Sem algemas?

 

Dictinha, escute uma história

Muito nossa: antigamente

Não faz muito tempo ainda,

Foi escrava a negra gente;

Os mais pesados castigos

Lhe deram impunemente.

 

Mas um dia a realeza

De nossa sorte condoída,

Cujo crime consistia

Em ter pele enegrecida,

A liberdade nos deu;

Belo gesto, não, querida?

O que depois ocorrera,

É de ontem, por que falar?

Mas, eu ainda, Dictinha,

Preciso me libertar

Do penoso cativeiro,

Em que me trás seu olhar.

(Dictinha, 1938)

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DEDICATÓRIA 

 

Oh, negrada, destorcida!  

Que não quer não, outra vida  

Melhor que esta de chalaça,  

por entre fumo e cachaça;  

Prá você, negrada boa,  

que chamam de gente à toa,  

Alinhavei tudo isto. 

 

este livrinho - um entulho  

à sua malemolência,  

o qual falará da dor  

desta infeliz gente negra,  

gente daqui da pontinha,  

desgraçada gente minha,  

A gente do meu amor! 

 

(Negro preto cor da noite, 1936) 

Negrinha

 

Li um conto de Lobato

Que muito me entristeceu...

Negrinha, remanescente

Da era triste em que viveu

A pátria amada, que nunca

Um carinho mereceu

 

Via com notada inveja,

A criançada que brincava,

E se lhe dava por troça

Um boneco, o segurava

Com certo medo, e com o espanto

Nos grandes olhos o olhava.

 

Esse conto tem um pouco

Do viver desventuroso

Meu. Deus é pai, porém, quando

Num abraço afetuso

Prendo a Dictinha, duvido,

Que seja tão generoso!...

(Dictinha, 1938)

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Dictinha

 

Penso que talvez ignores,

Singela e meiga Dictinha,

Que desta localidade

És a mais bela pretinha:

Se não fosse profanar-te,

Chamar-te-ia... francesinha!

 

Então, quando vais à reza

Com teu vestido de cassa,

Não há mesmo quem não fale,

Orgulho da minha raça:

– Olha que preta bonita

E que andar cheio de graça!...

 

Se as vezes sorrio, a esmo,

Não me tomes por caduco.

Com teu vulto nos meus olhos,

Ando como aquele turco

Que, doloroso destino,

Ao te ver, ficou maluco...

 

Ah! Se souberas, Dictinha,

Que por sob essa aparente

Frieza, (quem tal diria!...)

Eu peço constantemente,

A Deus que um dia nos ponha

Numa casinha sem gente...

(Dictinha, 1938)

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Novo rumo!

 

Negro preto cor da noite,

Nunca te esqueças do açoite

Que cruciou tua raça.

Em nome dela somente

Faze com que nossa gente

Um dia gente se faça!

 

Negro preto, negro preto,

Sê tu um homem direito

Como um cordel posto a prumo!

É só do teu proceder

Que, por certo, há de nascer

A estrela do novo rumo!

(Negro preto cor da noite, 1932)

 

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