na praça may ayim

sampleando audre lorde

 

porque temos medo cerramos as próprias
mãos porque temos medo arrancamos
os molares porque temos medo
martelamos os joelhos porque
temos medo botamos fogo nos nossos
cabelos porque temos medo atiramos os
ossinhos do tornozelo no canal porque
temos medo os dedos quebrados são justos
porque temos medo cortamos línguas
unhas orelhas, o caminho.
tiramos raspas de pele dos cotovelos
testamos a faca na jugular
plantamos uma granada debaixo da cama enfiamos
a arma do crime no queixo
porque temos medo.
cortamos a energia desligamos os resistores
porque temos medo o sol se deita
amanhã e depois porque temos medo
temos ferramentas  temos o que cerrar arrancar
martelar temos o que incendiar o que jogar
fora o que cortar porque temos medo
sabemos cuspir enganar trair porque temos medo
porque temos medo
dormimos tranquilas.
porque temos medo
somos também muito elegantes muito obrigada.

 

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Oito nomes depois do seu

Oito nomes depois do seu. poeira atrás de poeira.
sim, fiquei aqui.
presa no cubo mágico, esperando
as autoridades chegaram logo com reforços
alguém que enumerasse as cores
qualquer um
que soubesse o algoritmo de deus.
movimentos fáceis, pré-ordenados.
em pouco tempo tudo se organizaria
na minha cabeça
ou tanto faz
foda-se
alguém me tira daqui. 

Que resolvessem o enigma de uma vez.
dedos quase dóceis, mãos de fada.
me visitando todas as faces.
depois, me beijariam na boca.
até que finalmente me fariam esquecer
seu cabelo brigando contra o sol
crespo e invencível
seu casado brigando contra o sol
cheiro de musgo. suor.
aquela música que você fez pra mim.
qual a matemática. que solução.
se continuo bebendo feito uma raposa,
vivendo com gente que ri de Babel.
Oito nomes depois do seu. poeira atrás de poeira.
sono após sono, cruel.

       (In: Nossos poemas conjuram e gritam, p. 43)
 

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TAREFAS

às articulações – 50 polichinelos diários.
aos namorados – jogar sujo comigo.
às crianças – afastar a peste.
a deus – permanecer calado.
aos números – esperar que convenham.
aos dias – repetir a sequência.

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Preparo para a arena

 te ensinaria a correr os meus peitos como eles gostam de
                                                   [ser corridos.

me faria didática. abriria uma exceção.
te mostraria como meus cabelos precisam ser agarrados.
seria paciente, desperdiçaria meu tempo.
te guiaria enquanto você se perde sem perceber.
você é um toureiro
                          você vacilou por um segundo
não escapou.


: e nós sabemos o que acontece aos distraídos.
agora é aceitar o chifre atravessar a sua mão violentamente.
o que te resta é acolher o gosto metálico na boca
salivar bem.
o bicho te escolheu dessa vez.
lamba o sangue, chupe os dedos.
não me chame de amor.

                      (In: Nossos poemas conjuram e gritam, p. 44)

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Corpo

Meu corpo é um campo de solo revolto
sob pés guiados por tambores.
Meu corpo é um campo aberto,
arena de muitas disputas.

Meu corpo é um campo sagrado
habitado por ritmos
de vida e de morte.

Meu corpo é um campo marcado
pelo movimento das águas
pela força dos ventos.

Meu corpo é um campo de silenciosas batalhas
atravessado por rios sinuosos
alimentado por incontidas raízes.

Meu corpo é um campo ocupado
por séculos de rebeldia
por cantos de liberdade.

                                                   (Nós, p. 34)