O elefantinho da tromba caída (fragmentos)

Consuelo Dores Silva

Um elefantinho nasceu numa floresta muito longe daqui, num país chamado Quênia, no continente africano, e os animais que lá moravem lhe deram um nome esquisito: Tromba Caída (p.3).

Mamãe-elefanta se acasalou mais velha e não teve outros filhos. Por isso, ficou muito contente com o nascimento de seu bebê, mas vivia muito preocupada com a saúde dele: Tromba Caída era diferente das outras crias de elefante. Imaginem vocês que ele não levantava a tromba. Os elefantinhos do grupo caçoavam dele e não o aceitavam em suas brincadeiras. Por isso, ele se escondia pelos cantos da floresta e sua avó o consolava; dizia-lhe para não se incomodar com as gozações daqueles elefantinhos bobos. (p. 5).

O outo chegou e, com ele, veio a seca. Um grupo de elefantes atravessou savanas (terrenos sem mata, mas com árvores esparsas), à procura de água e comida, e só encontrou capim seco e filetes d’água pelo caminho.

Os dias se passaram e, finalmente, eles encontraram um lugar cheio de árvores: era o Parque Tsavo, uma grande área verde, cheia de animais e aves e, durante algum tempo, comeram muitas folhas novas. Depois, andaram um pouco e ouviram o barulho de um rio. Logo avistaram ave que bebiam água. (p. 9)

A manada, morta de sede, correu para chegar logo às margens do rio. A vovó-elefanta correu também, mas seus cascos estavam feridos de tanto andar pela savana e ela caiu. (p. 11)

Tromba Caída se desesperou ao vê-la tentando se levantar do chão. De que jeito ele a ajudaria, se não tinha forças na tromba? O elefantinho envergonhou-se por ser tão fraco, mas logo se lembrou das gozações de sua manada e sentiu uma raiva imensa. Em seguida, uma coisa extraordinária aconteceu: a sua tromba se enroscou no corpo da vovó-elefanta, levantando-a. Quanto mais o elefantinho se lembrava dos risos de deboche de seus colegas, mais força ele sentia na tromba. (p. 13)

Decerto seus antepassados, lá do céu dos animais, imaginaram que o elefantinho merecia uma ajuda e lhe mandaram energia, que o tornou forte, ajudando-o a levantar a tromba.

Os pais de Tromba Caída se surpreenderam, ao vê-lo ajudando a avó. Durante anos, os dois desejaram que ele fosse igual aos outros elefantes, mas perderam a esperança: seu filho jamais suspenderia a tromba como os paquidermes normais; no entanto, a partir daquele dia, os machos daquele grupo o tratariam de forma respeitosa. O elefantinho também possuía força na tromba como seus colegas de manada. (p. 15)

Conta a lenda que o deus dos animais queria povoar o céu com muitos elefantes, porque eles são animais amorosos com suas crias e ajudam os mais velhos e mais fracos da manada. São, portanto, bons exemplos de solidariedade para os homens e, por isso, mereciam flutuar sobre a Terra, acima dos outros animais. Assim, ele ordenou aos elefantes que, depois de mortos, fossem para o céu transformados em pequenas estrelas, e todos lhe obedeceram (p. 37).

Por isso, se você olhar o céu, à noite, verá luzes brilhantes piscando e correndo entre as nuvens: elas são os espíritos dos elefantes que, lá de cima, protegem os animais das florestas africanas. (p. 39)

 

Nota

1. Originalmente publicado na obra O elefantinho da tromba caída. (2008).

Referência

SILVA, Consuelo Dores. O elefantinho da tromba caída. Ilustrações de Marcial Ávila. Belo Horizonte: Mazza, 2008.

 

 

Construção de uma auto-imagem positiva1

Consuelo Dores Silva

Apesar de não termos pretendido uma pesquisa do tipo intervenção, quatro alunos do sexo masculino e três do sexo feminino apresentavam sinais de uma possível aceitação de si mesmos, e se auto-representavam belos, em junho de 1991.

A auto-representação destes sujeitos é a seguinte:

1. Redação do sujeito M.N.:

"Meus olhos são castanhos. Meus cabelos são pretos crespos."

"Gosto de mim como eu sou não gostaria de ser diferente. Sim eu gosto de mim como eu sou se eu for feio ou bonito eu gosto de mim mesmo assim como sou. Não gosto de ser diferente."

2. Redação do sujeito K.C.:

"eu sou bonita para mim. Eu gosto de mim. Eu calço 33." ''A minha família gosta de mim como eu sou."

3. Redação do sujeito J.S.:

(...) sou bonita tenho uma pintinha na testa minha pele e lisa com cabelos gosto de mim do meu geito e como eu sou eu não gostaria de ser".

"eu gosto da minha escola da minha professora da minha colega que senta atrás de mim e dos meus colegas."

4. Redação do sujeito F.G.:

(...) Tenho 12 anos e estou na quarta série tenho 1 metro de altura calço 39-40 gosto de passear de estudar e de Brincar com menino de minha idade. "

Meus dentes são brancos e brilhantes. Meus cabelos são encaracolados. Sou escuro mais gosto muito. Sou carinhoso. Sou educado. Sou estudioso. Minha pele e grosa. Meus olhos são castanho. tenho orelha pequena. Minha boca e pequena."

"Não gostaria que mudace nada por que sou muito feliz do jeito que eu sou. Se mudace as vezes não seria feliz como eu sou."

5. Redação do sujeito E.J.:

(...) tenho uma pinta pra baixo da orelha e uma no braço."

Gosto de mim como eu sou."

6. Redação do sujeito D.M.:

"Gosto de mim como eu sou. Não tenho pé grande nem mão, tenho orelhas pequenas, me acho bonita."

7. Redação do sujeito R.J.

"eu gosto do geito que eu sou. Eu não queria mudar nada do meu corpo. Eu estou satisfeito com tudo que tem no meu corpo. Eu posso fazer o que eu quero com meu corpo com minhas pernas e os meus braços. Eu gosto de ser alto negro ter os cabelos lisos. Com meu corpo mudado eu vou sentir falta de tudo que eu tinha antes. Com o corpo mudado eu não vou poder fazer o qeu fazia antes. Com meu corpo mudado as pessoas iam notar muita coisa diferente em mim. Com meu corpo mudado as pessoas iam me achar esquisito diferente ou outra pessoa. Com o meu corpo mudado eu ia me achar estranho minha mãe não ia me conhecer. Eu gosto do meu corpo como ele é."

Os depoimentos destes entrevistados confirmam a tese de APPLE (1990) de que indivíduos de grupos étnicos não­-brancos podem construir a sua identidade, através de mecanismos de resistência.

Concluímos que treze alunos de nossa pesquisa têm de si a representação elaborada pelos vários grupos sociais: o negro como um indivíduo inferior.

Esta percepção é introjetada nos grupos étnicos dominados e eles, classificados, segundo a cor da pele, forjarão a sua identidade, tendo como espelho o grupo racial dominante; portanto, o ponto de referência será sempre o estrato branco da população.

Inferimos que os sete estudantes possuidores de uma auto-imagem que já se apresenta positiva, possivelmente, se identificam com seu grupo de origem, assumindo, consequentemente, a sua diferença, a sua alteridade. Logo, a identidade psicológica, "(. . .) é moldada de maneira muito mais decisiva pela raça do que pela classe." (BERGER, 1976, p.97).

Assim, o primeiro passo a ser dado pelo negro na descoberta de si mesmo, de sua identidade, é a busca de sua imagem refletida nos sujeitos de seu grupo, reconhecendo-os, primeiramente, como seus iguais.

O segundo passo é, como já dissemos anteriormente, o negro conscientizar-se de seu valor, através da crítica à sua representação social. Em seguida, este negro deve ocupar, de fato, o lugar que lhe pertence por direito na sociedade: o lugar de um sujeito histórico que se constrói passo a passo, a cada dia.


Nota

1. Originalmente publicado na obra Negro, qual o seu nome? (1995).

Referência

SILVA, Consuelo Dores. Negro, qual o seu nome? Belo Horizonte: Mazza, 1995.


 

 

A história mal contada1

Consuelo Dores Silva

 

Todas as manifestações contra o trabalho servil, aqui descritas, desmentem a historiografia que ao longo dos anos silenciou a este respeito, levando-nos à crença de que o escravo foi incapaz de elaborar formas individuais e coletivas de resistência à escravidão. Seja fugindo para os quilombos, ou não sendo "bom escravo", o negro desejava fugir ao status de "coisa" imposto pela estratificação social; como sabemos, ninguém nasce com predisposição para ser escravo, mas as circunstâncias históricas é que são determinantes desta condição.

Mais de três séculos de trabalho compulsório resultaram na concentração de não-brancos nas regiões mais pobres do Brasil, e os condicionaram a uma posição hierarquicamente inferior. Assim, "nascer negro ou mulato no Brasil normalmente significa nascer em famílias de baixo status" (HASENBALG, 1979, p.220). Logo, devido à sua pouca escolaridade, os negros encontram muitas barreiras, para ascender socialmente, e o mesmo fato se repete com seus filhos, mais do que com filhos de operários brancos não-qualificados, os quais "(...) obtêm 1,1 a mais de educação que os não-brancos." (HASENBALG, 1979, p.207). Além de se inserir no mercado de trabalho com poucas qualificações profissionais adquiridas através da educação formal, os negros se encontram num contexto social que classifica as pessoas, segundo "a boa aparência". A seleção, mediante a cor da pele, limita, portanto, os seus sonhos de mobilidade social.

Numa sociedade pluri-racial, a cultura dominante se impõe coercitivamente sobre as outras culturas e os grupos dominados terminam por introjetar a inferioridade.

A referência feita à escravidão teve como objetivo mostrar como pessoas de cor negra, descendentes de escravos, possivelmente, introjetaram no Brasil, ao longo dos séculos, uma imagem negativa de si mesmas.

A procura do negro pela liberdade é exaustiva, pois lhe reafirmam a sua negação como pessoa humana. Esta é, pois, a tragédia do negro da Diáspora.

O negro, perdendo a liberdade, negou-se a si mesmo; entretanto, ao se tornar escravo, ocorreu-lhe um processo de metamorfose. A história das culturas se caracteriza pela mudança das relações sociais entre os homens; sendo assim, poderíamos dizer que, o homem negro, ao negar os estereótipos negativos que lhe são atribuídos socialmente, elabora uma contra-ideologia em que afirma a sua individualidade, a sua pessoa.

O Mundo Novo, em que o homem se reapropria de sua essência, é o sonho dos homens transformados em escravos. A Nova Sociedade só surgirá, se os descendentes destes homens, a quem foi negada a humanidade, se reapropriarem de si próprios. Esta reapropriação se caracteriza pelo assumir a própria cultura e identidade, perpassando pela tomada de consciência das relações de opressão à participação política, e a conseqüente negação do colonialismo. O colonialismo se manifesta nos países do Terceiro Mundo sob a forma de desvalorização cultural dos povos não-brancos da América, África e Ásia.

O oprimido necessita, portanto, reavaliar o seu papel como sujeito histórico, para desmistificar a ideologia que apregoa a superioridade de uma cultura sobre outras; e principalmente, se habituar à denúncia do discurso, que afirma a sua inferioridade, e justifica a dominação e a violência dos povos colonizadores.

 

Nota

1. Originalmente publicado na obra Negro, qual o seu nome? (1995).

 

Referência

SILVA, Consuelo Dores. Negro, qual o seu nome? Belo Horizonte: Mazza, 1995.

 

 

Apelido: o nome da inferioridade1

 

Consuelo Dores Silva

eu,

Pássaro - preto

cicatrizo

queimaduras deferro em brasa,

fecho corpo de escravofugido

e

monto guarda

na porta dos quilombos.

 

Adão Ventura

O homem e a linguagem

Na sociedade brasileira, os grupos étnicos dominados (negros e índios) encontram-se numa posição de desigualdade tanto econômica como racial perante o grupo dominante, e estas desigualdades trazem sérias conseqüências às relações interétnicas. Partindo para o universo de nossa investigação, pudemos notar que, na escola onde realizamos nosso trabalho, existe hostilidade entre alunos negros e brancos em decorrência da discriminação racial. Pelas nossas observações, parece-nos coerente afirmar que a linguagem é usada pelas crianças do grupo étnico economicamente dominante, para discriminar àquelas racialmente diferenciadas.

A linguagem humana pode possuir vanos significados. Ela difere da linguagem animal porque o homem possui a capacidade mental de reter estes significados e atribuir-lhes diferentes interpretações, conforme o contexto da fala. Isto quer dizer que o discurso não é vazio, mas cheio de sentido. Este sentido está diretamente ligado à subjetividade, ou seja, às emoções, aos sentimentos, à história dos homens, etc. A partir disto, podemos compreender porque certas palavras dirigidas a nós podem nos ofender e magoar profundamente ou, em contraponto, demonstrar a atratividade que exercemos sobre outros sujeitos.

O homem, porque possui linguagem, é capaz de socializar-se, isto é, de conviver com outros homens. A partir dos seis anos, ele já possui uma linguagem orientada para a vida em sociedade, dando significado às coisas; portanto, através do processo de comunicação, ele compreende e é compreendido pelo outro. Conseqüentemente, o homem elabora a sua visão de mundo e de sua classe social. Esta absorção de mundo leva a criança, quando se torna adulta, à adoção de determinados papéis na estrutura social.

Podemos perceber, a partir dos pressupostos citados, o quanto pode ser prejudicial à construção da identidade, um processo de comunicação em que as mensagens verbais expressem o domínio de uma pessoa sobre a outra. O apelido é um contexto de fala em que ocorre este tipo de relação. Neste capítulo, iremos analisar os efeitos dos apelidos atribuídos às crianças negras por seus colegas no teatro de nossa pesquisa, a escola, e as conseqüências decorrentes na construção de sua identidade.

Nota

1Originalmente publicado na obra Negro, qual o seu nome? (1995).

Referência

SILVA, Consuelo Dores. Negro, qual o seu nome? Belo Horizonte: Mazza, 1995

 

A criança negra na escola1

Consuelo Dores Silva

"... educação e respeitar um ao outro"

Para captar os sentimentos dos sujeitos de nossa pesquisa em relação a seus colegas brancos, pedimos que eles escrevessem sobre um tema específico: "O que eu gostaria que houvesse na escola pública, para que eu fosse mais feliz?"

Observamos nas redações que as crianças e adolescentes negros se queixavam dos constantes nomes com que eram apelidados, em suas interações, pelos membros de seu grupo de iguais:

"eu me sinto, quando eles me põem apelidos, meia engraçada meia boba; uns me chamam de baleia, e um menino que chama F. me chama de excesso defofura; e isso me dá uma raiva, e também tem uns que chamam de baleia assassina." (Sujeito D.M.)

Outro entrevistado relata:

"O meu apelido é Maria Sapuda, umbu, umbigo da Maria Sapuda."

Alguns dos alunos afirmaram:

"eu não gosto que põem apilido em mim, e eu tenho muita raiva deles, que me chamam disso. Quando eles põe apelido, eles me dimenui, eu pego, e começo a chamar eles também." (Sujeito C.S.)

"A J. me chamou de magrela seca. O F. me chama de excesso de fofura. O T. me chama de banana estragada.Eu me sinto muito humilhada. O T. me chama de magricela." (Sujeito B.P.)

"Quando eles me coloca este apelido, eu me sinto muito triste, e muito magoada por causa disto. Eu me levo esta coisa muito a sério. Tem uns que querem diminui a gente, tem uns que leva na brincadeira."

"Minha mãe nunca levou um apelido. Quando eu era pequenininha, minha mãe diz que ninguém colocava apelido nela."

"Em todas as escolas que eu estudei, ninguém colocaram apelido ni mim. Só quando eu entrei nesta escola, que eu ganhei os apelidos dos meninos."

"Minha mãe, meu pai, e meus irmãos fica muito tristes, quando fica sabendo, que eu levei este apelido." (Sujeito M.G.)

Segundo uma pesquisa feita por BARBOSA (1987), crianças negras são superprotegidas pelos pais que as levam a acreditar que não são diferentes de outras crianças. Seus familiares não receberam da geração anterior nenhuma orientação de como enfrentar situações de discriminação; não sabendo como agir, transmitem a seus filhos uma socialização carente de informações. Segundo a autora, em muitos casos, aconselham às crianças a não reagirem diante de manifestações de preconceito racial. Crianças negras na escola irá ser, no mínimo, conflituosa. Este estudo sobre socialização e relações raciais coincide com a visão goffmaniana da criança encapsulada.

Vejamos o relato de J.S, onze anos, e filho adotivo. Ele declarou:

"A mãe ensina a gente. Ela ensina tudo: a educação, a obrigação; a respeitar aos outros; a fazer amigos; e não brigar. Temos que combinar com os outros e não ser na base da ignorância."

Em outro momento, ele diz:

"Os meninos falam que minha mãe é negra. Não estou nem aí. Ela é importante para mim. Ela sabe ensinar ao filho o caminho certo: não ficar brigando na rua."

S.M., a segunda adolescente a relatar suas experiências, é uma empregada doméstica. Reproduzindo o conteúdo de uma discussão com um aluno branco, acontecida dentro da sala de aula, ela afirma que:

"F. me chama de negra, diz que meu nome é nome de escrava. Quando ele passa perto de minha casa, grita meu nome e me ofende com palavras."

Analisando a fala do aluno F., observamos que ela reproduz os estereótipos veiculados pela ideologia dominante de que o negro, por pertencer a uma raça que foi escravizada, é sinônimo de inferioridade. Assim, podemos inferir que o indivíduo, ao possuir o nome conotativamente relacionado à escravidão, é marcado, carregando consigo o estigma que lhe é atribuído.

Ao discriminar a sua colega negra, o aluno branco, na realidade, quer transmitir a ela a mensagem de que ele acredita pertencer a uma raça superior, a branca, que é o estrato dominante da sociedade. Portanto, "a identidade do outro reflete na minha e a minha na dele." (CIAMPA, 1986, p.59).

E.M., adolescente, é, segundo o que relata, também diminuída pelos colegas: "T.R. e M. me chamam de monstro, de vampiro. Acho ruim, porque querem me rebaixar, não me respeitando."

E.M., não possuindo os dentes superiores, tornou-se arredia a contatos. Se a identidade é construída a partir da percepção que temos de nós mesmos, através da interação com o outro, ela tem plena consciência de sua posição de inferioridade, perante os outros alunos, pois não ri, com medo das chacotas.

Prosseguimos com as declarações textuais de outros entrevistados:

"Quando alguma pessoa coloca apelido em mim eu me sinto humilhada e triste. Vou dar alguns apelidos: nega, umbu, filha do Mussum. Quem me chama destas coisas é o T." (Sujeito D. M.)

Eles chamavam minha mãe de neguinha e pretinha. E ela ficava muito triste e xingava eles.” (Sujeito B. P.)

"Ele colocam apelido na gente e chama a gente de negrinha, pretinha e falam também: que meninha feia! Quando eles me chama de negrinha e pretinha eu fico triste e humilhada. Ele também chama a gente de bisorro, urubu." (Sujeito E.J.)

Segundo a Psicologia Social, a auto-estima, ou seja, o grau em que alguém gosta de si, depende das origens sociais do indivíduo, daí a importância destas origens na construção da identidade pessoal.

A auto-estima e o conceito de si próprio são indicadores da posição que a pessoa ocupa na hierarquia social. McDAVID e HARARI (1980) afirmam que grupos étnicos e religiosos discriminados nos anos 50, apresentavam indicadores de uma auto-estima fragmentada e sentimento de inferioridade. As origens sociais da auto-estima, como vimos, relacionam-se com a atratividade que uma pessoa exerce sobre a outra, e

(...) estudos ulteriores sugeriram que pessoas de status inferior e impopulares tendem ou a empregar considerável esforço para granjear a simpatia de pessoas populares (FREEMAN e DOOD, 1968) ou a subestimar sua própria rejeição feita por outros, superestimando a própria atratividade. (McDAVID, HARARI, 1980, p.178).

A sociedade dispõe de diversos meios, para controlar o comportamento dos vários grupos étnicos que a compõe e a socialização é um desses meios, porque ela é a chave da "aprendizagem social", na concepção de McDAVID e HARARI (1980). Crianças oriundas de grupos étnicos discriminados possuem uma baixa auto-estima, porque através da interação, terminam por se auto-perceberem como acreditam que os outros as percebem.

O discurso seguinte é de M.G.S., doze anos, que possui um metro e setenta centímetros de altura: "Na sala de aula, os meninos me chama de Máxi-mula, de Máxi-bombril. A L. e a V. falaram que meu cabelo era duro."

M.G.S. é discriminado devido à cor e ao tamanho e vive em constante atrito com os alunos que o apelidam. "Assim, há qualidades, escreve Jean Paul Sartre, que nos chegam unicamente através dos juízos do outro." (BOURDIEU, 1987, p.108).

Nota

1 - Originalmente publicado na obra Negro, qual o seu nome? (1995).

Referência

SILVA, Consuelo Dores. Negro, qual o seu nome? Belo Horizonte: Mazza, 1995.