Das Dores

(Fragmento)

 

 

Jeovânia P.

 

 

Das Dores olhou para o espelho, um desses espelhos retangulares, bem compridos, que permitem que a gente se veja dos pés à cabeça. Mirando aquela imagem, ela viu bem mais do que como a roupa lhe caia, ou seus pequenos defeitos físicos. Ela estava ali tentando enxergar seu eu, o que a tornava aquela mulher Das Dores.

 

Foi naquele momento que ela refletiu o ato de ser mais do que ela mesma, e percebeu que, ela é ela e todas as outras que vieram antes dela. Essa observação a fez rememorar as pretas que lhe antecederam.

 

Lembrou que sua mãe lhe falava da tataravó, que por sua vez é pentavó de Das Dores. Aina uma preta que veio da mãe África, lá da tribo Zulu, da Nigéria. Seu povo por origem era resistente à escravidão, e Aina, não era diferente. Aina, aquela que nasceu com o cordão umbilical amarrado no pescoço, só que essa não foi a única coisa que lhe prendeu.

 

Sua tribo foi escravizada pelos holandeses, uma parte, é claro, morreu, Badu, sua filha também morreu, mas essa não foi pelas mãos daqueles exploradores.

 

(In: Escrituras negras IV: nossa ancestralidade, 2023, p. 34)