“A escravidão, encarada pelo lado dos costumes, é vulcão a deitar torrentes de imoralidade no país onde existe nas condições nossas.

Considera-se a pouca instrução religiosa dos escravos, que sobre serem em grande parte de boçal rudeza, poucos desvelos recebem de seus senhores neste particular; considere-se a liberdade com que vivem na mesma casa e fazenda escravos dos dois sexos, de si propensos ao mal, e sem nenhum resguardo que os defenda dele; que ou por força das circunstâncias, ou por negligência dos senhores vivem sequestrados dos Sacramentos da Igreja, da Missa, das práticas e de outros meios, com que os homens escassamente se amparam contra os assaltos das paixões; ajuntem-se mais as tentações continuas entre senhores e escravas, achando aqueles no domínio azo para o abuso e a violência, e diminuindo nestas a sujeição às forças para a resistência; ajuntem-se a cobiça dos donos interessados, e talvez empenhados nas desordens das escravas, porque com frutos criminosos aumentam a fazenda e a riqueza, e faremos ideia de quão poderosa agente é a escravatura para estragar os costumes de um povo; pois a vista contínua dos maus exemplos de escravos e senhores acostuma os ânimos das crianças e dos adultos com os escândalos, desata-lhes o pudor, e os dispõe a praticar sem pejo o que viam sem reprovar desde os mais tenros anos. Donde procede ser o Brasil um dos países, em que menos se estranha a imoralidade pública, onde os que afrontam em manifesta mancebia e prostituição o respeito devido às famílias, acham nelas ingresso franco, e são tratados com os mesmos sinais que as pessoas de costumes puros”.

(In: SOUZA, D. Joaquim Silvério de. A vida de Dom Silvério Gomes Pimenta. São Paulo: Lyceu Coração de Jesus, 1927, p. 51.)

 

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