Uma mãe preta também ama
(Fragmento)

Algumas vezes me quedo pensando nas mães desses meninos pretos que ficam
jogando no asfalto, ou cedo do dia são notícias de jornais, desses bem
sanguinolentos. Penso nessas mães porquê vejo com a clareza do dia a invisibilidade
que as cobre.
A sociedade fala do filho da mãe branca, rica, famosa quando algo lhe acontece, e é
como se só elas sofressem, só elas amassem. Pergunto:
– Por que ninguém pensa nas mães pretas desses meninos e meninas largados no
chão?
Lembro de uma notícia que há anos me impactou, um menino pretinho e lindo na sala
de aula fazendo seu dever foi vítima de bala perdida, uma bala que sabe o corpo que
deve alcançar. Nunca esqueci e até hoje choro lembrando do lápis caindo da sua mão
e o seu corpo para o outro lado. Sempre que posso rememoro essa história real e que
nem o nome da mãe do menino foi mencionado na reportagem. Imaginem a dor dessa
mãe. E mais, se ela não fosse negra nem pobre, será que não teriam falado dela, e a
justiça não estaria ali pronta para atendê-la? Certa de que aquela era uma mulher que
tinha perdido uma parte imensa de si, seu filho.
– Por que quando é uma mulher preta e pobre ninguém nem lembra que tem mãe,
muito menos que essa possa amar seu filho ou filha? Por que?

(In: Escrituras negras III: as pretas também amam, 2022 p. 102-103)