Assim, seria um grande passo progressista, se conseguíssemos a alfabetização integral do país, mas não seria tudo.

É necessário dar aos que roubarmos das trevas luz anímica, para que vislumbrem, vejam o lodo oculto, sob águas azulíneas. É necessário apontar-lhes, com sinceridade, o edifício carcomido da nossa civilização, para que sigam, conscientemente, vejam conscientemente e conscientemente, individualmente, se alistem entre os obreiros da grande cruzada - a cruzada do Bem.

É necessário que o fiat seja integral, a fim de que se alcance o objetivo da instrução fazer de cada criatura um indivíduo, arquiteto da sua individualidade, senhor dos seus direitos e dos seus deveres.

 

(Farrapos de ideias, p. 187-3. ed.)

Africanos Afro-brasileiros

Salvador, 20/5/75

 

Meus irmãos que de longe vieram

em barcos infectos e imundos

tangidos por ventos que a natureza criou

Açoitados como quaisquer animais,

vis, tristes, selvagens e irracionais.

Vocês, meus irmãos pretos velhos

que da África chegaram,

traziam a sina de ser escravos,

viver sob o signo do infortúnio –

– a Escravidão.

 

Chegados, aclimatados, aculturados. Açoitados.

Agricultores, serventes de casas ricas,

cresceram na tristeza da terra que

longe ficou.

Veio o canto,

surgiu a música.

A dança,

pra sufocar o pranto.

Misturou-se tudo.

Surgiu o carnaval

que é a coisa mais original

implantada em terras distantes

pra sufocar a dor, a angústia

e esquecer o falso amor.

 

Meus irmãos africanos,

de ontem, de hoje e de amanhã

Aqui estamos pra lhes render louvor,

a um povo antigo

pleno de mitos,

história de luta e sofrimentos.

Merecem, irmãos, os elogios,

os lauréis que a história

à raça negra

e irmãos africanos,

sempre negou.

(Cantos, encantos e desencantos d’alma, p.109 - 111)

 

EGO SUM
Ife. Nigeria, 1979.

 

Eu

quem do Nordeste veio

terra de amor e tradição.

Eu

quem da pobreza veio

nasceu humilde, morrerá assim.

Eu

que da Bahia vim,

terras nordestinas

de amor e tradição,

de bonitas meninas

enfeitadas de jasmim

colhidas em seculares jardins.

Eu

da terra da beleza,

riqueza,

pobreza,

até miséria.

Terra d'amor

e discriminação,

de maldade,

tristeza

e bondade.

Eu

que assim nasci

morrerei assim,

pois assim eu sou:

Senhor

dono dos meus atos,

cabeça rica em fatos.

Eu

negro.

Eu

de fato.

Eu

com injustiças

estupefato!

Eu

tentando ser eu mesmo

negro de fato.

Eu

parte dos grãos calcados aos pés

de brancos

(nas Américas, é um fato).

Eu

germem que morre banhando

a terra em suor e sangue

para que nasça uma.

Nova Era,

para que frutifique

a Nova Geração

forte e sadia.

Medre a Nova Civilização

– a do Homem Total.

Integral.

Eu

negro de fato.

Eu

um ser humano normal.

 

(Cantares d’África, p.39 – 40)

 

 

CAVALEIRO NOTÍVAGO

Bahia, 1973

 

Cavaleiro andante,

errante, galopante.

Dentro da noite

negrume, negrume

e negra cor desafiante

dos seus rivais,

severos, cruéis, infiéis.

Cavaleiro andante,

de negra cor desafiante.

Estonteia a todos

e quantos chibantes,

tentam seguir

seus passos firmes,

seguros, alegres, certos.

Passos fortes, retos

e mirabolantes.

Confiantes em si: o futuro.

 

Cavaleiro notívago,

Avance!

Nos seus sussurros,

risos e suspiros.

Siga seus passos negros,

firmes dentro da prata do luar.

das negras noites baianas.

Não precisa mais luar.

Está firme na noite,

seu valor e seu aprumo,

função e seu negrume.

É notívago. É negro.

É já um vagalume.

 

(Cantos, encantos e desencantos d’alma, p. 107).

 

Graças a Quem Merece

Salvador, Dia de Ação de Graças de 1971.

 

"O grande perigo que corremos iludindo aos outros, é que acabemos por nos iludir a nós mesmos".
(Eleanora Duze)

 

Vi chorando em praças públicas,

olhos tristes, rútilos, esbuguelados;

raivosos e fremindo de dor.

Negros cansados e pobres,

reclamando do país que com suor criaram

e, que agora,

não lhes dava amparo.

Queriam justiça.

Compreensão pacífica.

Igualdade de trabalho,

oportunidade, amor.

Desejam ser gente

como seus outros irmãos

que pelo mundo

cantam, dançam, trabalham,

lutam por dias melhores

(com iguais oportunidades)

e que também querem, unidos

sem discriminação ou opressão

de raça, cor ou religião

mostrar a este mundo adverso à sua cor;

seu poder de realização.

Até aqui, século quase vinte e um,

o Negro só tem visto escuridão,

na vida escravidão e humilhação.

 

(Cantos, encantos e desencantos d’alma, p. 75)