam-se na antiga China. Considerava-se o corpo humano como uma formação de cinco essências — espírito, ossos, músculos, força interna (Chi) e nervos — para cuja integração e equilíbrio, cada estilo daria uma resposta técnica particular. O estilo de cada mestre comportava aspectos esotéricos, com segredos e iniciações. Uma arte marcial implicava numa for­ma especial de vida, que incluía conhecimentos médicos, filosóficos e outros.

A "inatividade do movimento" em que impli­ca o Wu-wei, ainda é visível hoje nesta aparente "dança" do Tai-chi. Em meio a um silêncio abso­luto, os braços se esticam, cruzam-se, os punhos traçam no ar sugestivas parábolas em deslocamen­tos circulares. O círculo simboliza o Tai-chi. Por quê? Pretende-se que a melhor maneira de prote­ger o centro de gravidade (tronco e dorso), fonte de toda a energia, é torná-lo imóvel para gerar força estática. Produzindo uma corrente contínua de força em torno do centro, o Tai-chi lhe faz evitar todas as ofensivas. O círculo permite ao chi fluir de maneira quase igual, em forma fe­chada, sem deixar de se regenerar, pois é mantido por um movimento moderado, que nunca se esgo­ta. Autodefesa, ginástica ou relaxamento, método de harmonia e atenção, jogo de paciência, o Tai- chi confia o sentido de seus gestos à maturidade de cada praticante, que é medida pelo grau de equilí­brio entre as essências corpóreas, entre mente e corpo.

Encontramo-nos aqui na antípoda do que o Ocidente chama de esporte, noção bem mais pró­xima das artes marciais japonesas e coreanas (Judô, Karatê, etc.), explosivas, duras, articuladas em fun­ção do desenvolvimento da potência muscular, e portanto mais afins com a excitação nervosa do esporte ocidental.

Esporte, tal como hoje o concebemos, é in­venção do Ocidente. Na Europa, entre 1840 e 1870, a palavra sport designava qualquer passa­tempo aristocrático, desde o boxe às corridas de cavalos e bailes mundanos. Na década de 70, apa­recem os primeiros clubes ''esportivos" definidos por uma atividade de exercício corporal. A partir de 1880, o termo adquire o significado moderno, passando a designar principalmente exercícios ingleses praticados ao ar livre, tais como futebol, o atletismo, rugby.

Havia toda uma doutrina pedagógica, de ins­piração inglesa, com base no movimento do espor­te. Na França do final do século, por exemplo, o esporte inglês era defendido por pedagogos e médicos como um instrumento de renovação edu­cativa — para tornar menos pesada a vigilância do docente e favorecer o desenvolvimento da esponta­neidade dos jovens — oposto à ginástica, codifica­da e controlada pelos militares. Além disso, a dou­trina esportiva inglesa oferecia bons argumentos aos temas de suposta degenerescência da raça francesa e da fadiga corporal pelo uso excessivo do cérebro, muitas vezes debatidos pela Academia de Medicina de Paris.

A modernidade ideológica de doutrina espor­tiva estava na pregação dos sentimentos de obe­diência e comando aliados ao gosto do individua­lismo e da competição. Esta última é fundamental no esporte. Em lugar de ginástica que, autoritaria­mente, regulava os movimentos do aluno, a compe­tição esportiva oferecia ao indivíduo a oportunida­de de medir suas próprias forças no livre afronta­mento dos corpos. Ao corpo dócil buscado pela ginástica, acrescentava-se a autonomia individual propiciada pela competição esportiva. Livre compe­tição empresarial do domínio económico, livre competição de corpos na esfera biológica eram prescrições que, darwinianamente, reafirmavam a luta seletiva como motor de existência. O esporte representava a via moderna de introdução dos cor­pos adolescentes na pedagogia de luta competitiva. E embora inicialmente destinados às elites (juven­tude inglesa e aristocrática dos liceus), as diferen­tes modalidades esportivas não tardaram a ser assimiladas pelas camadas populares.

O esporte consolidava, entretanto, o pensamen­to de separação entre corpo e espírito, característico, no início da Modernidade, de filósofos como Descartes e Malebranche. Estes souberam bem exprimir a concepção da natureza humana — ancora­da em Aristóteles — que comparava o corpo a uma máquina (res extensa) habitada e controlada por um espírito (res cogitans). Tal espírito nunca foi mais do que uma fantasia da razão. Em primeiro plano sempre esteve a harmonia intelectual, à qual devia submeter-se o corpo, objeto de desprezo (Pascal: "nosso corpo, esse trapo") ou objeto de um treinamento, com finalidades: progresso das qualidades físicas (ginástica), livre competição (esporte), etc. O espírito ficava do lado do sério, da cultura, enquanto o corpo se situava como o superficial, o simples jogo.

Mas cultura (paideia) e iogo (paidia) são palavras que têm em grego a mesma raiz[2]. Platão procurava em A república e em Leis estabelecer a diferença — à qual se apegariam os modernos — entre uma e outra, isto é, entre a seriedade da cultura e a superficialidade do jogo. Essa distinção, desenvolvida por Aristóteles em sua Ética, perma­nece hoje nas concepções ocidentais de cultura.

Na concepção Zenista (representativa do anti­go Oriente), o jogo não se entende, porém, como mero passatempo, nem se confunde com o ludismo, mas como um meio de contornar a rígida serie­dade na percepção do mundo, de levar à ilumina­ção individual. Esta concepção abole a dicotomia cultura/jogo, assim como a do corpo/espírito.

O jogo Zenista é uma prática de aprendizagem. Aprende se a superar os condicionamentos do ego, da consciência pessoal, através da espontaneidade de ação. O verdadeiro conhecimento se autoproduz e sempre de modo inteiramente diferente. Se no Ocidente, o ego se elabora em função de uma finalidade, de um objetivo, o Oriente Zenista pre­coniza o abandono dessa atitude preconcebida em favor de uma atenção silenciosa e descomprometida, que possibilita a apreensão, de modo sem­pre novo, do conteúdo de cada novo instante. A doutrina do esporte — fundado nos objetivos da vitória do espírito sobre o corpo, ou do corpo de um competidor sobre o do outro — está na antí­poda da concepção oriental.

A capoeira dos sofistas

No entanto, pode-se encontrar, na história do pensamento ocidental, posturas próximas das concepções orientais e, mesmo, daquelas que pre­sidem ao jogo da capoeira — é o caso dos sofistas. Veja-se, por exemplo, Gorgias, para quem a virtu­de não consiste em seguir rigidamente as normas, mas em discernir as circunstâncias próprias de um fenômeno. A excelência consistiria em perce­ber o que é oportuno e o que não é, num movi­mento que se chamaria "moral de ocasião". Esta é, ao mesmo tempo, uma moral de "inspiração": se não há normas universais, não haverá ensinamento expresso da virtude que, como a força ou como a agilidade, é um dom dos deuses. Homem excelente é o que, dotado de virtude (divina), é capaz de bem avaliar as circunstâncias.

Veja-se agora a capoeira: o mestre capoeirista negro não ensina a seu discípulo — pelo menos de maneira como a pedagogia ocidental entende o verbo ensinar, ou seja, o mestre não verbaliza nem conceitua o seu saber para doá-lo metodicamente ao aluno. Também não interroga, nem decifra. Ele inicia: cria as condições de aprendizagem, (forman­do a roda de capoeira) e assiste a elas. É um proces­so sem qualquer intelectualização, em que se busca um reflexo corporal comandado, não pelo cérebro, mas por algo indeterminado resultante dessa inicia­ção do corpo.

A capoeira negra é um jogo sem leis — logo, sem método — para que cada novo instante seja preenchido por um novo gesto. O golpe eficaz tem de ser inesperado. Embora o repertório gestual seja finito, sua combinatória é absolutamente aber­ta. O capoeirista, senhor de seu corpo, improvisa sempre e, como o artista, cria.

Na arte-jogo da capoeira, malícia (ou mandin­ga) é uma palavra-chave, por indicar com precisão a capacidade negra de contornar a ideologia ociden­tal do corpo, — expressa nas prescrições que obri­gam a um determinado uso do corpo, nas represen­tações fixas, nos hábitos adquiridos e consolida­dos — e adotar, em questão de segundos, uma ati­tude nova. Solto em seu movimento, seduzido pelo seu próprio ritmo, o corpo encontra instin­tivamente o seu caminho, a medida da ocasião ou o Kairós.

Bem antes de Gongias, Anaxarchos refletia (em seu único fragmento conhecido): "É preciso conhecer a medida da ocasião. Esta é, com efeito, a marca da sabedoria". E Gorgias, no fragmento do Discurso fúnebre, onde elogiava os guerreiros mortos por Atenas, oporia ao formalismo da forma o exame do caso particular: " (...) e exercendo as duas coisas que importam antes de mais nada, sua inteligência e sua energia, uma na deliberação, outra na ação, servos dos que sofrem injustamente, mas reprimindo os que são injustamente prósperos (...) violentos para com os violentos, moderados para com os moderados, intrépidos diante dos in­trépidos, terríveis nos casos terríveis"3.

O corpo negro

Resta saber que corpo é este que faz se reen­contrarem no jogo de combate e "vadiação" ele­mentos do pensamento sofístico com a sabedoria africana. Seria tentador afirmar que é um corpo rebelde às consequências físicas da colonização baseada numa economia exportadora-escravista. De fato, no jogo da capoeira, acha-se presente uma das singularidades da tática de combate dos negros em Palmares, a que se deu o nome de "guerra-do-mato" e que desarvorava as expedições repressivas — tática em que os negros raramente aceitavam combate, mantendo quando muito encontros rá­pidos e desconcertantes seguidos de fuga para o mato4 ou para a "capoeira". Faziam ali algo se­melhante às táticas da rainha de Matamba na guerra congolesa contra a invasão portuguesa e que provocaram de um padre comentário que po­deria ser subscrito por Lao-Tse: "A grande arte na condução da guerra consiste em evitar o inimi­go"5.

Por mais tentadora que seja, a explicação da permanência da capoeira por uma tendência à rebelião do corpo (motivada por forma ligada a um suposto substrato cultural negro-brasileiro) não se apoia no conhecimento que se tem da vi­vência das capoeiristas. O que há mesmo na capoei­ra é um envolvimento emocional, um sentimento de raiz e tradição, ausentes do esporte puro e simples. Isto permite dizer que a capoeira é mais a afirmação de um corpo orgulhoso de sua vitali­dade e ciente dos seus segredos, de sua mandinga. E foi também o caminho de afirmação de um esti­lo "individual", de uma catarse corporal, em face das desavenças ou da dança, assim como o grito, nos primórdios do jazz, identificava o negro rural norte-americano.

Avulta, assim, a hipótese de um corpo defini­do pela plasticidade necessária aos herdeiros de uma cultura em movimento de autopreservação e continuidade. O corpo do capoeirista negro ajus­ta sinergias neuromusculares com imperativos de resistência cultural. É um corpo — assim como aquele que "recebe” o orixá, estabelecendo a comunicação direta entre o sagrado e o profano — sempre aberto enquanto estrutura, capaz de incor­porar a dispositivos marciais a alegria da dança e do ritmo.

O júbilo propiciado pelo corpo — ao mesmo tempo aberto e fechado, estável e instável, firme e escorregadiço, sólido e impalpável — do capoei­rista é que faz do jogo da capoeira uma extraordi­nária diferença cultural. No instante em que se joga, em que se brinca a capoeira, os movimentos do indivíduo se libertam de qualquer causa exter­na, de qualquer justificativa racional outorgada por um Outro, possibilitando um desfrute instantâneo do real. Nesse aqui e agora do corpo, contorna-se a pretensa eternidade (metafísica) dos axiomas de realidade e faz-se aflorar o amoroso sentimento de existir. O ritmo do berimbau põe em jogo, in­tegrados, corpo e alma do negro.

(In: SODRÉ, Muniz. A verdade seduzida, 2.ed. Rio de Janeiro: Francisco Alves Editora, 1988, p. 202-214).

Notas

[1] O Código Penal de 1890 previa desterro e castigos corporais para quem praticasse a capoeira. Exemplos célebres de desterro: Manduca da Praia. Juca Reis. mandados para a Ilha de Fernando de Noronha, durante o primeiro governo republicano; de castigos cor­porais: as chicotadas aplicadas pelo famoso Major Vidigal, chefe de polícia do Rio de Janeiro, no início do século XIX.

[2] Jaeger, Werner. Paideia, Herder, p. 868.

[3] Dupréel. E. Les sophistes. Griffon, Neuchatel, 1948, p. 88. 

[4] Freitas, Décio. Palmares, a guerra dos escravos. Graal, p. 85.

[5] Ibidem, p. 86.

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Eduardo

      Wesley Correia

O coração de Eduardo parou
na Avenida Carlos Gomes.

Nós, que o observávamos, comiserados,
éramos a dimensão trágica de sua existência,
contornando como uma parabólica
as razões de seu pênis circuncidado
e tão ausente de conceito.

Nós, diante do corpo jazido,
íamos dotando de sentido a morte
e esvaziando de sentido a vida.

Eduardo nos enchia de movimento místico.
Nós o queríamos apoiar nos ombros,
obrigando-o a regressar à casa:
- Levanta, meu filho, anda,
nos exima dos ardis da ciência.

Nem carece de tanta coragem ou medo,
pois que o ímpeto e o recuo 
se processam é no justo lugar.

E crê em Deus Pai, Eduardo,
que nossas angústias são prolongáveis.

        (In: Laboratório de incertezas, p. 53-54)

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