Texto 8
Não sou eu que gosto de nascer
Eles é que me botam pra nascer todo dia
E sempre que eu morro me ressuscitam
Me encarnam me desencarnam me reencarnam
Me formam em menos de um segundo
Se eu sumir desaparecer eles me procuram onde eu estiver
Pra estar olhando pro gás pras paredes pro teto
Ou pra cabeça deles e pro corpo deles
(Reino dos bichos e dos animais é o meu nome, 2001, p. 79).

Glissando no abismo


Os que só provaram viagens de desenraizamentos
os que se tornaram flexíveis nos ajoelhamentios
(Aime Césaire)

 

o abismo
matriz de toda escuridão
negrume urdido no ventre
de barcas abertas
aos designios do céu
e do insondável
mar.

o horror
de mortos empilhados
em espago exíguo.
o fedor
o vômito
a doença
a degenerescência
o apocalipse sem fim.

 

o dilacerar
de corpos e mentes
o salgar do espírito
em violência extrema
seres arrancados da terra
pela raiz
a ressecar pelo trajeto
marítimo.


mas isso ainda não é tudo.


a fenda abissal
continua a alimentar
o inconsciente de todos
a se espraiar pela imensidão
do presente
e de seus futuros imaginados.
velas que se desfraldam
insuspeitas
impulsionadas pelo vento branco
do abismo

 

(Negrura, 2022)

Alvejados

 

balas

desviam-se

lábeis

perdidas

adestradas

elegem

hábeis

certeiras

como só elas

alvos

que passam

com passos

e peles

que não são

alvas

 

(Negrura, 2022).

 

Calundú

 

eu não falo inglês
língua de bárbaros
sem esperança.

nem esperanto
língua sem alma
impossível ao canto.

me vingo toda noite
sonhando
em língua ancestral
banto.

 

(Negrura, 2022).

 

Coffea arábica

 

passar todas as manhãs

no coador branco

da memória

o pó eurocêntrico

da história.

escoar o líquido negro

e inalar aquele aroma

de mouros

insurgentes.

 

(Negrura, 2022)

 

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