A DOMADORA

mariana se tranca no quarto.
pensa em um homem chamado Herberto.
quatro paredes turmalina
parece até mentira.
pensa em selar cavalos subir em um deles
viajar até coyoacán galopando
foda-se todos os noticiários falarão
de mariana mariana
a domadora montando como ninguém,
o travesseiro entre as coxas.

 

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AO HOMEM QUE SE LEVANTA COMIGO

para L.

espero que as unhas cresçam
só depois solicitações, juras, 
os números. 
qualquer justificativa. 
espero que você não.
por favor. 
mantenha a respiração acontecendo 
beije sua mãe na testa, peça a bênção a ela. 
não olhe a polícia nos olhos 
se for preciso esconda-se bem. 

 

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FELIZ COMO LÁZARO

se me adoecerem e arrancarem quatro
dos meus melhores dentes.
se martelarem meus joelhos.
mesmo se alinhavarem a minha boca.
se marcarem minhas costas a ferro.
deitarem fogo nas palmas das minhas mãos.
se fuzilarem meu corpo à queima-roupa.
darem fim às minhas digitais.
se me derrubarem e jogarem terra nos meus cabelos.
mesmo se me conduzirem à vala comum.
se me derem por vencida.
se me disserem —  é o fim da linha:
fico aqui exatamente onde estou.
se me disserem – mataremos todos os seus mortos.
fico aqui exatamente onde estou.
com os mesmos olhos de mosca varejeira,
ousada como minha avó.
se me disserem —  é dia e ele não será seu:
fico aqui exatamente onde estou.
com a mesma fome, herdeira de um deserto
faço questão, passo minha vez.

 

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As tranças

procurando uma explosão impossível.
sua voz, o engano que trancei junto aos meus cabelos
enquanto eu não olhava o espelho.
o couro cabeludo à mostra.
precisei desenhar na minha cabeça
algo que parecesse a estrada até a sua casa.
então a verdade seria um penteado bonito
que eu pudesse exibir na rua pros desconhecidos.
o pente meu cúmplice dizia
não se atreva
mal senti o sol bater
ardi como jamais.
se até ontem nada me escapava
teve aquela festa
onde dancei feito uma mariposa perdida
a alegria nos quadris não passava de um jogo
que acreditei conhecer as cartas.

             (In: Nossos poemas conjuram e gritam, p. 45)

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na praça may ayim

sampleando audre lorde

 

porque temos medo cerramos as próprias
mãos porque temos medo arrancamos
os molares porque temos medo
martelamos os joelhos porque
temos medo botamos fogo nos nossos
cabelos porque temos medo atiramos os
ossinhos do tornozelo no canal porque
temos medo os dedos quebrados são justos
porque temos medo cortamos línguas
unhas orelhas, o caminho.
tiramos raspas de pele dos cotovelos
testamos a faca na jugular
plantamos uma granada debaixo da cama enfiamos
a arma do crime no queixo
porque temos medo.
cortamos a energia desligamos os resistores
porque temos medo o sol se deita
amanhã e depois porque temos medo
temos ferramentas  temos o que cerrar arrancar
martelar temos o que incendiar o que jogar
fora o que cortar porque temos medo
sabemos cuspir enganar trair porque temos medo
porque temos medo
dormimos tranquilas.
porque temos medo
somos também muito elegantes muito obrigada.

 

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