A ideia é que a gente consiga profissionalizar cada vez mais a área”, afirma coordenadora do curso


O dia 20 de novembro de 2018 marcou a aprovação, pelo Conselho Universitário da Universidade Federal de Minas Gerais (UFMG), da criação do curso de Letras-Libras: “Conseguimos que a Congregação da Fale aprovasse esse novo curso, que é voltado para uma minoria linguística brasileira, pois são pessoas que não têm o Português como a língua primária”, afirma a professora Giselli Mara.

Giselli é uma das responsáveis pela iniciativa, juntamente com Elidéa Bernardino, professora do Núcleo de Libras e coordenadora do  Núcleo de Estudos sobre Libras, Surdez e Bilinguismo (NELiS); Guilherme Lourenço, professor assistente da Fale e Doutor em Linguística Teórica e Descritiva; Michelle Murta, doutoranda em Linguística Teórica e Descritiva e atua como professora assistente; Rosana Passos, professora da Fale na área da Libras e doutora em Linguística Teórica e Descritiva.

De acordo com Giselli, que  ocupa o cargo de coordenadora do Colegiado do curso de Letras-Libras da Faculdade de Letras (Fale), a origem  da relação diferenciada que a comunidade de surdos constrói com a Língua Portuguesa se dá no momento que os deficientes auditivos usam o Português apenas para ler e escrever, o que os leva a enxergar, na Língua Brasileira de Sinais (Libras), um símbolo cultural: “Para essas pessoas, o termo ‘surdo’ não tem um sentido pejorativo. Pelo contrário, ser ‘surdo’ ou ‘surda’ é fazer parte de uma comunidade e fazer uso da Língua de Sinais”, explica.

O fato de serem uma minoria é apenas uma das razões para a criação de um novo curso. Desde o decreto 5626/2005, que estabelece diferentes estratégias para assegurar o reconhecimento da Libras como uma Língua no Brasil, a demanda de professores para a área aumentou. Essa necessidade social é reiterada pelos dados que embasam o Projeto Pedagógico de Curso: Licenciatura Especial em Letras-Libras, que indicam o aumento do número de estudantes das disciplinas da área de Libras desde 2010 – primeiro ano em que Fundamentos de Libras online foi ofertada na Fale. Em 2015, a Faculdade recebeu mais de 4.000 pedidos para cursar essa disciplina e, no primeiro semestre do ano seguinte, 2.345 pessoas demonstraram o mesmo interesse.  Atualmente, 1.050 alunos, de todas as áreas do conhecimento na UFMG, participam das atividades online e, na modalidade presencial, o curso conta com 35 estudantes, em sua maioria da Fale.

“Uma das motivações para a criação do curso é a UFMG ter recebido um documento oficial da Secretaria de Estado da Educação (SEE), pedindo que fosse oferecido o curso de formação em Libras”, relata Giselli, referindo-se ao Ofício enviado em dezembro de 2015. As conversas que deram origem a esse Curso de Licenciatura Letras-Libras iniciaram-se em 2016 e, já naquela época, os envolvidos entenderam que era necessário um curso que fosse separado das outras licenciaturas e voltado somente para a formação de docentes da Libras. Em consonância com essa visão, decidiu-se que o processo seletivo também será voltado para a comunidade surda e, por isso, a seleção será composta por duas provas, em Português e em Libras, uma preocupação com a diferença linguística.

A garantia da coexistência das duas línguas em uma prova de vestibular é uma das estratégias necessárias para que a acessibilidade e a inclusão sejam socialmente instauradas. Giselli Mara aponta para outro aspecto que reforça a exclusão da comunidade surda ao informar que “existem mais de 200 comunidades linguísticas no Brasil, mas aqui nós temos o chamado ‘mito mono-linguístico’, que é achar que todos falam Português. Isso é um equívoco muito grande”.

Expressão oficial da comunidade surda

No dia 24 de abril de 2002, através da Lei nº 10.436, a Libras ganhou reconhecimento como “meio legal de comunicação e expressão oficial da comunidade surda”, assim caracterizada no Projeto Pedagógico. A partir do decreto 5.626 do ano de 2005, essa lei é regulamentada e oficializa-se a exigência da garantia do direito à educação das pessoas surdas. Esse decreto traz à tona exigências como a inclusão da Libras como disciplina curricular nos cursos de formação de Licenciatura e de Fonoaudiologia, além da formação de docentes para o ensino da Língua de Sinais nas séries finais do ensino fundamental e nos ensinos médio e superior.

Giselli ainda pontua que a demanda gerada por esse decreto, que prevê a criação de cursos de Letras-Libras, em conjunto com a alta concentração de surdos na Região Sudeste, reforçam a necessidade da existência de uma graduação separada para essa comunidade. Essa estrutura curricular e pedagógica gera um ambiente mais inclusivo para os 1.001.344 pessoas com deficiência auditiva em Minas Gerais, um número constatado pelo Censo do Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE) em 2010. Esse número é o equivalente a 5,11% da população, composta por 1,2% que apresentam surdez grave ou severa.

As estatísticas apresentadas, quando comparadas com a infraestrutura educacional e oferta de professores especializados, ilustram um cenário que ainda conta com a falta de acessibilidade, apesar dos avanços evidentes em relação à criação dos cursos de Letras-Libras. Especificamente em Minas Gerais, apenas uma turma finalizou a graduação do Centro Federal de Educação Tecnológica de Minas Gerais (Cefet – MG) em 2012.

Com o objetivo de contribuir para a mudança desse cenário e reforçar o lugar da Libras como a primeira língua das pessoas surdas, o curso na Fale foi estruturado para abrigar disciplinas que podem ser lecionadas em Libras, mas também por professores que não são fluentes na Língua de Sinais, que contarão com o apoio de intérpretes do Núcleo de Acessibilidade e Inclusão (NAI), durante as aulas.

A expectativa da equipe que criou o curso Letras-Libras é que sejam formados professores surdos e ouvintes, que irão lecionar para ambas as comunidades linguísticas, atuando tanto nas escolas especiais quanto nas comuns com inclusão de deficientes auditivos. Esses profissionais enxergarão, na comunidade surda, a heterogeneidade de “representações culturais e identitárias”, conforme consta no Projeto Pedagógico.

Giselli afirma que “a ideia é que, a longo prazo, a gente consiga profissionalizar cada vez mais a área. Esperamos que esses profissionais possam ir se formando em Letras-Libras e conquistando os espaços através de concursos do Estado e da Prefeitura”.

 

Clara Bernardes

Jornalista e estudante do curso de Letras na UFMG


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PÓS-GRADUAÇÃO