Lápis de cor

Luan é um menino muito antenado aos acontecimentos do nosso século. Ele joga bola, solta pipa, brinca de esconde-esconde. Adora fazer experimentos científicos, observar planetas, pessoas e bichos. Usa o celular mais para mandar mensagens, poemas, cartas e enigmas... e menos para bater papo.

No computador, Luan navega nos sites de jogos, brincadeiras e, claro, pesquisa sobre tudo que lhe dá na teia. Ele também fica de olho nas campanhas de preservação do meio ambiente. Ele é ainda menino, mas já está preocupado com a saúde do nosso Planeta.

Um dia, observando o corte de árvores em sua rua, Luan resolveu tomar uma providência. Pegou lápis de cor e de escrever. Pegou papel. Pegou apontador.

Começou a fazer um cartaz em defesa da natureza...

 

CORTAR ÁRVORES, NÃO!

PLANTAR ÁRVORE, SIM!

 

Luan desapontava o lápis verde. Coloria dezenas de folhas, na folha de papel branco. Copa de árvores levantadas. Cartaz a favor da natureza.

Enquanto coloria as folhas em tons de verde novo, verde escuro, verde claro, limão, bandeira, primavera, musgo e água, o menino parou e percebeu ter, ali, um grande problema: olhou pro papel, olhou pro lápis...

Quanto mais árvores ganhavam vida em seu cartaz, mais perdiam em lápis e papel.

A reserva: caixa de céus e sóis, de rosas, boninas, terra e breu, ia se minguando a cada árvore salva. [...]

 

(Lápis de cor)

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A caixa de surpresa (trecho)

O menino procurou em gavetas. Mexeu. Remexeu. Não achou nada muito interessante. Procurou no fundo do quintal. Lá onde guardava seus tesouros! Coleção de conchinhas do Mar de Itaparica. Pedras roladas do leito do Velho Chico. Botões de três gerações. Tampinhas históricas do antigo jogo de botões do avô que já partiu...

O menino não conseguiu abrir mão de nenhum daqueles objetos. Eram muito preciosos... O menino pensou, então, em ser mais previsível. Juntou flores do campo. Fez um enorme buquê. O buquê ficou lindo durante algum tempo.

Logo, logo, o menino percebeu que aquela não tinha sido uma boa ideia. O buquê ficou mal humorado. Buquê emburrado. Com saudades da planta mãe... Esse não seria um bom presente.

O menino (que se chamava Victor) catou cristal na trilha de pedras. Guardou, em vidro, o cheiro do capim gordura. Guardou, nos olhos, o azul e preto da borboleta lenta que passou... Guardou na pele, nos cabelos e na roupa o molhado, gelado de espirro de nuvens...

Victor ainda tentou alcançar um arco-íris, que se exibiu no céu como cauda de pavão, mas uma nuvem chegou primeiro e levou o arco colorido para longe...

Naquela altura da tarde, começou a colher raios de sol poente... mas, todos que restavam, brincaram de esconde-esconde atrás das montanhas oeste. Primeira estrela que vejo no céu, vem morar no meu chapéu? Estrela piscou de longe, mas não desceu do céu...

Como era difícil alcançar um presente natural sem ter que gastar moedas do porquinho de barro... Mas, Victor não pensava em desistir.

[...]

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Onde o espelho?

Para minhas irmãs negras
Este cabelo que lhe vai liso sobre a carapinha,
é o simulacro infeliz do que não és.
(Ao vestir-se com a pele do inimigo
o que de ti silencia e se perde?
Quantos animais conheces
que assim o fazem senão para reagir?)

 
Este cabelo pesa desfeito sobre sua carapinha.
Veste-a como um manto impuro
abafando o preto caracolado
sobre si dobrado:
filosófico.

 
Os fios se endurecem como cavalos açoitados,
e bradam da morbidez desta couraça
que te mascara branca.

 
Este cabelo requeimado e grotesco
sepulta o que em ti há de mais belo.
A dobra também é uma forma
de Ser.

(Corretenzas, p. 113)

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Poema-ebó (pelo 20 de Novembro)

Dono das encruzilhadas,
morador das soleiras das portas de minha vida

Falo alto que sombreia o sol:
Exu!

Domine as esquinas que dobram
o corpo negro do meu povo!
Derrama sobre nós seu epô perfumado,
nos banha na sua farofa
sobre o alguidá da vida!

Defuma nossos caminhos
com sua fumaça encantada.
Brinca com nossos inimigos,
impede, confunde, cega
os olhos que mau nos vêem.

Exu!

Menino amado dos Orixás,
dou-te este poema em oferenda.
Ponho no teu assentamento
este ebó de palavras!

Tu que habitas na porteira de minha vida,
seja por mim!
seja pelos meus irmãos negros
filhos de tua pele ébano!
Nós, que carregamos no corpo escuro
os mistérios de nossas divindades,
te vemos espelhado nos nossos cabelos de carapinha,
nos traços fortes de nossas faces,
na nossa alma azeviche!

Mora na porteira de nossa vida,
Exu!
Vai na frente trançando as pernas dos inimigos.
Nos olhe de frente e de costas!

Seja para nós o que Zumbi foi em Palmares:
Nos Liberta, Exu,
Laroiê!

(Correntezas, p.68)

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Negridianos

Para Cuti, Limeira e Guellwaar Adún
Há uma linha invisível,
lusco-fusco furioso dividindo as correntezas.
Algo que distingue meu pretume de sua carne alva
num mapa onde não tenho territórios.

 
Minha negritude caminha nos sobejos,
nos opacos por onde sua luz não anda,
e a linha se impõe poderosa,
oprimindo minha alma negra,
crespa de dobras.

 
Há um negridiano meridiando nossas vidas,
ceifando-as no meio incerto,
a linha é invisível mesmo:
mas nas costas ardem,
em trilhos rubros,
a rota-lâmina destas linhas absurdas que desenhas
enquanto eu não as enxergo.

(Corretenzas, p.71)

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