A CANDACE DE MÉROE

 

                                   Henrique Marques Samyn

 

Observa os seus soldados sobre a areia

           – brilha ao sol a pele negra:

altiva, sobre um enorme elefante,

           espera por Alexandre.

Jamais virá: isso sabe a Candace,

           mas o aguarda. Eis que lhe apraz

saber-se a senhora da extensa terra.

           Ei-la: austera, negra, bela,

a contemplar as fileiras impávidas

           dispostas na areia cálida.

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A voz ressoa, grave e altissonante

           – nunca a ouvirá Alexandre:

 

Mais puras são as nossas almas,

           em nada iguais às vossas, alvas.”

 

       (In: Estudos sobre temas antigos, 2013, p. 36)

 

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ADÔNIS

 

             Henrique Marques Samyn

 

Aqueles aos quais Câmbises

enviou os seus presentes:

            os etíopes, mais altos

            e mais belos entre os homens

 

Heródoto escreveu.

 

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Fosses negro como eles, Adônis,

quão mais te desejaria Afrodite?

 

     (Estudos sobre temas antigos, 2013, p. 61)

 

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IV. DA MÁSCARA: OS PROPÓSITOS

 

                                       Henrique Marques Samyn

 

O primeiro propósito da máscara

(segundo diz o branco, sempre cínico)

escapa ao ordinário, porque tácito,

assim como ao geral, porque específico:

 

propósito moral: tolher o vício

que (diz o branco) nos escravizados

é quase inevitável, porque típico

(do negro é próprio o ser degenerado);

 

propósito segundo: o suicídio

conter, não permitindo o comer terra

qual fazem os monjolos. Que orifícios

existam – mas seja a medida certa.

 

Da máscara são vários os propósitos;

forjaram-na com ferro, estanho e ódio.

 

(Anastácia e a máscara: sete variações. In: Revista Piauí 197, 2023, p. 70)

 

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I. DE ANASTÁCIA: A SANTA

 

                                       Henrique Marques Samyn

 

Afirma a tradição que era rainha

ou que era uma princesa escravizada

(aquela que este povo em ladainhas

evoca): a negra santa imaginada

 

que as brancas em beleza superava

assim como as sinhás, pela nobreza;

a que nenhum castigo ou chibatada

jamais assujeitou; a que estas rezas

 

um dia atenderá – ao menos isso

é o que esta gente espera, a cada dia

(pois dizem que a fé de um povo oprimido

todo poder supera). Se heresia

 

a igreja o considera, o povo canta:

Será sempre Anastácia a nossa santa.”

 

(Anastácia e a máscara: sete variações. In: Revista Piauí 197, 2023, p. 70)

 

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NA FINAL DE 50

 

                       Henrique Marques Samyn

 

Barbosa, cabisbaixo, se levanta

e segue, a passos lentos, rumo à meta.

 

Caminha. Numa solidão de asceta,

não vê o mundo em volta. Só a bola

 

que, morta, jaz na rede, entorpecida.

Barbosa se levanta. Não vê nada,

 

mas ouve a multidão emudecida.

 

    (In: Poemário do desterro, 2005, p. 31)

 

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