Toda a vez que Conceição e sua família iam a uma festa do Congado, já sabiam: era hora de o bebê, ainda na sua barriga, divertir-se e participar da alegria do encontro. O ritmo do coração dele mudava de acordo com a música e a energia do lugar. Ele até parecia seguir o som dos tambores!

Se, em um outro dia, eles iam a um samba de raiz, acontecia a mesma coisa. A música começava, o pandeiro tocava, o violão soava e o coração do bebê acompanhava de forma compassada.

Isso virou festa na família: no final de semana, eles se divertiam ouvindo o pai tocar saxofone. José era considerado o saxofonista com o ritmo mais melodioso da cidade. Ele era conhecido como “Zé dos Passos do Sax”.

De pé, no meio da sala, José tocava os ritmos musicais mais variados: jazz, blues, chorinho, pop, samba e tantos outros. E lá também estava o bebê, mexendo na barriga da mãe e vibrando com o coração animado. Parecia até que ele dava uns pulinhos.

Nesse momento, Conceição protestava:

– Agora já deu! Não quero ter bebê antes dos nove meses!

O tempo passou... A barriga de Conceição cresceu ainda mais até que se completaram os nove meses e ... o bebê nasceu! Era um menino.

 

****

De repente, o coração do bebê mudou de ritmo. Ele bateu, aos pulinhos, no compasso de um samba de raiz que o pai costumava a tocar para ele.

– Você sentiu? – perguntou a mãe.

– Senti, sim. É a nossa música, não é? – respondeu José emocionado.

– E o nome? Esse garotão já tem nome? – perguntou o médico.

– Evandro! – disse José com alegria. Ele vai se chamar Evandro Passos. O nome combina com o seu coração compassado e o ritmo do meu sax.

– Vejam só que convencido! – disse a mãe sorrindo.

(...)

(O menino coração de tambor, s/n)

 

 

***

 

– Ai! Ui! Vó! – reclamava a menina.

–Que é isso, Betina? Estou penteando com tanto cuidado! Seguro cada montinho de cabelo bem perto da raiz e ainda uso um pente de madeira com dentes grossos. Então, deixa de manha! – ralhou a avó.

– Eu sei, vó! Mas, mesmo assim, dói! Ainda bem que, depois do penteado pronto, eu me sinto bem! – disse a menina, com cara de levada.

– Oh, minha querida! Apesar de saber que não tem jeito de evitar uns puxõezinhos a vovó penteia o seu cabelo com muito carinho – a avó falava devagarzinho... devargazinho... parecia música.

O dia de fazer penteado novo era especial. A avó tirava as tranças ou o coque antigos, lavava o cabelo da neta, passava creme para desembaraçar, desembaraçava, lavava de novo e secava com a toalha. Nessa última etapa, o cabelo já não tinha mais creme. Uma dica: o segredo para um bom trançado é deixar o cabelo bem limpinho e sem creme. Evita caspa e facilita o manusear dos fios.

Depois de todas essas etapas, avó sentava-se em um banquinho, colocava uma almofada para Betina sentar-se no chão, jogava uma toalha sobre os ombros da menina, dividia o cabelo em mechas e ia desembaraçando, penteando e trançando uma a uma, com uma rapidez incrível.

Enquanto trançava, avó e neta conversavam, cantavam e contavam histórias. Era tanta falação, tanta gargalhada que o tempo voava! E, no final, o resultado era um conjunto de tranças tão artisticamente realizadas que mais parecia uma renda.

(Betina, p. 6)

 

 

***

O tempo passou ainda mais (êta tempo que voa, né?). A avó de Betina foi se encontrar com os ancestrais e Betina tornou-se uma mulher adulta e com energia contagiante. Mas, além de crescer, a nossa Betina-menina-trançadeira virou Betina-mulher-cabeleireira. Ela montou um salão de beleza que cuidava, trançava e penteava todos os tipos de cabelos e de todo tipo de gente. Mas o seu salão tinha algo especial: era um dos poucos na cidade que sabia pentear e trançar com muito charme e beleza os cabelos crespos.

O salão ficava cheinho de gente e Betina precisou empregar muitas pessoas para ajudá-la no trabalho. Afinal, era tanta gente que ela sozinha não conseguia cuidar de tudo. No dia a dia do salão, Betina corria pra lá, corria pra cá, trançava, penteava, atendia ao telefone, conversava com todo mundo, sempre alegre e com as bochechas sorridentes, como era desde criança. O salão foi se tornando um lugar muito legal de se ir e de conviver e, aos poucos, Betina ficou conhecida por muita gente, dentro e fora da sua cidade e imagina... até fora do país.

Quem passava pelo salão da Betina saía de lá com os cabelos bem tratados, com penteados diferentes, tranças criativas e cheios de energia boa! Parecia mágica!

Betina pensava: “Se minha avó estivesse aqui, ela ia ficar orgulhosa!”, e os seus olhos derramavam lembranças.

(Betina, p. 18)

 

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