DADOS BIOGRÁFICOS

Natalino Silva é um negro periférico oriundo das quebradas de Belo Horizonte, Minas Gerais. É poeta e capoeirista. Além disso, possui licenciatura em Letras Português e Espanhol pela UFMG, Mestrado em Teoria da Literatura e Doutorado em Literatura Comparada pela mesma instituição. Terminou outro Doutorado em Literaturas de Língua Portuguesa pela PUC Minas. É membro e pesquisador do GEED – Grupo de Estudos em Estéticas Diaspóricas, vinculado ao projeto “Desdobramentos e proliferações da memória nas culturas/literaturas africanas de língua portuguesa”.

O autor é professor e iniciou sua carreira em Escolas Estaduais em Belo Horizonte. Atualmente, é professor do IF Sudeste MG e atua ativamente no Núcleo de Estudos Afro-brasileiros e Indígenas – NEABI/Campus Muriaé – do qual é fundador e atual presidente. É também membro da Academia Muriaeense de Letras – AMLE – e seu atual Presidente, ocupando a cadeira de número 30, cujo patrono é Machado de Assis.

Natalino Silva publicou Rareza em 2017, sua primeira obra individual. Nesse livro, o poeta afirma: “Para uma explosão de vermelho forte, denso. Para em dias de frio ter suores noturnos. Para os aflitos, para os mansos, para os sensíveis... Para os que vivem e para os que só existem sem viver. O poeta se entrega para você sem pudor”.

 

Ainda em 2017 participa da coletânea Fio de Contas com poemas que homenageiam os Orixás. E, em 2018, publica Ex-farrapos. Na quarta capa, o autor afirma: “Não há beleza nos despojos? Ex-farrapos é constituído por um conjunto de poemas que foram armazenados em minha gaveta. Ali, adormeciam, amadureciam, cresciam. Com a técnica do bonsai, podei e lapidei cada um. Foi um processo belo e doloroso. Cortar um poema é cortar minha própria carne”. Leia Abaixo entrevista do autor concedida ao pesquisador Wellington Marçal: 

 

A imensidade da roda: entrevista com Natalino da Silva de Oliveira

Entrevista concedida a Wellington Marçal de Carvalho, em 18 de setembro de 2021.*

Podemos começar com a partilha de aspectos de sua biografia? É sempre interessante conhecer o escritor para além de sua escrita. Penso que essa é uma curiosidade que o público leitor quase sempre possui. A respeito de sua trajetória educacional e sua formação acadêmica, que memórias poderia ressaltar nessa nossa conversa?

Gostaria de iniciar nossa conversa pedindo licença para Exu para que os caminhos da encruzilhada se abram. Também gostaria de pedir a bênção das mais velhas e dos mais velhos, das mais novas, dos mais novos. E também te agradecer imensamente por esta oportunidade.

Agora, sobre minha trajetória educacional e acadêmica, seria importante ressaltar os momentos essenciais. Vou selecionar alguns momentos para que simbolizem um caminho que ainda estou seguindo. O primeiro momento foi minha descoberta da Capoeira, bem jovem, durante a infância. Foi algo esplendoroso que é também o encontro mais intenso que tive com o sagrado. Ver uma roda de Capoeira, todos aqueles sons, movimentos ligeiros de pernas, a energia daquele espaço... Logo procurei descobrir como me iniciar naqueles mistérios. Foi com a Capoeiragem que encontrei minha estratégia de luta contra o racismo e contracolonial.

O segundo momento foi na escola. Quando encontrei os livros de Machado de Assis. A escola não possuía uma biblioteca com livros voltados para estudantes da minha idade (entre 10 e 12 anos). Sendo assim, os únicos exemplares que encontrei eram as obras em capa dura, os denominados clássicos. Por curiosidade acabei lendo o Bruxo do Cosme Velho muito cedo. E já naquela época, eu percebia que havia algo poderoso naquela forma de escrever. A ironia e a dissimulação me fascinavam. As biografias de Machado de Assis naqueles livros sempre o descreviam como mulato (isso me distanciava um pouco, nunca conseguia definir bem o que seria um mulato). Quando fiquei sabendo que Machado de Assis era, na verdade, negro, tudo se ampliou e fez muito mais sentido. Fico pensando em como seria se já descobrisse sua literatura sabendo que o autor era negro. E é isso o que venho fazendo em minha carreira profissional como escritor, professor e pesquisador.

O terceiro momento foi quando ouvi Racionais MC’s pela primeira vez. Aquilo foi algo que me deixou boquiaberto. Toda a potência daquela poesia misturada com os sons e toda a verve febril de Mano Brown e de todos os membros do grupo. E ouvindo tudo aquilo na rádio Favela de Belo Horizonte, que era também uma rádio periférica e que funcionava de forma clandestina... Foram os Racionais MC’s que me letraram racialmente. Eu já sabia do racismo. Aliás, acho que isso, para uma pessoa preta, é algo que já nos afeta na mais tenra infância. Porém, Racionais MC’s que me ensinaram a necessidade de lutar com todas minhas forças contra isso tudo – a ideia de racismo estrutural já se apresentava ali também, bastava ouvir com calma e ler nas entrelinhas daquelas letras poéticas.

Poderia nos falar sobre as pesquisas em andamento, as orientações e as redes de investigação de que faz parte?

É importante dizer que estou sendo feliz. Tenho atuado em orientações de Mestrado, de iniciação científica, de projetos de extensão. Além disso, criei um coletivo que surge de um grupo de estudos fruto de um projeto de extensão, o Café Preto. Estou atuante na Associação Brasileira de Pesquisadores/as Negros/as (ABPN) realizadora no Congresso Brasileiro de Pesquisadores/as Negros/as (COPENE). Além disso, criei um NEABI (Núcleo de Estudos Afro-brasileiros e Indígenas) no Campus Muriaé do IF Sudeste MG e estamos associados ao Consórcio de Núcleos de Estudos Afro-Brasileiros (CONNEABs). Estou conseguindo aliar bastante a minha prática profissional e de pesquisa com os discursos que defendo, com meus posicionamentos críticos, políticos e éticos. E há um grupo de pesquisa que sempre seguirei: o GEED (Grupo de Estudos Estéticas Diaspóricas).

Há quase uma década você participa do Grupo de Estudos Estéticas Diaspóricas (GEED). Como você analisa essa caminhada?

A minha vida acadêmica ganha muito em qualidade e quantidade após o início de minha caminhada no GEED. O contato com a Professora Nazareth abriu minha mente e meu coração para um universo de autores que eu desconhecia. O GEED é um grupo de afeto. E do afeto pode nascer tudo e sem afeto nada vinga. Além disso, é um grupo de fortalecimento de nosso Orí (nossas cabeças) e de alinhamento com nosso Okan (nossos corações).

Quando começou a escrever textos literários?

Parece clichê. Mas, minha iniciação à escrita literária se deu antes mesmo da alfabetização. Quando ouvi os cantos religiosos do Candomblé, pois morava em um lugar que possuía um Terreiro no quintal. Mas, havia também o embate com os cânticos da Igreja Católica (coisas de minha mãe). E também fui alfabetizado muito cedo. Minha prima queria ser professora e me usava como cobaia. Agora, eu me lembro de escrever por uma necessidade. Havia poucos livros em minha casa. Eu lia o dicionário. Meu pai sempre teve um dicionário enorme, de capa dura, dicionário Aurélio. Ali, buscava as palavras, aprendia e entendia. Criava as histórias que não encontrava. No início, por ter pouco acesso aos livros; depois, por não me encontrar nos livros que lia.

Rareza e Ex-farrapos são os seus livros publicados que reúnem poemas, isso mesmo?! Pode nos falar sobre a “biografia” de cada um e como percebe a recepção dos mesmos?

O Rareza nasce de meu amor por Minas Gerais. Eu costumo dizer que se não tivesse nascido nas Minas Gerais, seria um homem infeliz. Rareza é o primeiro livro publicado de forma individual. Sendo assim, há um carinho muito grande de minha parte. Ex-farrapos nasce de poemas guardados em uma gaveta. Deixei os poemas ali para que pudessem amadurecer. Depois, fui buscando um a um. Alguns foram utilizados no livro. Aprendi que escrever poemas para mim é muito fácil. Porém, escolher os que vão estar em determinado livro, isso é muito difícil. Há poemas maravilhosos, mas que não se encaixam em determinado livro.

Há um caso, digamos, muito curioso, que é a sua forma de participação na obra coletiva Fio de contas, inclusive com um pseudônimo. Como foi essa experiência?

O Fio de contas foi um presente. A editora Karina Gercke fez um concurso. A ideia era selecionar um texto poético. Porém, ela acabou gostando de outros poemas que escrevi e publicou todos eles. O pseudônimo Guaiamum é, na verdade, o meu nome na Capoeiragem. Foi maravilhoso poder homenagear os Orixás. E por isso que os poemas nasceram tão fortes, tão intensos. São ebós poéticos. O meu fazer poético e acadêmico é todo perpassado pela necessidade de construir um ebó epistemológico.

Quais os projetos literários em andamento?

Estou sempre escrevendo. Não consigo ficar sem escrever, é meu café com leite e pão com manteiga. Estou tentando organizar um livro ou vários. Mas, a pandemia me atropelou um pouco. Venho buscando muitas coisas ao mesmo tempo. Porém, só falta sentar e organizar textos e buscar Money para publicar.

O que significa o ato de escrita, de elaboração literária, para você?

O ato de escrita é tudo. Mas, é principalmente luta. É afeto e amor também. Amar também é fazer revolução.

Que papel você atribui à literatura nesse tempo/espaço que habitamos?

Como pessoa negra, eu tenho minhas obrigações. Louvar minha ancestralidade mantendo viva a luta constante contra o racismo e contra a colonização. Não gosto dos conceitos de “descolonialidade” ou de “decolonialidade”. Isso coloca tudo no mesmo saco ou balaio de gatos. Há territórios de resistência que resistiram e que resistem ativamente às estratégias coloniais antigas e modernas. Posso mencionar a Capoeira, o Candomblé e variadas expressões do Sagrado de origem africana e indígena também. Há territórios que não se conectam com a colonialidade.

Então, apesar de toda esta digressão, o meu papel é carregar o bastão. Sabe? Alguém passou esse bastão para mim. Algum ancestral passou para mim a necessidade de seguir. É isso o que venho tentando fazer. Mantendo a minha dignidade, os meus valores éticos – e minha estética parte de tudo isso também.

Em 2017, você foi eleito para ocupar uma cadeira na Academia Muriaeense de Letras. Como se deu essa conquista? Em sua análise, qual é o papel de uma instituição dessa natureza, sobretudo nos tempos atuais do nosso país?

Ser membro da Academia Muriaeense de Letras é uma oportunidade maravilhosa e abre muitas portas. Ainda mais levando em consideração que, por influências dos Orixás, acabei ocupando a cadeira de número 30, cujo patrono é Machado de Assis. Sendo assim, imagine minha alegria e responsabilidade... Mas, agora a Academia Muriaeense de Letras está caminhando muito bem. Já estamos nos organizando com outras academias para criar a associação de academias literárias de Minas Gerais. Será um coletivo maravilhoso.  

Você mantém, de certa forma, uma intensa e regular produção e divulgação de sua poesia no mundo cibernético. Como se dá esse processo?

É algo maravilhoso. Consigo ter um contato muito mais próximo com as leitoras e leitores. Recebo os feedbacks quase que automaticamente. Nunca me imaginei em uma situação assim. Porém, tem sido positivo. Tento publicar com regularidade.

Como um exímio estudioso da obra machadiana, como vê o esforço de reparação pelo embranquecimento ao qual esse escritor afro-brasileiro foi submetido?

Acho que a sociedade ainda não fez esta reparação. Para a elite brasileira, Machado de Assis ainda é um escritor branco. E pior, para alguns membros do movimento negro, Machado de Assis é um negro que não lutou pela libertação de outros negros. Isso precisa mudar. Às vezes, não percebemos que estas são estratégias coloniais também. Como não podemos perceber que enfraquecimento da importância de Machado de Assis só é interessante para uma parcela da elite branca e racista que ainda governa a nossa nação? Ainda vejo com muita tristeza a visão que os brasileiros têm de Machado de Assis. Porém, a tristeza para mim é um impulso para a luta, para escrever mais, para divulgar mais. Tenho apresentado o Machado de Assis Negro em todas as escolas de ensino básico que possa ir. É maravilhoso.

É de muita valia conhecer, pelo menos em parte, quais escritoras e escritores são de sua predileção, ou, ainda, que te motivam ao trabalho, tanto com a escrita literária como com outras demandas da vida. Pode nomear alguns?

É difícil nomear. O número de autores e autores é enorme. Mas, poderia iniciar citando Maria Firmina dos Reis e Machado de Assis. Poderia citar Racionais MC’s. Também é importante trazer Mestre Bimba e Mestre Pastinha para a roda. E Lima Barreto, Cruz e Sousa, Carlos de Assumpção, Carolina Maria de Jesus, Conceição Evaristo, Cuti, Cidinha da Silva, Miriam Alves. Nossa, são muitas pessoas. E Fanon, hein. Não posso ficar sem Fanon. E Lélia Gonzalez. É impossível listar, meu Quilombo é grande.

Na mesma linha, quem são as teóricas e teóricos que te instigam a persistir na construção de suas reflexões? Quem não falta no seu “ebó intelectual”?

Nesta parte, tudo se complica ainda mais. Pois para o ebó intelectual teria que trazer primeiramente a minha avó Dona Odila. Foi com ela que aprendi que não existe separação entre teoria e ação – teoriação; ou que não deveria ter essa distância. Inicia-se aí e passa pelo Mestre Bimba, pelo Mestre Pastinha. Passa pelo Mestre Dunga (em BH). Mas, também tem Aimé Cesaire, Fanon, bell hooks, Angela Davis, Milton Santos, Lélia Gonzalez, Sueli Carneiro, Nazareth Fonseca, Leda Maria Martins, Marcos Antônio Alexandre. A roda é grande, imensa. E o mais importante é Exu antes, durante e depois. Sem o Senhor do Mercado, nada é possível. Laroyê!!!

Lino, reitero os agradecimentos pela boa partilha! Prossigamos na luta!

(In: Revista Igarapé, outubro 2021)

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* Wellington Marçal de Carvalho é Pós-Doutorando em Estudos Literários (FALE/UFMG); Doutor em Letras (PUC Minas); E-mail: Este endereço de email está sendo protegido de spambots. Você precisa do JavaScript ativado para vê-lo.

 


 

PUBLICAÇÕES

Obra individual

Rareza. Rio de Janeiro: Editora Autografia, 2017. (poesia).

Ex-farrapos. Rio de Janeiro: Katzen Editora, 2018. (poesia).

Antologia

Fio de Contas. São Paulo: Lampejo Editorial, 2016. (poesia).


Não Ficção

Caleidoscópio e palimpsesto: o ato de escrever, descrever e reescrever a memória em Ramono adiós, de Moserat Roig. Dissertação (Mestrado em Estudos Literários). UFMG, 2010. 

Catacrese e performance: considerações sobre o narrador em Campos de Carvalho e Mário Bellatin. Tese (Doutorado em Letras - Estudos Literários). UFMG, 2013.

A estética da dissimulação em Machado de Assis: estratégias para que a voz subalterna seja ouvida. Tese (Doutorado em Letras - Literaturas de Língua Portuguesa). PUC Minas, 2015.

A estética da dissimulação em Machado de Assis. Rio de Janeiro: Multifoco Editora, 2017. (ensaio).

 

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