VIGILIA DE PAI JOÃO 

 

A sombra bem sei que sou  

Daquele que aqui chegou  

 Com saúde e mocidade.  

 E assim mesmo, no infinito,  

Há de ressoar o grito  

De Pai João: Liberdade! 

 

         Mas enquanto a Liberdade  

         Não vinha, a minha saudade  

         Curtia no eito, a cantar...  

         O trabalho me fazia  

         Esquecer durante o dia  

         As noites de meu penar... 

 

No terreiro da fazenda,  

Como se fosse uma lenda,  

Bate e rebate o pilão,  

E ao som da música triste  

A gente sente que existe  

Em tudo um "quê" de emoção. 

 

           - "A Liberdade está perto!  

           Malungo, sê mais esperto,  

           Malungo, soca o pilão!  

           Estás tal qual um novato!  

           Temos trabalho de fato,  

           Malungo, força na 'mão"! 

 

E essa fala que se dava  

Quase que sempre, animava  

Aquela gente sem fé,  

Que até ao findar do dia  

Tulhas de café fazia,  

Café, café, mais café... 

 

            E ao som dos bordões sonoros  

            E dos batuques e coros  

            Da africana sinfonia,  

            Os pobres homens trocavam 

           Pelo suor que derramavam  

           A angústia de todo dia... 

 

-"Vai com força, negraria!" 

-"soca pilão!", repetia 

 O eco: - "soca pilão!"  

E Pai João derreado:  

"Este café foi regado  

co'o sangue de Pai João..." 

 

(Vigília de Pai João, 1938) 

 

 

DEDICATÓRIA 

 

Oh, negrada, destorcida!  

Que não quer não, outra vida  

Melhor que esta de chalaça,  

por entre fumo e cachaça;  

Prá você, negrada boa,  

que chamam de gente à toa,  

Alinhavei tudo isto. 

 

este livrinho - um entulho  

à sua malemolência,  

o qual falará da dor  

desta infeliz gente negra,  

gente daqui da pontinha,  

desgraçada gente minha,  

A gente do meu amor! 

 

(Negro preto cor da noite, 1936) 

ESCOLA BAMBA      

  

                        Para América 

  

        Há muito vivo na corda bamba. 
Acalmando as tripas 
e fazendo do coração um mundo de amigos. 
Deste, alguns viraram professores 
universitários. 
Outros também ficaram proletários. 
Fingindo não importar-me com o salário 
virei homem de samba. 
Sem acorde 
Ritmo 
Instrumento nenhum. 

(Cadernos Negros 23)

Incidente na raiz

 

Cuti

 

Jussara pensa que é branca. Nunca lhe disseram o contrário, nem o cartório.

No cabelo crespo deu um jeito. Produto químico e, fim! Ficou esvoaçante e submetido diariamente a uma drástica auditoria no couro cabeludo, para evitar que as raízes pusessem as manguinhas de fora. Qualquer indício, munia-se de pasta alisante, ferro e outros que tais e...

O nariz já não havia nenhuma esperança de eficácia no método de prendê-lo com pregador de roupa durante horas por dia. A prática materna não dera certo em sua infância. Pelo contrário, tinha-lhe provocado algumas contusões de vasos sanguíneos. Agora, já moça, suas narinas voavam mais livremente ao impulso da respiração. Detestava tirar fotografias frontais. Preferia de perfil, uma forma paliativa, enquanto sonhava e fazia economias para realizar operação plástica.

E os lábios? Na tentativa de esconder-lhes a carnosidade, adquirira um cacoete – já apontado por amigos e namorados (sempre brancos) – de mantê-los dentro da boca.

Sobre a pele, naturalmente bronzeada, muito creme e pó para clarear.

Lá um dia, veio alguém com a notícia do “alisamento permanente”. Era passar um produto nos cabelos uma só vez e pronto, livrava-se de ficar de olho nas raízes. Um gringo qualquer inventara a tal fórmula. Cobrava caro, mas garantia o serviço. Segundo diziam, a substância alisava a nascente dos pelos. Jussara deixou-se influenciar. Fez um sacrifício nas economias, protelou o sonho da plástica, e submeteu-se.

 

Com as queimaduras químicas na cabeça, foi internada às pressas, depois de alguns espasmos e desmaios.

Na manhã seguinte, ao abrir com dificuldade os olhos, no leito do hospital, um enfermeiro crioulo perguntou-lhe:

Tá melhor nêga?

Ela desmaiou de novo.

 

 

Texto para download

 

(In: Negros em contos, 2.ed., p. 118-119).

NO NORDESTE EXISTEM PALMARES 
 
Assim dizia um viajante antigo: 
—Palmeiras, símbolos de paz e sossego. 
 
No Nordeste, palmeiras resistem. 
Brotam de concretos, casebres, barracos. 
A natureza mostra força e poesia. 
À noite, leves brisas amenizam passadas febres. 
 

       As palmeiras abundavam no antigo quilombo. 
E não foram transplantadas para o Nordeste. 
Aqui, junto ao mar de Amaralina, 
Novos palmares também crescem, 
Arejando cabeças trançadas, 
Trazendo novas verdades. 
 
Palmeiras são símbolos de paz e sossego.. 

CADERNOS NEGROS.   Volume 23.   Poemas Afro-Brasileiros.