Espelho

                                    Fernanda Bastos

 

Quando acordares será tarde demais
Terão gritado em vão
tua vida
Não valeste de nada
Cada esforço
Escolheste carregar na pele a cor
Ao que nunca o orgulho
Eis que agora ao saborear a vitória solitária
Esquece que tua riqueza não vem sem a marca
Também dos que sofreram
Também dos que perderam
Também dos que morreram
E quando rires para os outros
E as outras tantas
Aumentará o tremor
Que descontas em cada gole
Como se te devolvesse
O estádio em comemoração de gols
E te levasse
A ingratidão que te fartou
                                                (Dessa cor, p. 8)

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                        Inácia

                                               Fernanda Bastos

 

Parda
Posse do Senhor General Bento Manoel Ribeiro
(e de sua mulher, Maria Mância)
Carta concedida com a condição
de a escrava servir por sete anos
a eles ou a seus herdeiros
ficando desde já libertos e livres
todos os filhos que da data da carta
em diante tiver.
                                                 (Dessa cor, p. 54)

 

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           Lami     

                        Fernanda Bastos

 

Lembro do domingo iluminado
Cheiro de bolo de fubá no forno
Gal Costa cantando
Minha avó dançava
todo o corpo em sintonia
seus quadris largos pendulando
doce e sensual como Nina Simone
no palco ela se sentia livre
[para Nina, ser livre era não temer.]
E no centro da sala
uma vida inteira correndo de todos
Aluísia dançou cheia de si
e foi livre.
                              (Dessa cor, p. 39)

 

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           Lá em riozinho

                          Fernanda Bastos

 

Na minha vez
de gritar no precipício
não veio o eco
todo mundo me olhou
apavorado
tão forte
tão linda
pulei
deu para ouvir o páfi.

                           (Dessa cor, p. 34)

 

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                             Lina

                                                  Fernanda Bastos

 

2 anos.
A mãe foi escrava dos mesmos senhores
Joaquim Lopes Rodrigues e Ana Josefa de Moura.
Carta concedida sem cláusula ou condição.

                                                   (Dessa cor, p. 58)

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