Luanda Martins Campos nasceu em São Luís do Maranhão em 11 de outubro de 1981 em uma família quilombola vinda do interior do estado. Foi na família materna, composta pelos quilombos do Damásio (em Guimarães) e São Sebastião (em Central do Maranhão), que constituiu sua identidade enquanto mulher negra quilombola na urbanicidade de São Luís. É militante do movimento negro no Maranhão desde seus 21 anos, atuando inicialmente no Grupo de União e Consciência Negra (GRUCON) e posteriormente no Movimento Hip Hop Quilombo Urbano, onde atua até hoje.
Sua formação acadêmica se entrelaça com a militância e identidade. Graduada em Pedagogia em 2005, sempre pesquisou a oralidade de base africana como metodologia educativa ancestral. Sua inspiração para isso, as conversas com sua avó materna, Bá e as memórias da família.
É doutoranda em História e Conexões Atlânticas: Culturas e Poderes (PPGHIS/UFMA), mestra em Gestão de Ensino da Educação Básica (PPGEEB/UFMA). Especialista em Política de igualdade racial no ambiente escolar (UFMA), Especialista em Psicologia da Aprendizagem (UEMA); Especialista em Docência Superior (Uniasselvi); e Especialista em Gestão e supervisão escolar (Faculdade Santa Fé). Professora dos Anos Iniciais da Rede Municipal de Educação de São Luís-MA. Integrante do Grupo de Estudo, Pesquisa e Investigações Afrobrasileiras (GIPEAB/UFMA) e membra do AFRO, Núcleo de pesquisa, formação e difusão sobre a temática racial do Centro Brasileiro de Análise e Planejamento (CEBRAP).
Realiza pesquisas na área da educação das relações étnico-raciais; ensino de história e cultura afro-brasileira e africana para crianças, oralidade de base africana e formação docente.
Atuou entre 2021 a 2023 na Licenciatura interdisciplinar em Estudos Africanos e Afro-Brasileiros (LIESAFRO) na UFMA como professora substituta, lecionando as disciplinas pedagógicas com um currículo afrorreferenciado.
Lançou seu primeiro livro infantil em 2022: Na casa da vó Bá. Nos anos seguintes, publicou No balanço da Kyanda, na pungada da coreira (2023) e Ayana e as flores de herança (2024). Caracteriza sua escrita enquanto Literatura Negra para as Infâncias e a produz de forma independente, priorizando a parceria com mulheres negras nas ilustrações.
É contadora de Histórias Pretas desde 2017, levando para escolas, quilombos, terreiros e praças no estado do Maranhão, histórias africanas e afro-brasileiras acompanhadas de bonecas negras que ela mesma produz, além de canções e instrumentos musicais para vivência.
É voluntária do Projeto de Extensão “Identidade e Pertencimento” do Instituto Federal de Educação, Ciência e Tecnologia do Maranhão (IFMA) campus Itapecuru-Mirim desde sua criação em 2017, em que atua nas ações de contação de histórias para crianças quilombolas e formação para profissionais da educação do município de Itapecuru-Mirim. O projeto atua com oficinas ofertadas nas comunidades quilombolas do território onde a instituição está situada a partir das demandas apresentadas em diálogo com a instituição.
Em 2025 recebeu Menção Honrosa no “Prêmio Luiz Alves Ferreira – Luizão, de Promoção à Diversidade e Combate à Discriminação” por sua parceria nas ações do Comitê da Diversidade do Tribunal de Justiça do Maranhão.
Depoimento
Visão de mundo
Sou uma mulher negra, mãe, professora, moradora da periferia de São Luís. Minha infância ainda está presente em minha memória e em quem sou. O que faço enquanto mulher e militante é resultado da formação no seio de uma família quilombola que mantém estratégias ancestrais para a manutenção da sua memória. Fui criada por vó. E isso faz toda diferença. O afeto através das histórias e práticas culturais do seu tempo, do seu território, do seu modo de falar e de entender as novidades e modernidades, são traços que me trouxeram até aqui e me devolvem a um passado em que não estive, mas reverencio.
Assim, compreendo que minha função política enquanto educadora, militante e escritora da literatura para as infâncias está no olhar crítico e emancipador que ponho sobre o que produzo. Entendo a tradição oral de base africana como epistemologia ancestral, pois apresenta conceitos e práticas educativas capazes de manter viva a memória coletiva. Não à toa, o gatilho para meu início nos estudos sobre a oralidade se deu a partir das conversas com minha vó Bá, onde ela relembrava suas brincadeiras de infância. Eu perguntava como conseguia lembrar de todos os detalhes e ela me respondia apenas com um sorriso de quem nem precisasse falar para explicar. Amadou Hampetè Bà conseguiu me responder e eu, enfim, consegui interpretar esse sorriso leve de lembrança. Quando ele disse que precisamos não só ver e ouvir, mas sentir as histórias, experimentar os ambientes para que os cheiros, cores, vozes, sabores fiquem cravados em nossa memória e em nosso corpo.
Acredito que o processo de reparação ao povo negro deve perpassar pelo respeito às infâncias e às ancianidades, tomando a memória como elo de religação com as identidades marginalizadas pelo racismo.
Projeto estético/ideológico – Literatura Afro-brasileira?
A literatura brasileira tem uma enorme responsabilidade no processo de reparação histórica ao povo negro e no combate ao racismo, visto que surge com propósitos racializadores. Por isso, defendo a escrita negra engajada e de reverência às memórias africanas e afro-brasileiras, especialmente as memórias quilombolas. Caracterizo minha escrita literária enquanto Literatura Negra para as Infâncias, seguindo o conceito de Cuti, sobre a escrita emancipadora que denuncia ao mesmo tempo que afaga e afeta (no sentido de tocar as subjetividades) num diálogo transgressor. Esta literatura, quando reverbera nas infâncias, garante a atenção e cuidado para manutenção da nossa história. Como a tradição bantu nos ensina, “cada criança é um sol para sua comunidade e todos são responsáveis por ela”.
Papel da literatura e da arte
Dividir a escrita acadêmica com a escrita literária para as infâncias é uma estratégia de luta, compreendendo e valorizando o lugar histórico de cada pessoa negra da infância à ancianidade. Acredito que nossa função na literatura deve ser política, mas também afetuosa. Deve denunciar, mas também afagar nossas memórias. Por isso, escrevo o que sinto e o que carrego na memória que foi constituída coletivamente com carinho de vó, encontrando assim, outras infâncias de ontem e de hoje que precisam ser abraçadas e encantadas com sua própria história.
Avaliação aplicação da Lei 10639
A qualidade da educação básica perpassa pelo debate racial. Ainda há muito o que alcançar, visto que as desigualdades ainda são base da sociedade brasileira. Mas temos visto, a partir da segunda década de Lei 10.639/2003, respostas satisfatórias à sua implementação. O aumento de pesquisas no campo da educação e literatura, por exemplo e a criação de cursos de graduação, pós-graduação e de aperfeiçoamento, a exemplo do Maranhão, onde temos a Licenciatura Interdisciplinar em Estudos Africanos-LIESAFRO/UFMA, criada em 2015 e o Programa de Formação Docente para a Diversidade Étnica – Proetnos/UEMA, criado em 2016. Também, a crescente valorização das editoras especializadas e dos autores e autoras independentes.
Temos então, apesar dos embates e ataques à nossa emancipação enquanto povo negro brasileiro, acredito que temos, na segunda década da Lei, uma avaliação positiva. E que ainda há muito o que trilhar e defender para que nossos territórios físicos e subjetivos permaneçam vivos e livres.
Participação no Movimento Hip Hop Quilombo Urbano
Iniciei minha militância no hip hop maranhense no ano de 2006, ano da 1ª Marcha da Periferia. Para situar, essa marcha foi idealizada com o intuito de dar fim à guerra interna na periferia de São Luís. A cidade passava a acompanhar, todo mês de novembro, em suas principais ruas do centro, jovens de bairros rivais (das antigas gangs), segurando a mesma faixa produzida por eles através da arte do grafite. Zumbi dos Palmares, símbolo de unidade de luta e mobilização para a emancipação, estampava camisas, assim como fotos e frases de Malcon X, Angela Davis, Preta Anastácia, entre outras referências.
Entrei no Movimento pelo Núcleo de Mulheres Preta Anastácia, que tem a função de não só manter as mulheres unidas no hip hop, mas também avaliar e interpor as ações machistas do movimento. Foi nas rodas de conversa e grupos de estudo que saíram as primeiras letras de rap que, unindo a experiência anterior, me possibilitou contribuir com o movimento em ações educativas. Uma dessas ações mobilizadas por nós, foi o projeto Yabás da Perifa, onde, em cada edição, estávamos em um bairro periférico, dialogando com mulheres temas relacionados às características das yabás.
Como o movimento construiu essa identidade política? É preciso conhecer um pouco da história para compreender porque nossas ações, por mais simples, se tornam essenciais para a luta coletiva.
O Movimento Hip Hop Quilombo Urbano é uma organização política e artística surgida em 1992 em São Luís, capital do Maranhão. O processo de surgimento deste movimento se dá em conjunto com as mobilizações da classe trabalhadora por meio dos sindicatos, partidos e movimentos sociais que se reuniam no centro da cidade para realização de atos e mobilizações grevistas. Num período de crescimento populacional causado pela expropriação territorial no interior do estado (especialmente quilombos), além da implementação de grandes empreendimentos na capital e da falta de políticas públicas para setores marginalizados da sociedade capitalista, vê-se a intensificação do processo de “periferização da grande ilha, como afirma o professor Rosenverck Santos, militante do Quilombo Urbano e pesquisador do hip hop enquanto experiência de educação popular.
Era na praça que alguns jovens estudantes ou que haviam abandonado os estudos se reuniam para realizar concursos de break ou apenas ouvir rap. Em meio às mobilizações, estes jovens, se aproximaram dos discursos e das lutas defendidas ali.
Um marco para a criação do movimento foi a aproximação com o saudoso Magno Cruz, representante do Sindicato dos Urbanitários e militante fundador do Centro de Cultura Negra do Maranhão (a organização negra mais antiga em atuação no estado). Foi Magno Cruz que levantou questionamentos sobre a função política do hip hop e sua contribuição histórica na mobilização da juventude negra dos Estados Unidos até o Brasil.
A prática artística do movimento reproduz o discurso político socialista em defesa dos territórios e na unidade de luta com a classe trabalhadora. E, a cada geração, o movimento atua de forma diferente para dialogar com a juventude, garantindo que nosso propósito político seja alcançado.
Sobre a produção editorial de forma independente
Ser escritora negra que aborda elementos da sua negritude ainda não é uma tarefa fácil, além do mais distante dos grandes centros editoriais do país. Mas, assim como adequamos nossa prática militante a cada geração, encontrei no processo de autopublicação, uma alternativa de fazer a transposição do que discuto na universidade, nos textos acadêmicos para o público geral, numa linguagem popular que atendesse especialmente às infâncias. Assim, inicio minha escrita independente a partir da utilização de plataformas de autopublicação na internet.
Escrever de forma independente significa se responsabilizar por todo o processo editorial, desde a leitura crítica até as vendas. Um ponto importante dessa prática é o cuidado com a qualidade não só do produto, mas do conteúdo para não cometer equívocos ou reforçar estereótipos. Sempre pontuo isso para que não pensem que qualquer pessoa pode publicar o que quiser sem uma avaliação prévia.
Meu texto literário é voltado para as infâncias e abordo temas que fazem parte dos meus estudos acadêmicos, mesmo assim, peço a leitura e revisão de quem também está engajado.
As plataformas de autopublicação são uma “mão na roda” de quem não tem fundos para garantir a compra de lote em editora tradicional. Através da impressão sob demanda, é possível definir a quantidade de exemplares de acordo com seu orçamento ou realizar apenas a venda online entre comprador e gráfica, facilitando a circulação da obra sem custos para quem a publica. Contudo, nesta modalidade de publicação, contamos com algumas desvantagens, como por exemplo: nem sempre conseguimos um bom material de capa e o valor unitário é bem mais alto do que a compra em lote de gráfica tradicional.
Mas, o fato de ser uma alternativa que facilita a circulação, atrai muitas pessoas que desejam ver suas memórias e ideias circulando pelo Brasil e pelo mundo, diversificando ainda mais os temas literários e emergindo linguagens e identidades antes marginalizadas dos circuitos culturais.
A respeito da opção por ilustradoras negras
Tento demarcar minha escrita enquanto “feita por mãos negras maranhenses”. No primeiro livro, Na casa da vó Bá, como ainda estava conhecendo o processo de autopublicação, terceirizei todo o processo, inclusive a ilustração. A partir do segundo, me arrisquei a administrar as etapas, contando com mulheres negras maranhenses tanto na revisão quanto na ilustração. Uma parceria que tem dado certo. São mulheres que também vêm do hip hop e aliam seus elementos às suas práticas profissionais.
Claudimar Durans, professora do campo das Letras e da História, pesquisadora do hip hop e uma das primeiras membras do Núcleo de Mulheres Preta Anastácia, é quem lê e revisa meus textos. Habynikawa Adriana, Psicóloga e Filósofa de formação, mas grafiteira de vocação é quem ilustra os livros No balanço da Kyanda, na pungada da coreira e Ayana e as flores de herança. Assim, considero que seja um processo artesanal, pensando nas mãos que o fazem.
Depoimento a Wellington Marçal de Carvalho
São Luís, junho 2025
PUBLICAÇÕES
Obra individual
Na casa da vó Bá. São Luís: Edição da Autora, 2022. (Infantil).
No balanço da Kyanda, na pungada da coreira. São Luís: Edição da Autora, 2023. (Infantil).
Ayana e as flores de herança. São Luís: Edição da Autora, 2024. (Infantil).
Antologias
Aiwê! Aiwê!. In: CANDA, João. Coletânea de contos africanos - práticas de um processo criativo. 1º ed. São Paulo: Literáfrica, 2020, v. 1, p. 51-59.
CAMPOS, Luanda; D’OFÁ, Pietra; DURANS, Nicinha; NASCIMENTO, Elisabete; NOGUEIRA, Sônia; RODRIGUES, Alberto; PEREIRA, Goreth. (Re)Existências: historicidade e militância: Monumento à diáspora africana no Maranhão. 1º ed. São Paulo: Quereres Edições, 2023.
Não ficção
Seguindo os passos dos griôs: a oralidade como instrumento metodológico para o ensino da História e cultura afro-brasileira e africana para crianças na Unidade de Educação Básica (UEB) Tancredo Neves – ISEMA. Dissertação [Mestrado em Gestão de Ensino da Educação Básica]. São Luís: UFMA, 20... Disponível em: https://tedebc.ufma.br/jspui/browse?type=author&value=CAMPOS%2C+Luanda+Martins.
Raça, território e formação docente: dilemas no atendimento à primeira infância. In: Nexo Jornal. Disponível em: https://pp.nexojornal.com.br/opiniao/2025/02/10/raca-territorio-e-formacao-docente-dilemas-no-atendimento-a-primeira-infancia.
Luanda Martins Campos e Kellyni Fernanda Mota. Bonecas negras na escola: do estereótipo de assombração à práticas emancipatórias. In: Nexo Jornal. Disponivel em: https://pp.nexojornal.com.br/opiniao/2023/06/02/bonecas-negras-na-escola-do-estereotipo-de-assombracao-a-praticas-emancipatorias.
ÁFRICA E TRADIÇÃO ORAL: Contribuições teórico-metodológicas para o ensino de história e cultura africana e afro-brasileira na educação básica. In: Periódicos eletrônicos UFMA. Disponível em: https://periodicoseletronicos.ufma.br/index.php/kwanissa/article/view/19611.
Capítulos de livros
(Re)Existências: historicidade e militância (Org.). Monumento à diáspora africana no Maranhão. 1º ed. São Paulo: Quereres Edições, 2023.
Infância, ancestralidade e individualidade negra: diálogo para uma educação antirracista. In: Cristiane de Castro Ramos Abud. (Org.). Diversidade cultural e diferenças na escola. 1 ed. Santa Maria: Arco Editores, 2022, v. 1, p. 41-57.
História e cultura afro-brasileira e africana em sala de aula: estado da arte das dissertações da região nordeste no período de 2016 a 2018. In: Adomair O. Ogunbiyi; Ana Valéria Lucena Lima Assunção; Antonio de Assis Cruz Nunes; Clenia de Jesus Pereira dos Santos; Ilma Fátima de Jesus; Luanda Martins Campos; Lucileide Martins Borges Ferreira; Luis Félix de Barros Vieira Rocha; Rosangela Coêlho C. (Org.). NEGRITUDE EM MOVIMENTO: (re) construindo percursos de luta e resistência. 1ed. São Luís: EDUFMA, 2022, p. 249-271.
TEXTOS
Luanda Martins Campos - Textos Selecionados
Luanda Martins Campos - Aiwê! Aiwê!Luanda Martins Campos -
(Re)Existências: historicidade e militância
CRÍTICA
Escritora maranhense reconhece escrita para vencer as amarras do racismo - Aquiles Emir
Afeto e memórias na história de Luanda Martins
Podcast Resenha. Livro Na casa da vó Bá
FONTES DE CONSULTA
MENEZES, Leandra Luiza Gomes de; VIANA, Joselma Santos; SOUZA, Bruna Alves; SANTOS, Clenia de Jesus Pereira dos. Reflexões acerca das representações étnico-raciais da infância no contexto da obra literária Na casa da vó Bá. In: III WORKSHOP GEPEID - Cidade Universitária São Luís, 2024. Disponível em: https://grcmlesydpcd.objectstorage.sa-saopaulo-1.oci.customer-oci.com/p/OQwcvnO-c63O08Gc2Kv4OTbJttj5ik60dguiDIyyQ0wuo5SWn-jHOLW9wNbylNqI/n/grcmlesydpcd/b/dtysppobjmntbkp01/o/media/doity/submissoes/artigo-d8f402a1d8431aca316960336a27340a5f3f7b11-segundo_arquivo.pdf.
VIANA, Joselma Santos. Tira, põe, deixa ficar, guerreiros com guerreiros fazem zigue-zigue-zá: a literatura afro-brasileira na educação infantil iremos divulgar. Revista Multidebates, v. 8, n. 2, p. 85-94, 2024. Disponível em: https://revista.faculdadeitop.edu.br/index.php/revista/article/view/800.
LINKS
Programa Toda Mulher TV Assembleia: Entrevista
Minicurso Oralidade de base africana ministrado no canal youtube do IFMA campus Itapecuru-Mirim
Podcast "Tô dizendo" portal Imirante: Entrevista
Programa sala de entrevista TV UFMA: Entrevista
Canal youtube. Contação de histórias e Lives