Títulos provisórios

                                            Fernanda Bastos

 

Por que sou negra, mamãe?
F, relato de uma escrevivência
Um efeito estético de cor
Vozes veladas
O livro do desassossego dos outros
Baduísmo à brasileira
Outro país ou na próxima vez taco fogo
Nos braços da mãe preta e seca sentei e chorei
Memórias das minhas negras tristes
Relato de um certo Atlântico Negro
Cidadã de quarta classe
Brasileirah
Nega fulana

                                          (Dessa cor, p. 13)

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             Blues

                                             Fernanda Bastos

Sentada na cama
eu penso no ideal do amor afrocentrado
De quanto isso representou porrada na cara
Para uma penca de mulheres
contas na cabeça
e um olho roxo
muito peso nas costas

Lembro de nossos pais ausentes
e daquelas que assumiram seus papéis
muitas mulheres e um homem
os outros tantos fugiram
e nós,

seremos presentes
Como os homens ou as mulheres de nossas vidas
seremos?
Ele fala sobre a nossa filha
Será
leitora de Dostoiévski
Cabeleireira como a vó
Frequentará escola pública como eu
Falará com os olhos como ele
Terá alguém para entrelaçar a mão sem que a aperte demais
viajará pela Bahia,
Encontrando um estado tão diferente daquele que fui criada
usará a farta cabeleira solta ou em um coque para o alto

No próximo ano farei 30
Será melhor porque dos 12 aos 29 eu tinha mais chance
duas vezes mais chance de morrer violentamente
do que a parceira anterior dele
e penso que talvez ele tivesse mais vantagens
com ela até outra cidadania
e lá sou cidadã da onde ou para quem se afirma
tenho medo
dessa ânsia por renúncia
de perder na largada,
como se me impedissem de partir
segurando com força os meus braços
até que se soltasse eu cairia
cadê o medo da morte
que eu não tinha.

                                              (Dessa cor, p. 12)

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FELIZ COMO LÁZARO

se me adoecerem e arrancarem quatro
dos meus melhores dentes.
se martelarem meus joelhos.
mesmo se alinhavarem a minha boca.
se marcarem minhas costas a ferro.
deitarem fogo nas palmas das minhas mãos.
se fuzilarem meu corpo à queima-roupa.
darem fim às minhas digitais.
se me derrubarem e jogarem terra nos meus cabelos.
mesmo se me conduzirem à vala comum.
se me derem por vencida.
se me disserem —  é o fim da linha:
fico aqui exatamente onde estou.
se me disserem – mataremos todos os seus mortos.
fico aqui exatamente onde estou.
com os mesmos olhos de mosca varejeira,
ousada como minha avó.
se me disserem —  é dia e ele não será seu:
fico aqui exatamente onde estou.
com a mesma fome, herdeira de um deserto
faço questão, passo minha vez.

 

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       Ofício

            Fernanda Bastos

 

no papel
redijo meu português
linha após linha
feito costura
e se alguém perguntar
qual é a linha
me encaixo nos
estudos poéticos e
vingativos

          (Dessa cor, p. 16)

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A DOMADORA

mariana se tranca no quarto.
pensa em um homem chamado Herberto.
quatro paredes turmalina
parece até mentira.
pensa em selar cavalos subir em um deles
viajar até coyoacán galopando
foda-se todos os noticiários falarão
de mariana mariana
a domadora montando como ninguém,
o travesseiro entre as coxas.

 

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