Meu artista preferido
Ela num era assim, eu sei que não!
Antigamente vivia sorrindo. Como eu gosto dos dente dela... branquiiinhos... igual das moças que aparecem na televisão, nas capa de revistas, mais bonitos até. Faz tempo que ela nem mostra mais os dente. Antes, mamãe cantava o dia inteiro; era na cozinha, no tanque, passando roupa. Como era gostoso ver a mãe daquele jeito. Os cômodo eram pequenos pra ela. Agora tá diferente, parecendo velha. A gente nota que ela anda meio esquisita.
De primeiro, num ligava que eu brincasse sozinha pelo corredor ou com as criança dos vizinho. Podia descer as escada e ficar brincando na calçada que num tinha poblema. Agora, não quer nem que eu saia do quarto. Tenho que ficar o dia inteiro aqui dentro. Só vejo a rua pela janela – inda bem que é grandona – e já tô cheia de brincar com as buneca e ver televisão. Quando reclamei, mamãe disse que num era bom pra mim ficar solta nesse curtiço fedorento. Foi a primeira vez que ouvi ela falar assim da nossa casa e acho que se algum vizinho escutasse não ia gostar.
É um casarão tão bonito! Só que tá meio velho. As parede com tijolo aparecendo, sujas e com a cor gasta. Tem umas porta grande, que terminam fazendo uma curva em cima, igual porta dos castelo que eu vejo nas revistinha e nos desenho. Os vidro das janela tão quase tudo quebrado, mas as tábua não deixam entrar chuva e depois, mora tanta gente aqui, tanta criança! Fedorenta eu sei o que é; ela não me explicou o que quer dizer curtiço. Deve ser um negócio feio, mas eu num acho nossa casa feia. Gosto de correr por esses corredor escuro e agora tenho que ficar no quarto inventando coisas, vendo tevê ou olhando pra cara desses artista na parede.
Nem isso ela faz mais. Pregar fotografia de artista na parede. Também, tem tanto! O Tarcísio, o Jerry, Elvis, a Regina, a Betty, a Sandra, Roberto... Se for dizer o nome de todos, fico cansada. Meu preferido é o Ney. Sô fã dele.
Mas que tá esquisita, isso tá! Gozado. Pensando bem ela num se importou muito com as novela nesses dias. Ficou parada em frente da tevê como coisa que tivesse assistindo, mas eu reparei os zóio dela e eles tavam parados quiném os do Seu Mané Cego.
Ela num era assim, eu sei que não. Depois daquela noite, quando uns home de revólver e espingarda quase derrubaram a porta e levaram papai embora, ela foi ficando cada vez mais triste.
Levei um bruta susto. Primeiro, foi as pancada na porta e os grito chamando meu pai. Ele deu um pulo e, de joelho, abraçou a mamãe que tava na outra cadeira. Um abraço bem apertado igual nas novela. E os home batendo aos grito. Então, sem largar da mamãe, meu pai falou alto que eu ia abrir; que pelo amor de Deus entrassem com calma pra não me machucar que era pequena e que ele num tinha nenhuma arma. Que esperassem um pouco pelo amor de Deus. Fez sinal pra mim com o dedo e continuou abraçado. Assim que eu abri a porta e eles viram meu pai lá, daquele jeito, vuô todo mundo em cima e sairam arrastando ele, aos tranco. Nós duas nem dormimo aquela noite. Mesmo que quisesse eu num podia. Fiquei a noite inteira ouvindo os suspiro fundo que ela deixava escapar de vez em quando e sentindo na cama os seus soluço. Quando perguntava, ela dizia que o papai tinha ido viajar com eles, que logo-logo ia voltar. Eu duvido muito. Já faz bastante tempo que isso aconteceu e ele ainda tá viajando. Uma história mal contada, mas como a mamãe anda muito triste, resolvi não especular mais. O pobrema é que de lá pra cá ela tem se matado no trabalho. Conversa pouco. Tem pouca paciência comigo. Penteia meu cabelo e faz coquinho de qualquer jeito. Ralha por besteira. Deixou até de cantar! Tá cumas roda roxa em volta dos zóio, parece que levou murro; quiném acontece nos desenho. As roupa relaxada, frouxa em cima do corpo. De quando em vez pegava ela com as mão na cabeça, escorada nas parede ou então sentada e fazendo a mesa de travesseiro. Bem que eu desconfiei que ela tava doente, mas quando queria saber o que ela tinha, mamãe dizia que era nada, coisa passageira.
Ela num era assim. Vivia sorrindo. Cantava o dia inteiro. Num perdia um capítulo das novela. O grande amor dela é o papai e depois dele, homem pra mamãe é o Tarcísio. Quando ele aparece na televisão, as sombrancelha dela quase encosta nos cabelo. Ontem, quando foi deitar mais cedo sem ver a novela do Tarcísio, eu achei que a mamãe não tava legal e agora, de manhã, ela continua aí, deitada. Já chamei, chacoalhei e ela num responde e nem se mexe. Tá tão fria. Num sei o que acontece. Também num sei onde ela guardou a chave da porta. Acho que vou trepar numa cadeira, abrir a janela e gritar pra ver se alguém lá fora me ajuda, porque eu já pedi pro Tarcísio e pro Ney e eles só sabem ficar lá na parede, sorrindo.
(Fogo cruzado, p. 59-61)