O MANICÔMIO TAMBÉM É UM QUARTO DE DESPEJO
A recepção da poética de Stella do Patrocínio a partir de uma abordagem antimanicomial

 

Lara Carvalho Cipriano*

Você está me comendo tanto com os olhos
Que eu já não tenho de onde tirar força
Pra te alimentar.

Stella do Patrocínio

 

Acaba de ser publicada a pesquisa de Anna Zacharias sobre Stella do Patrocínio (1941-1992), a poeta que não escreveu poesia, mas que fez reverberar os seus “falatórios”. Segundo Zacharias, Stella foi internada involuntariamente, em decorrência de sua situação vulnerável, em um manicômio, e permaneceu institucionalizada até o fim de sua vida. A internação involuntária é um dos pontos que aproxima Stella de outra escritora, Maura Lopes Cançado, que publicou Hospício é Deus, livro reeditado recentemente e que foi produzido enquanto Cançado estava institucionalizada.

Desde que Stella foi internada, ela passou por várias mudanças institucionais: esteve na Colônia Juliano Moreira onde conviveu com o prestigiado artista Arthur Bispo do Rosário (Zacharias, 2024, p. 25). Conforme assinala Zacharias, algumas décadas antes, o compositor Ernesto Nazareth também esteve internado na mesma instituição.

Tudo indica que a internação de Stella foi arbitrária. De acordo com o testemunho, presente em seu livro de poemas Reino dos bichos e dos animais é o meu nome (2001), organizado por Viviane Mosé, ela foi “agarrada de repente andando na rua” (p. 129). E mais: “me adoeceram, me internaram no hospital e me deixaram” (p. 51); “estar internada é ficar todo dia presa” (p. 55). Há uma crença de que Stella era uma mulher saudável e de que teria adoecido em função de sua internação, conforme se lê a seguir:

Você passa muito mal aqui?

Passo mal porque eu tomo constantemente injeções (...)

E para que servem essas injeções?

Para forçar a ser doente mental. (...)

No dia que você parar de tomar essas injeções, você fica curada?

Fico completamente curada se eu não tomar remédio, não tomar injeção, não tomar eletrochoque. Eu fico carregada de veneno, envenenada (Mosé, 2021, p. 149-150).

Essas entrevistas, feitas pela equipe de psicologia que atendiam Stella, foram gravadas e compiladas, tendo em vista que nelas (nos falatórios) percebiam-se muitos elementos de escrita poética (p. 133), o que deu origem ao citado livro organizado por Viviane Mosé. Sem essa mediação de Mosé com o mercado editorial, dificilmente ela, inserida neste recorte social – negra, pobre e considerada louca – teria sido publicada e lida, como vem ocorrendo hoje.

Nesse sentido, Zacharias explora a semelhança entre Patrocínio e Carolina de Jesus e o modo de inserção das duas escritoras no mercado editorial. Como se sabe, Carolina também contou com a mediação do jornalista Audálio Dantas para publicar seu livro: “assim como Mosé, Dantas tornou-se uma espécie de coautor do livro para que a figura literária De Jesus nascesse” (2024, p. 159).

Essa dinâmica de coautoria, sendo interracial, sugere uma dependência, como se Stella do Patrocínio e Carolina Maria de Jesus não fossem sujeitos com poder de autorrepresentação. Uma afirmação marcante nesse sentido, retirada de Reino dos bichos, é a seguinte: “eu sou uma nega, preta e crioula que a Ana me disse” (Ibid. p. 175). Essa passagem indicaria que Stella se autorrepresenta sob o reconhecimento do Outro: no caso, Ana:

Podemos, portanto, estabelecer algum parentesco entre Stella do Patrocínio e Carolina Maria de Jesus, escritoras que produziram conteúdos críticos sobre a favela e sobre o manicômio, dois espaços destinados em grande medida às populações femininas, pobres e negras desse país, visto que essas são a maioria neles. Além disso, a inserção das duas no mercado editorial não chegou a lhes conferir autoridade no domínio literário – vide o modo como foram apresentadas por Dantas e Mosé (Zacharias, 20224. p. 165).

Como se pode ler, o manicômio também é um quarto de despejo. A origem da favela, assim como a do manicômio, está relacionada a um modelo de exclusão social, pois ambos os espaços carecem de condições necessárias à vida. Outro ponto que merece destaque é que a Colônia Juliano Moreira foi afetada por problemas de distribuição de água, de modo que Stella do Patrocínio e outras internas precisavam carregar latas para buscar água (p. 24). Em Quarto de despejo (1961), é possível visualizar um cenário semelhante: a dificuldade de acesso a esse bem fundamental surge mais de uma vez:

Deixei o leito, fui buscar água (...); quando o astro-rei começou despontar eu fui buscar água (...); levantei cinco horas para ir buscar água (...); fui buscar água para pôr os ossos ferver (...); já faz seis meses que eu não pago a água. 25 cruzeiros por mês. E por falar na água, o que eu não gosto e tenho pavor é de ir buscar água (...) (De Jesus, 1961).

Com isso, nota-se que a escrita de Carolina de Jesus e a de Stella do Patrocínio emergiram de um contexto insalubre, revelando que, mesmo nessas condições, as escritoras possuíam uma percepção sensível da realidade em que estavam inseridas, mais uma razão para lutar contra a exclusão de acesso a bens básicos por pessoas que vivem à margem.

Carolina de Jesus só frequentou a escola por dois anos, o que é um motivo de queixa constante da autora. Stella do Patrocínio evidencia o mesmo problema, afirmando que:

Eu não tinha formação, não tinha formatura, não tinha onde fazer cabeça (...) Eu não tinha onde fazer nada dessas coisas, fazer cabeça, pensar em alguma coisa, ser útil, inteligente, ser raciocínio, não tinha onde tirar nada disso. Eu era espaço vazio puro (Do Patrocínio, 2011, p. 82).

Por isso, acreditamos que a mediação feita por Mosé e Dantas entre do Patrocínio, Carolina de Jesus e o público atribui uma complexidade à recepção da obra dessas autoras. Levando isso em consideração, a pesquisa de Zacharias questiona o movimento que aproxima a arte produzida fora de contextos normativos de espaços artísticos, visto que isso implica uma adaptação dessas produções aos espaços de circulação das obras.

A esse respeito, uma das discussões em voga acerca da literatura caroliniana refere-se à adequação, feita por Audálio Dantas, do seu texto à norma-padrão. Por outro lado, as edições atuais da obra de Carolina, feitas pela sua filha Vera Eunice e por Conceição Evaristo, publicam os seus escritos da forma como se encontram nos manuscritos.

No caso de Stella do Patrocínio, a partir de um trabalho de comparação entre Reino dos bichos e dos animais é o meu nome e os materiais originais, Zacharias identifica tais elementos quando Mosé suprime ou insere algum recurso ao “falatório” da autora (p. 213). Nesse exercício, a pesquisadora identificou que Mosé atribuiu a Patrocínio uma fala de outra paciente: “nasci louca, meus pais queriam que eu fosse louca, os normais tinham inveja de mim que era louca” (p. 148). Essa fala, aliás, vai de encontro à afirmativa que Stella tanto enfatiza, de que era saudável e foi “adoecida”.

Essa comparação resultou em uma nova transcrição que considera modulações sonoras e nuances vocais (2024, p. 212-213), visando aproximar a escrita da autora da oralidade. Apesar disso, Zacharias sugere que a produção de Patrocínio não seja acessada apenas por meio da leitura, mas também por meio da escuta das gravações que originaram o seu livro de poesia. Ouvir Stella do Patrocínio é um “meio importante para retirar de nossas ações um ímpeto representativo e mediador” (p. 206). Isso atribui à escuta da sua "garganta de carne" (expressão de Sara Ramos citada por Zacharias, p. 200) um impacto único que não pode ser substituído. Nessa perspectiva, “não há meios de associar Stella do Patrocínio a estéticas da loucura, à arte bruta1, ao delírio que nada comunica se ouvirmos o Falatório e se considerarmos em que contexto ele está situado” (p. 206).

Vale dizer ainda que as gravações das falas de Stella do Patrocínio foram expostas na Bienal de São Paulo2 em 2023. Tal fato reforça a ideia de que o teor artístico da produção da autora dispensa a sua organização em forma de texto para ser apreendido, ainda que essa organização possa ser facilitadora desse processo. O mesmo procedimento pode ser notado nas musicalizações feitas da poesia de Stella, seja na peça extasiante de Georgette Fadel e Lincoln Antonio3 ou na canção de Linn da Quebrada4.

Além de produzir uma nova transcrição dos áudios de Stella, outro feito importante da pesquisa de Zacharias foi a reunião das certidões de nascimento dos familiares da poeta, anexadas ao livro, a fim de reconstruir a sua árvore genealógica. Esse cuidado vai ao encontro da práxis do Movimento de Luta Antimanicomial, que consiste também no esforço de reverter um processo massivo de apagamentos das histórias de pessoas institucionalizadas em manicômios (p. 27). Dito de outro modo, essa iniciativa de Zacharias é uma tentativa de fazer justiça à Stella do Patrocínio que, como muitas poetas negras, viveu em condições que desafiam o limite da existência, uma vez que a autora sofreu e sentiu as agruras do racismo.

______________________________________________________________________________

Notas

1. "Arte bruta" é um termo cunhado por Jean Dubuffet. Ele reuniu obras produzidas por pacientes institucionalizados, obras essas que constituem o acervo do Museu de Arte Bruta de Lausanne. Esse museu conta com cerca de cinco mil obras que viajaram o mundo por meio de exposições, incluindo trabalhos feitos por brasileiros, como Antonio Roseno de Lima. O acervo encontra-se disponível para consulta online. Ver: https://www.artbrut.ch/fr_CH/auteurs/la-collection-de-l-art-brut Acesso em 9/11/2024.

2. Vale dizer que a exposição de trabalhos feitos por "pacientes-artistas” não é uma exceção na Bienal. Nessa mesma edição, de 2023, também foram expostos os trabalhos de Aurora Cursino dos Santos, resultantes das oficinas de pintura frequentadas por ela no Hospital de Juquery, e os mantos do já consagrado Arthur Bispo do Rosário. Edições mais antigas da Bienal, como a de 1951, já contavam com artistas como Albino Braz.

3. Ver: Entrevista com Stella do Patrocínio. Acesso em 9/11/2024.

4. Ver: Linn da Quebrada - medrosa - ode à Stella do Patrocínio. Acesso em 9/11/2024.

 

Referências

JESUS. Carolina Maria de. Quarto de Despejo. Rio de Janeiro: Francisco Alves, 1963.

PATROCÍNIO, Stella do. Reino dos bichos e dos animais é o meu nome. Rio de Janeiro: Azougue Editorial, 2001.

ZACHARIAS, Anna. Stella do Patrocínio ou o retorno de quem sempre esteve aqui. Rio de Janeiro: Telha, 2024.

__________________________

* Lara Carvalho Cipriano é bacharel, mestre e doutoranda em Filosofia na UFMG. Além disso, é graduada em Psicologia na PUC-MG e mantém consultório privado de psicanálise. É integrante do NEIA – Núcleo de Estudos Interdisciplinares da Alteridade e colaboradora do literafro – Portal da literatura afro-brasileira.


Texto para download

O presente do velho 


Estava escuro o velho me acordou. Sentia a brisa morna que vinha da fresta na parede e roçava meus tornozelos.

─ Acorda! ─ ele disse. ─ Vamos dar uma caminhada ─ e antes que eu me levantasse, calçou-me com suas botas que há tempos usava. Até aquele momento, eu andava muito de pés descalços. Desconhecia qualquer calçado. Que diferença elas fariam? Botas de solado gasto e bico furado. Quando as coloquei, meus pés se perderam no interior de tão grande a grande diferença de tamanho. O cano delas chegou ao meu joelho.

Não lembro há quanto tempo caminhávamos. O silêncio que nos acompanhava, multiplicou a distância que percorríamos. Enquanto meus sentidos vasculhavam os campos, árvores e todo animal que aparecia, as visões davam-me um prazer noticioso. O velho caminhava de cabeça sempre voltada para frente como um bom cavalo carroceiro.

Morávamos num lugar onde nossos vizinhos eram os campos, árvores, e nossos ladrões: raposas e guaraxains. Hoje essas lembranças são embaçadas, iguais as que eu tinha da cidade, por serem raras as vezes que fui conhecê-la. Ainda assim, era sempre no mesmo lugar.

Sentia no meu pé uma ardência. Em cima dos dedos queimava como se houvesse fogo. As botas roçavam tanto, devido à imensa folga, que arrancavam minha pele. Nada disse para ele, apenas acelerei algumas passadas à frente e me sentei num cupinzeiro. Tirei a bota do pé esquerdo, estava com os dedos e o calcanhar em carne viva. Nem tirei a do pé direito.

─ Coloca isso! ─ ele me disse. Cruzou por mim e, sem voltar-se para trás, gritou:

─ Coloca de volta! Deixa de besteira! ─ e caminhava. O sol refletia o suor na sua pele negra e enrugada.

Ele se distanciava. Recoloquei as botas e saí correndo. Uma tortura foi o seu presente. Melhor não ter me dado nada, como sempre fez. Na primeira oportunidade, jamais recolocaria aquelas botas ou qualquer outro calçado que me dessem.

Chegamos numa encruzilhada. O velho olhou para o sol, depois, sentou-se num barranco. Sentei ao seu lado. Queria perguntar o que estávamos fazendo ali. Não tinha coragem para tanto. Hoje, dou exemplo da mais pura falta de intimidade entre duas pessoas. Ficamos sentados naquele barranco por um longo tempo.

Passaram peões. Tocavam bezerros desgarrados. Lagartos atravessaram a rua empoeirada. O dia tornava-se menos quente. Aproximava-se uma estranha condução. Deslocava-se sem ajuda de cavalos e seu ronco fez os pássaros voarem das árvores. Foi a coisa mais estranha e fascinante que vi. Conhecia o automóvel, ainda eram raros e muitos homens tinham mais fé no cavalo. Mas não demorariam a tomar as cidades algum tempo depois. O velho se ergueu, ajeitou a bombacha e cruzou os braços em sua típica postura de espera. Eu apenas o imitei, como sempre fazia em tudo. À medida que o veículo se aproximava, tinha curiosidade ainda maior de saber quem esperávamos. A condução parou a alguns metros. O homem de casaca, calça e sapatos pretos, desceu. Tive vontade de rir de seu bigode retorcido. Ele ficou ao lado da carroça, próximo do condutor: um velho de lábios encobertos pela barba acinzentada. Era um rosto que, além das roupas, desconhecia. Havia uma grande diferença de todos os outros homens que havia visto. O velho me pegou pelo braço e me levou até o homem. Não se cumprimentaram, mas o velho amoleceu através do olhar úmido e num leve sorriso desajeitado.

─ É um bom negrinho ─ e me empurrou. ─ O senhor vai gostar dele. O homem mandou que eu entrasse. Entrei no automóvel. No seu interior, havia uma mulher de rosto delicado e pele amorenada. Ela usava um vestido branco detalhado em bordados cor-de-rosa. Seus olhos eram castanho-claros. O homem subiu, fiquei entre os dois. O veículo movimentou-se, fez o retorno. Mal pude me virar para ver o velho. Ele sentou-se outra vez no barranco. Vi desaparecer sua imagem enquanto as árvores passavam. Os galhos balançavam-se como braços que se despediam ao vento.

A mulher me olhava como se houvesse descoberto algo gracioso. Olhou para meus pés e pediu que eu tirasse as botas. Tiramos ambas com sua ajuda. Ela agarrou meus pés.

─ Pobre criança! ─ ela disse. ─ Não devia tê-lo deixado ─ e atirou as botas no campo.

Olhei para aquele par de botas velhas que jaziam na grama até minha visão perdê-la coma distância. Fiquei observando os meus dedos esfolados como única recordação de um estranho presente.

(Guerrilha e Solidão, p. 83 – 85)

Texto para download. 

 

Parte da crônica

Contem, costas D´África,
a história do que eram
 
nas florestas e savanas
pássaros num céu
azul sem obstáculos...
 
- É a história dos que tinham
o direito de ter
seu ninho, seu bando e horizontes
para suas asas de ébano.
 
Conta, Oceano Atlântico,
a história dos traídos
a história dos que partiram
em navios de jamais...
 
- Arrepios de frio?
vestes de chibata.
Sede e muita fome?
quando chegar come.
E grilhões nos pés
para não andar
para não nadar
para não voltar.
E algema nas mãos
para não erguer
para não dizer
adeus.
 
Conta Oceano Atlântico,
a história dos roubados
a história dos que foram
em barcos de não mais...
 
- Negro no porão
branco no convés.
Branco no porão
de chicote na mão.
E negro no convés
(a morte
a doença
a peste)
para descer ao âmago das águas
do mar que lava e acolhe
qual uma placenta.
 
Conta, Oceano Atlântico,
a história dos que sem-onde
num sem-fim balanço
de mar sem-mais-fim...
 
- É a história dos que sem-bússula
dos que sem-sol-nascente
dos que sem-uma-estrela.
É a história dos que só-noite
como sua pele noturna.
 
Conta, Mississipi,
rio de terra má,
Tudo que sabes dos desamparados...
 
- Ao balanço do barco
sonhavam estar embalados
no seio de Deus
e de olhar espichado
a deslizar em minhas águas longas
entoavam cantos compridos
como um rio sem fim.
 
Contem, cais de porto, logradouros,
a história dos vendidos...
 
- Escravo forte e são
para todo trabalho de mão.
- Escrava preta-tição
para acender patrão.
- Preto velho de muita ciência
conhece lavoura e doença.
- Esta, hábil e maternal,
para mãe-preta ou cozinhar.
 
Contem, lavouras ianques
antilhanas
brasileiras,
a história dos rurais...
 
- Ninguém se lembrou de que
poderiam manchar o algodão
com sua presença escura.
Que poderiam sujar o açúcar
estragá-lo
com sua vida amarga.
Ou corromper o verde milharal
com seu viver sem esperança.
Isto porque suas mãos
eram um ouro áureo de carvão.

  

(obra reunida, p. 245).

Poema Sobre Palmares

Nos pés tenho ainda correntes,
nas mãos ainda levo algemas
e no pescoço gargalheira,
na alma um pouco de banzo
mas antes que ele me tome,
quebro tudo, me sumo na noite
da cor de minha pele,
me embrenho no mato
dos pelos do corpo,
nado no rio longo
do sangue,
vôo nas asas negras
da alma,
regrido na floresta
dos séculos,
encontro meus irmãos,
é Palmar,
estou salvo!
 
Uma lança caneta-tinteiro
escreveu liberdade no céu,
riachos e palmeiras,
matos e montanhas,
e se espalhou no ar uma aura boa,
sono de leves pálpebras,
sonho de grandes asas, fofas plumas.
Palmar!
e um brado irrompeu, honra e brio,
nosso brado maior, nobre e digno,
irrompeu
do mais fundo subterrâneo,
violência de lavas escuras
transbordando libertas!
 
Zumbi – nome gravado
A lança
nos contrafortes da serra,
a sangue
nos contrafortes da história
a fibra
na alma forte dos negros!
 
Palmar!
palmeiras de sentinela
guarnecendo a memória dos teus
bravos!
 
Palmar!
arranquem todas as palmeiras
e mais se encravará
a raiz da memória,
quebrem os contrafortes
e não se abalará
tua glória,
queimem a história toda
e verão que és eterno!

[...]

 

(obra reunida, p.109).

Encontrei minhas origens

Encontrei minhas origens
em velhos arquivos
....... livros
encontrei
em malditos objetos
troncos e grilhetas
encontrei minhas origens
no leste
no mar em imundos tumbeiros
encontrei
em doces palavras
...... cantos
em furiosos tambores
....... ritos
encontrei minhas origens
na cor de minha pele
nos lanhos de minha alma
em mim
em minha gente escura
em meus heróis altivos
encontrei
encontrei-as enfim
me encontrei

 

(p. 136.)