Na beira do rio tem pedras negras, paraíso do vale, puraqué, e é onde mora o menino.
Também moram lá, a mãe, os irmãos, os vizinhos, seu Izidoro da Tarrafa e muitas, muitas piabas. Sem falar nos borrachudos e mutucas em época de vazante.
Na corrente do rio Guaporé moram os ruídos, os bichos e aquele cheiro do vaivém das águas.
No seu reino, o menino é um príncipe. O menino príncipe não para!
De manhãzinha, no olhinho do abacateiro, ele colhe os maiores abacates para vender.
Eita, menino! Já é tempo de laranjas também. E a verde laranjeira vira balanço, oferecendo seus frutos na saborosa brincadeira.
O olhar cuidadoso da mãe alerta:
-- Pé de laranja tem espinho, menino! Já chega. Venha, vamos ensacar as frutas!
E lá vai ele, o menino príncipe com a mãe rainha, em comitiva, para o comércio no paraíso.
-Compra laranja, senhor!
--Hei! Senhora! Quer comprar abacate?
-- O abacate é do bom! Sem fiapos.
O príncipe grita sorridente do alto de seu precioso trono materno. Ele está feliz da vida ao oferecer ao povo a riqueza de seu quintal.
O menino príncipe e seus irmãos acordam cedinho para dar conta do reino. Conhecem todos os lugares. Sabem de todos os mistérios e tesouros.
Eles sabem dos segredos da fortaleza; dos ninhos dos pássaros na goiabeira, no abacateiro, na laranjeira e no mato; dos pés de frutas e atalhos no caminho da escola.
Conhecem a pescaria do dia e da noite. Sabem dos bichos do Gapó1, da Baía2 e do Garapé3. Eles pescam com linhada, anzol e massa de pão. Primeiro pegam as piabas para depois embarcar carás, pacus, piaus, piranhas, tucunarés e até mandis que desanimam a pescaria.
Sabem também dos ovinhos de osga escondidos lá a brecha de parede do quarto e fogem como ninguém da veloz caba igreja4.
GAPÓ1: TRECHO DE FLORESTA COM ÁGUA ESTAGNADA EM DECORRÊNCIA DO TRANSBORDAMENTO DE RIOS.
BAÍA2: PEQUENO GOLFO, DE BOCA ESTREITA, A QUAL SE ALARGA PARA O INTERIOR. LUGAR DE PROCRIAÇÃO DE BOTOS E OUTROS BICHOS.
GARAPÉ3: IGARAPÉ, PEQUENO RIO, ÀS VEZES NAVEGÁVEL.
CABA IGREJA4: NOME POPULAR DAS VESPAS QUE CONSTROEM SUAS CASAS, EM FORMA DE CONE, NA PARTE SUPERIOR DAS PAREDES DAS CASAS ELA VOA COM O ABDOMÊM INCLINADO VERTICALMENTE, APONTANDO PARA O CÉU, COMO AS TORRES DAS IGREJAS.