Apelido: o nome da inferioridade1
Consuelo Dores Silva
eu,
Pássaro - preto
cicatrizo
queimaduras deferro em brasa,
fecho corpo de escravofugido
e
monto guarda
na porta dos quilombos.
Adão Ventura
O homem e a linguagem
Na sociedade brasileira, os grupos étnicos dominados (negros e índios) encontram-se numa posição de desigualdade tanto econômica como racial perante o grupo dominante, e estas desigualdades trazem sérias conseqüências às relações interétnicas. Partindo para o universo de nossa investigação, pudemos notar que, na escola onde realizamos nosso trabalho, existe hostilidade entre alunos negros e brancos em decorrência da discriminação racial. Pelas nossas observações, parece-nos coerente afirmar que a linguagem é usada pelas crianças do grupo étnico economicamente dominante, para discriminar àquelas racialmente diferenciadas.
A linguagem humana pode possuir vanos significados. Ela difere da linguagem animal porque o homem possui a capacidade mental de reter estes significados e atribuir-lhes diferentes interpretações, conforme o contexto da fala. Isto quer dizer que o discurso não é vazio, mas cheio de sentido. Este sentido está diretamente ligado à subjetividade, ou seja, às emoções, aos sentimentos, à história dos homens, etc. A partir disto, podemos compreender porque certas palavras dirigidas a nós podem nos ofender e magoar profundamente ou, em contraponto, demonstrar a atratividade que exercemos sobre outros sujeitos.
O homem, porque possui linguagem, é capaz de socializar-se, isto é, de conviver com outros homens. A partir dos seis anos, ele já possui uma linguagem orientada para a vida em sociedade, dando significado às coisas; portanto, através do processo de comunicação, ele compreende e é compreendido pelo outro. Conseqüentemente, o homem elabora a sua visão de mundo e de sua classe social. Esta absorção de mundo leva a criança, quando se torna adulta, à adoção de determinados papéis na estrutura social.
Podemos perceber, a partir dos pressupostos citados, o quanto pode ser prejudicial à construção da identidade, um processo de comunicação em que as mensagens verbais expressem o domínio de uma pessoa sobre a outra. O apelido é um contexto de fala em que ocorre este tipo de relação. Neste capítulo, iremos analisar os efeitos dos apelidos atribuídos às crianças negras por seus colegas no teatro de nossa pesquisa, a escola, e as conseqüências decorrentes na construção de sua identidade.
Nota
1Originalmente publicado na obra Negro, qual o seu nome? (1995).
Referência
SILVA, Consuelo Dores. Negro, qual o seu nome? Belo Horizonte: Mazza, 1995