O que não dizia o poeminha do Manuel:

Irene preta!
Boa Irene um amor
mas nem sempre Irene
está de bom humor

Se existisse mesmo o Céu
imagino Irene à porta:
– Pela entrada de serviço – diz S. Pedro
dedo em riste
– Pro inferno, seu racista – ela corta.

Irene não dá bandeira
ela não é de brincadeira

(Cadernos Negros 15, p. 64)

 

 

Viver outra vez

Com o solzinho da tarde, ela entrou no apartamento. Sábado.

– A entrevista, lembra?

Olhou as roupas espalhadas, móveis empoeirados e ele desculpou-se:

– Poucos vêm aqui. Achava que minha próxima visita seria a morte.

Observou-a. Pequena, inquieta, mãozinhas curiosas nos discos e livros. Depois, pernas cruzadas – gravador ligado – murmurou, voz rouca:

– O terreiro do bairro quer fazer um trabalho sobre memória.

Ele, aborrecido, negou depoimento. Tentava esquecer o passado – fantasma que se escondia sob a cama.

– O senhor ajudou a fundar associações, a desmascarar a ideologia da falsa democracia racial - ela insistiu.

Um dia fora professor. Mas ela não sabia que agora não era mais nada? Que, há algum tempo, o coração vinha ameaçando parar?

– Minha filha, esqueça-se de mim.

Com o esforço de levantar-se arregalou os olhos. Ela assustou-se:

– Que foi? – Tonturas, já passa. Caiu, sem dizer mais nada.

 

Apavorada, ela procurou vizinhos. Um taxista veio. Gordo, dirigia com a barriga encostada ao volante. No pronto-socorro lotado, brigaram para serem atendidos. Um jovem médico os recebeu, perguntando:

– Seu pai? É só pressão um pouco alta. Vocês da raça negra são muito sujeitos a ter hipertensão.

Receitou maleato de enalapril e mandou-os embora.

Na volta, no táxi, ela ouviu-o, voz trêmula de velho, sussurrar "obrigado".

– Por fazer o senhor ficar nervoso – sorriu –, ir para o hospital?

– Por se preocupar comigo. Sabe, já estou no fim...

Ele olhou pela janela do carro. Viu crianças sem camisas jogando futebol nas ruas.

– Só não pensei – continuou – que fosse terminar viúvo, sem filhos, aqui, neste bairro, que é quase outra cidade. Quem povoou Perdizes, Bela Vista? A negrada. Minha família sempre morou lá.

– Nasci aqui – ela afirmou. – É legal. Um pouco perigoso, ultimamente. Uns amigos morrendo por causa de drogas. Dezesseis, dezessete anos. Não lhe parece que existe um plano para exterminar nosso povo?

O que o tocou, quando ela ergueu o rosto e fitou-o? Os olhos úmidos? Quase menina, tão preocupada com sua gente. Queria dizer-lhe para não se iludir, mas a frase ficou presa dentro do peito, mesmo quando ela voltou outras vezes, depois do trabalho, para ver como estava. Um dia chegou, tirou o walk-man, passou os dedos nos móveis e exclamou:

– Tem tanto pó! – Foi acumulando com as decepções – ele brincou.

No dia seguinte, de bermudas, coxas roliças à mostra, ela espanou, varreu. Não podia ver nada envelhecer? Pensava, com a alegria de menina, em remoçá-lo? Num domingo, chegou com discos:

– Racionais, conhece? Bom pra caramba.

Ouviu e gostou. Parecia escutar a si mesmo nos versos dos raps, rapaz crescendo revoltado nos cortiços do Bixiga. Mas o que a moça queria, enchendo o lugar com música, verificando se comia direito, arrumando as camisas no guarda-roupa?

– Vê-lo recuperar-se – ela dizia. – Já está mais moço.

Acreditava no poder de cura de mãos movidas por carinho. Deu-lhe as suas e levou-o a bares onde pagodeiros punham a alma para percutir os instrumentos. Dançou com ele, sob olhares curiosos, diferentes daqueles que os vizinhos lhes dirigiam, quando passavam nas ruas, mãos entrelaçadas. Ouvia-os dizer: Podia ser sua filha, que sem-vergonha.

Ela nem ligava. O velho mais desiludido tornava-se o mais animado. O homem que ajudara seu povo a se organizar despertava, às vezes, no trovão da gargalhada. Mas, num sábado, tristezas de outrora emergiram no poço dos olhos. Ao vislumbrá-las, fez de tudo para levá-lo à praia. Pularam sete ondas, despachando as coisas ruins que pesavam nos ombros. Gotas de água em seus cabelos eram minúsculos sóis. Deitadinhos na areia, contou a ele sobre o pai, disse que jamais o conhecera. Os olhos marejaram, uma sombra passou por seu rosto. Então, mudou de assunto e puxou-o para brincar na água.

Voltaram da viagem à noite. Entraram no pequeno apartamento rindo de tudo, de nada. Dono ainda de olhos tristes, mas animado. Bateu-lhe no peito sem feri-lo. Acariciou sua carapinha. Depois, olhou-o durante um bom tempo e beijou sua boca sorridente. Idade pra ser o pai?

– Sou virgem – ela murmurou. – Não posso engravidar.

As roupas ficaram sobre o tapete, espalhadas.

De mãos dadas na padaria, no mercado, ouviam os vizinhos:

É a sobrinha? – uns perguntavam.

Amante. – outros diziam, baixinho.

 

Ele ia receber a aposentadoria e ficava no ponto-de-ônibus meia hora. Enquanto outros reclamavam, permanecia impassível, dono de um segredo.

É a concubina. – Parecia escutar alguém sussurrando.

 

Sentia-se leve, até ser acometido por uma dorzinha besta no peito.

 

No centro da sala, o homem sentado no sofá é uma pálida lembrança daquele que, outrora, acreditara na sua gente. Que fantasmas o acompanhariam ao cemitério? Ela assustou-se, ao vê-lo com as mãos sobre o peito.

– Coração?

– Um coração enfraquecido pelas desilusões.

Por que não falava desses fantasmas?

– Não confia em mim? Quer dizer que eu não sou nada?

– O gravador – ele pediu, imediatamente após ouvi-la falar.

Esperou-a tirar o sony da bolsa e continuou:

– No início do século, previa-se o desaparecimento da nossa, não digo raça, que só existe a raça humana. E melhor etnia. As elites brasileiras queriam um país sem negros e mulatos. Quando soube dessas ideias, a luz da revolta me iluminou. Uns amigos falaram-me sobre Zumbi, sobre os quilombos, sobre união. Acreditei que a união fosse possível. Mas o sonho se desfez tão rápido! Os amigos se cansaram. O nosso povo? Desinteressado, apático. Não sei – enxugou uma lágrima – como não desapareceu.

– O que vocês fizeram foi bonito.

– São coisas que eu preciso esquecer.

– Hoje os problemas são os mesmos. Mas há pessoas jovens, querendo aprender, como eu. Quero acreditar em algo. Nosso povo sobreviveu porque acreditou na vida.

– É verdade. Parece que nós temos de adquirir uma força tão grande, parece que um amor pela vida se enraíza tão fundo dentro da gente, que nada nos abala com facilidade. E se a gente cai, é pra levantar mais forte; se apanhamos, voltamos a brigar com mais garra; se choramos, também aprendemos a extrair, lá de dentro, uma gargalhada tão gostosa, que é como se toda a alegria do mundo coubesse em nosso peito. Somos negros e temos essa força. Isso é maravilhoso.

Ela abraçou-o, beijou-o. Só então ele se deu conta de que falara com entusiasmo. Uma parte do sonho ainda vivia. Mas as dores no peito persistiram. Ela vinha mais vezes, preparava arroz integral, moderou no sal e tirou o açúcar branco.

– A pinga com carqueja eu não jogo fora – ele protestou.

Era para diabetes, um amigo tinha ensinado.

Ficava irritado com os excessos de cuidados. No fundo, sentia falta quando ela não vinha. A menina de uma geração tão diferente, com quem reaprendia a viver. A moça que acreditava nas coisas em que ele acreditara. Num domingo, sentindo o relógio no peito se acelerar, disse-lhe:

– Não vou durar muito. Só lamento não ter tido filhos.

Notou que ela ficou calada, pensativa. Escondia algo?

Veio na segunda-feira. Preocupada, tensa. Acusou-o de cerceá-la. Tensão pré-menstrual? Que havia?

– Estou grávida – disse, por fim. – Não posso. Tenho estudos. Também não quero um filho pra crescer como eu, sem pai.

Foi até a janela. Suas lágrimas rolavam como a chuva lá fora.

– Um filho? – ele perguntou, incrédulo. – A soma do meu e do teu sonho. Olhe – pegou-lhe a mão e pôs sobre seu próprio peito – parou de doer. Podemos criar esse filho, se você quiser. – Então abraçou-a e, com a voz embargada, soluçando, falou: – Te amo.

 

Quando eles passavam, grávidos, ouviam os vizinhos comentarem:

É o filho – uns diziam.

O neto – outros apostavam.

– É o amor nos recriando – diziam um ao outro.

(Cadernos Negros 18, p. 55-60)

 

Espelho

 

Quando o moço abraçou a mulher de cabelos compridos, a menina fechou os olhos e imaginou que também estava sendo abraçada. Ficou assim um tempo enorme e, ao erguer de novo as pálpebras, havia pessoas totalmente diferentes no cubo eletrônico. Andou de um lado para o outro, apertada entre moveis que se erguiam como espectadores incômodos. Caminhava, com as mãos nos quadris e um livro sobre a cabeça, sem parar de olhar para a TV, de onde continuava a jorrar uma cascata de imagens em preto e branco. Sua passarela estreitava-se entre um armário e a cama-beliche que ela dividia com o irmão, pois ali era também o quarto.

Abriu uma porta e o mesmo homem, que antes estivera na televisão, veio-lhe fazer companhia. Imensamente feliz, ela estendeu-lhe a mão e caminhou como se dançassem uma música inaudível para o resto do mundo.

O tapete puído, sua bermuda rasgada, nenhum sinal de pobreza importava. Entravam pela porta artistas de novela, belíssimas mulheres e rapazes musculosos que faziam comerciais. A menina nem ligava para as gargalhadas do irmão. Ele curtia com a sua cara, rindo do seu andar pouco natural, da sua mão estendida no espaço vazio. Isso não a aborrecia.

E o moço da TV a visitava todos os dias. Olhava-a tão diretamente que fazia seu corpo esquentar. Dizia que ela era mesmo uma gatinha. Ensinava a balançar os cabelos, modular a voz com sensualidade, fingir sorrisos quando estava triste ou inventar lágrimas mesmo estando feliz. Ela se dedicava e aprendia com rapidez. Ele confessava jamais ter encontrado outra com seu talento, a sua beleza. A menina perdia a graça, enfiava o rosto entre as mãos, mas corria ao espelho e sorria, chorando ao mesmo tempo, pois via-se bonita e acreditava na felicidade. Nesses momentos, seu irmão parava de rir e ficava olhando para a televisão, como se aquela caixa apresentasse enigmas que ele jamais decifraria.

Uma tarde, a mãe chegou mais cedo do trabalho. Entrou acompanhada por uma vizinha que trazia estridências na voz. Ao vê-las, o moço assustou-se voltou para a TV, fazendo o peito da menina doer. Ela aprendera a amar sua palidez, seus olhos onde habitava um verde estonteante e agora via-o desaparecer em meio a imagens tristemente velozes.

– Tá fazendo o quê, menina? – a mãe olhou com reprovação a casa ainda por limpar. Ela envergonhou-se. Tirou o livro de cima da cabeça sem conseguir disfarçar os tremores. Estirado na beliche, o irmão dedurou:

– A boba quer ser modelo.

Ardeu por dentro, ao mesmo tempo insultada e devassada no seu íntimo.

– É verdade, vou trabalhar na televisão.

– Não pode! – a mãe gritou. Tentou explicar que precisaria trabalhar em alguma coisa séria. Além do mais estava tudo tão caro: comida, roupa, aluguel, remédios do pai. Como iria sustentá-la? Não, não podia. A mãe só rezava para que ela fizesse um bom casamento, um casamento digno. Com um branco, ia dizer, talvez, quando o rosto da vizinha aproximou-se, amarelado e arredondado como um queijo:

– Ah, mas ela é tão engraçadinha. Não tem o cabelo tão ruim. O nariz é bonitinho...

– Bom, isso é mesmo... Já lavou a louça?

– O moço aqui do lado tem o nariz grande, chato, credo! É tão feio... Mas o nariz da sua filha não é tão grande...

A menina sorriu porque lhe parecia ter sido elogiada. Quando, porém, a vizinha sumiu por uma porta, junto com a mãe, ela correu ao espelho, enfiou as unhas nos cristalinos olhos azuis, arrancou os louros cabelos que terminavam numa franja, rasgou a boca com tanta força que chegou a doer. A imagem daquela mulher branca como a neve se fez em pedaços. E seu próprio rosto, preto, luminoso, sulcado por gotas que rolavam sobre as suas faces, surgiu por alguns segundos no espelho. Ela mesma, logo em seguida estilhaçando-se, rompendo-se, transformando-se em cacos, caindo sobre o móvel. O barulho confundia-se com a voz que, na caixa eletrônica anunciava novelas.

Então o irmão levantou-se da beliche e olhou os pedaços da foto da loura apresentadora de programas infantis em meio aos cacos no chão. Pegou as mãos da irmã e viu um pequeno corte feito por um dos fragmentos do espelho. Beijou o filete de sangue, passou álcool e tirou de uma gaveta um pedaço de pano, amarrando-o no machucado. A caixa tonitruante chamou sua atenção. Virou-se com raiva. Pareceu-lhe que os atores riam da sua irmã, como ele mesmo fizera. Envergonhou-se, arrependeu-se.

– Eu gosto do seu cabelo, do seu nariz... e sua pele é bonita.

– Mas não tem modelo preta na TV.

Ela não entendia porque o mundo lhe negava espaços para desejos.

– Então vai ter você!

Durante alguns segundos a menina esboçou um sorriso. De repente, tirou de uma gaveta fotos recortadas de jornais e revistas. Artistas louras. Rasgou. Juntou no chão os cacos do espelho. Maravilhada, recompunha-se. Cada fragmento sugerido numa frase: sim, modelo! Por que não? Por que não atriz ou bailarina? O mundo nada pode quando queremos verdadeiramente alguma coisa! O que consegue destruir o desejo se ele é puro?

O cabelo não balançava e ela imaginou diferentes formas de arrumá-lo. Sorria a cada novidade descoberta. Olhou-se. Tinha um corpo realmente bonito. Imaginou-se em meio a atores, homens e mulheres que a respeitavam. Havia escolhido. Nem ligou quando a mãe apareceu na porta e então esbravejou, ao ver o espelho quebrado:

– Ai, meu Deus, minha filha, o que você fez? A gente vai ter sete anos de azar...

A menina sequer ficou constrangida. Virou-se para a televisão, depois lançou um olhar cúmplice ao irmão. Sentia que, ao contrário, eles ainda teriam muita sorte.

(Cadernos Negros 16, p. 69-73)

 

O homem de touca

 

A rua era movimentada e, no meio da tarde, as pessoas caminhavam em direção a seus destinos.

De repente, um homem magro e de touca andou mais rápido em direção a outro, que usava terno e fumava.

– Aí, parado aí – gritou o homem de touca, apontando uma arma para o outro, em cujo rosto a expressão inicial de surpresa foi substituída pelos sinais do mais absoluto pavor. Tentou afastar-se, o cigarro caiu.

– Parado aí. Parado aí. É ocê mesmo, vagabundo.

Assustadas, algumas pessoas pararam e outras começaram a correr, tentando não despertar a tenção do homem que estava com o revólver.

– Calma, calma – o homem que usava terno conseguiu falar, dominando o medo. Estava com as mãos meio levantadas, como a mostrar que era inofensivo. Notou que o outro tremia.

– Calma, nada, vagabundo. A casa caiu, maluco. Lembra daquela fita lá?

– Você está enganado.

– O caraio, rapá. Aquela fita lá, maluco. Aí, cê tá me devendo.

– Cê tá enganado.

– Não me tira, não.

– Eu nem te conheço. Não conheço, não. Eu juro.

Uma sombra de dúvida passou pelo rosto do homem de touca. Ele se deu conta de que estava no meio da rua. As pessoas ao redor pareciam fascinadas, na expectativa do que iria acontecer. O homem de touca abaixou a arma, mas estava pronto para usá-la.

– Não conhece, não?

– Nunca te vi antes. Juro pela minha mãe.

Um homem jurar pela mãe é um barato sério. Mãe é algo sagrado. Não se põe assim no meio da conversa.

– Cê passa aqui todo dia. Nunca me olhou? Um neguinho de touca, alto. Pô, maluco, vai dizer que nunca me viu? Já até mudou de calçada pra não passar perto de mim!

O outro homem pareceu indeciso. Será que conhecia mesmo o cara? Podia até ser, podia até ter mudado de calçada. Tinha esse direito, podia evitar quem quisesse. Mas, não se lembrava, nem ia admitir que tinha feito isso.

– Pelo amor de Deus, eu juro. Eu ajoelho aqui se você quiser. Nunca te vi, não te conheço, não sei quem você é.

O homem tentava manter-se controlado. Mas, embora a voz quisesse ser firme, por um momento os olhos ficaram marejados, uma das pernas se dobrou e ele começou a se ajoelhar.

O homem de touca olhou-o com pena. De repente, guardou a arma e disse calmamente:

– Aí, falei que tava me devendo. Mais um. Mais um que não sabia quem eu era. Aí, maluco, agora já sabe.

Enquanto o barulho da sirene crescia como um grito, o homem de touca saiu andando, perdendo-se no meio da multidão.

(Cadernos Negros 26, p. 93-95)

 

QUANDO O MALANDRO VACILA

 

I – De Como Ele Quase Deixou a Pretinha

 

Tudo parecia irreal. O exagerado silêncio noturno, as mortiças luzes amareladas despejando-se violentamente dos postes, a sensação da pele de Kizzy muito forte em suas mãos. E ele teve a impressão de que nunca chegaria à avenida principal lá embaixo. Teve a impressão de que nunca tomaria o ônibus para voltar p'rá casa. Mesmo aquele Volkswagen todo estourado, pintado num brilhante azul de ofuscar os olhos parecia trazer a morte subindo a rua em sua direção. E ele estava certo. O carro trazia Mãezinha, o branco da favela, que parou ao seu lado com um revólver calibre 38 na mão:

“Aí, otário, segura...”

gritou Mãezinha e jogou cinco vezes. Cinco tiros varando seu peito com uma dor insuportável causando-lhe uma infinita expressão de terror. E seu rosto estava cheio deste horroroso medo quando acordou de repente e Kizzy entrando na sala surpreendeu-o. “Que foi, William?”, ela perguntou, assustada. Ele respirou aliviado ao ver que ainda estava na casa da Preta e que tudo não passara de um sonho. Sentado no sofá, tinha o coração batendo rapidamente, mas recuperando-se aos poucos procurou disfarçar o pavor e disse que não fora nada, que apenas dormira alguns minutos e tivera um pesadelo enquanto ela estava ausente.

Estavam os dois sozinhos na estreita sala e Kizzy permanecia em pé com sua pequena estatura impregnada de uma beleza sutil

profundamente marcante.

Os castanhos olhos rasgados tinham uma turbulência devastadora. Mas o rosto de pele escura brilhante era suavemente pequeno e redondo encimado pelo cabelo traçado na frente e adornado lateralmente com tranças de canecalon. Maternal doçura invadiu-a ao ver o namorado tão assustado por causa de um pesadelo e foi à cozinha buscar para ele o remédio da calma num copo d'água.

Sozinho outra vez, William inclinou-se para o relógio. Havia nos números uma estranha coloração avermelhada. Tudo indicava sangue. Era tarde e sentiu-se cansado. Tinha que ir embora. Não queria sair sem despedir-se da namorada, contudo uma força desconhecida puxou-o para fora. O corpo era um peso oscilante e não obedecia às ordens do cérebro. Algo arrastava-o em direção à um destino inevitável. Podia ver a avenida principal. Queria correr para alcançá-la e tomar o ônibus de volta p'rá casa, mas as pernas de pedra pareciam ter criado raízes na calçada. E com horror ele viu lá embaixo um Volkswagem todo estourado dobrar a esquina e subir a rua em sua direção. Espalhava um fulgor azul, tingindo de azul rua, postes e casas em seu caminho. Era o mesmo carro com o qual sonhara, tinha certeza e uma dor de barriga violenta, com muito esforço contida, o fez ver tudo amarelo quando Mãezinha, o branco da favela, parou ao seu lado e apontou-lhe o revólver calibre 38:

“Eu avisei você p'rá largar a Kizzy, otário”,

gritou o branco e atirou cinco vezes. “É inacreditável. Comédia”, pensou William ironicamente como um condenado ao descobrir que a vida ao terminar é sempre uma representação. As balas furaram seu peito e ele via o sangue sair lentamente por onde cada bala havia penetrado. Tentou colocar a mão para impedir o fluxo, pois pressentiu que se perdesse todo o sangue inevitavelmente morreria. Mas ele só tinha duas mãos enquanto os buracos eram cinco. Por isso, olhava os filetes saindo de seu peito, escorrendo vermelhos sobre a calçada como pequenos rios carregando sua essência sem que ele pudesse impedir. E foi assim, com o rosto alterado pelo pavor, entre dormindo e acordado, com as mãos tentando conter algo prestes a sair de seu corpo que Kizzy veio encontrá-lo uma segunda vez naquela noite. Puxando-o pelos ombros, despertou-o totalmente.

“Que está acontecendo, Preto?”,

Kizzy perguntou-lhe. Nova e indescritível sensação de alívio tomou conta de William ao ver que nada tinha ocorrido, que simplesmente ele não havia saído dali. “Acho que eu cochilei enquanto você foi à cozinha e tive outro pesadelo. Devo estar muito cansado”, justificou-se depois de ter-se acalmado. Bebeu a água que a namorada trouxera e duas pupilas sinistras pareceram fitá-lo do copo.

Duas vezes William tivera o mesmo sonho e estava preocupado, pois dias antes Mãezinha havia mandado lhe dizer que se ele não se afastasse de Kizzy,

iria morrer.

Revelou isto à namorada e ela ficou espantada ante o atrevimento do branco. Conhecia-o pouco. Lembrava-se de tê-lo visto em diversos bailes do Chic Show no Palmeiras. Lembrava-se ainda de que ele quisera dançar com ela melodiosas notas de inúmeros blues, mas ela sempre recusara porque ele não lhe parecia agradável. Além do mais, ele roubava e isto contrariava violentamente a rígida educação que ela recebera dos pais. E, enfim, que William não ficasse com medo pois ter dois sonhos idênticos não significava nada.

Kizzy tinha personalidade e transmitia segurança a William. Sabia que ela dizia a verdade. A história era muito evidente embora guardasse para ela sua dose de irracionalidade: o cara cismava com a mina, achava que ela tinha que ser sua, a despeito de qualquer sentimento ou situação. Apenas o cara achava-se no direito de tomar posse da mulher como um saqueador do seu saque. Tudo perfeitamente prático e comum. Porém, desta vez acontecia com alguém que William amava. Ele acreditava amar Kizzy e estava preocupado, afinal, cochilar dois minutos e ter o mesmo sonho duas vezes... Não! Deveria ser um aviso. Narrou então para ela a imagem de Mãezinha: os olhos enormes saltando para fora, a pele clara, transparente, lembrando um cadáver, a boca sem dentes, os cabelos castanhos escorrendo desgrenhados debaixo da bombeta. William sabia que Mãezinha, indisfarçavelmente branco, dizia-se negreiro e era visto sempre junto com a malandragem. E o 38 em sua mão pareceu muito real.

Kizzy não acreditava em profecias. “Bobagem”, ela disse e sorriu adoravelmente com todo o rosto: Mais velha que William dois anos já completara vinte e quatro e no fundo era cética. William perguntou se ela realmente não se interessava por aquele Zé-Mané. Incisivamente ela respondeu com um enfático e indignado

“Não!”

encerrando o assunto. Era tarde. Os pais e as irmãs menores da namorada estavam dormindo. Tudo estava calmo e eles poderiam preencher de amor os poucos momentos que ainda ficariam juntos. Ele escorregava seus dedos no pescoço e nos seios de Kizzy, enquanto as femininas mãos deslizavam por seu peito e adivinhavam sob a calça a dureza de seus desejos. Tocaram-se no escuro dos lábios e beijaram-se demoradamente. Mas ele não conseguia ficar à vontade e Kizzy resolveu mandá-lo para casa: “É melhor você ir embora. É tarde e você está cansado”.

“Certo, Preta. Então eu vou me adiantar”,

disse William e levantou-se. Não deveria ter mais do que um metro e sessenta e cinco. Usava uma jaqueta de couro e tinha um bigode extremamente fino. Ultimamente adquirira o hábito de andar com o cabelo cortado escovinha. Olhou uma última vez para a namorada. Um pouco à direita na parede havia um relógio de números intensamente vermelhos e toda a sala adquiria uma coloração sanguínea. Saiu. A noite escura lá fora estava sedutoramente bela. Exteriormente a casa da namorada era bem antiga e em alguns lugares o reboco havia caído. E se ele olhasse por, sobre o telhado, no rubro horizonte, veria nódoas também vermelhas formando nuvens.

Desceu a rua. Deveria ainda haver ônibus circulando. O clima reconfortante da madrugada iniciando soprava-lhe calma por todos os poros. A noite dava-lhe a impressão de ter levado com os homens para dentro das residências todos os erros, todos os comportamentos mesquinhos e odiosos e, de manhã, a aurora encontraria uma cidade renovada, mais leve, pronta para ser ultrajada pelo ciclo diário dos erros humanos.

Porém, algo o preocupava e apalpou sob a jaqueta de couro a arma calibre 22, certificando-se que ela ainda estava consigo. Nunca havia dado nenhum tiro, mas a malandragem só o respeitaria se ele andasse armado. E de olhos bem abertos ia tranquilizando-se: “Bobeira, sonhar duas vezes é só coincidência”. Estranhamente, suas pernas tomavam-se pesadas, as luzes dos postes espalhavam uma aura impressionante, quase macabra. A avenida principal, lá embaixo, sugerindo seu tráfego constante era cada vez mais difícil de ser alcançada. Então, repentinamente, ele viu sair da avenida principal, um espalhafatoso azul, fulgurante a ponto de ofuscar os olhos, um Volkswagen antigo, mais estourado que um tanque de guerra.

“Merda”, pensou. “Não é possível”. E contra toda racionalidade, preferiu rapidamente

puxar a turbina.

Só poderia ser Mãezinha naquele carro. Tudo acontecia exatamente igual ao que sonhara, como numa repetição. Era tudo inacreditável, mas o final ele já sabia. E antes que pudesse coordenar as idéias, escutou estampidos secos vindos de suas costas. “Os safados” – teve ainda tempo de raciocinar sem voltar-se – “armaram um esquema p'ra mim. Um me distrai enquanto o outro atira pelas costas”. E viu que deveria decidir rapidamente: não poderia retomar à casa da Preta, nem queria trocar tiros à frente, alvo fácil assim a descoberto. Havia uma possibilidade: um terreno baldio numa encruzilhada entre ele e o automóvel azul. Levou poucos segundos para alcançá-lo. “Desgraçado”, praguejou contra o carro azul. “Não é desta vez que eu vou cair”. Enveredou então pelo terreno, passou pelo meio do mato, tropeçou em montes de lixo, ratazanas enormes saíam guinchando em todas as direções. Chegou ao muro do outro lado. Pulando-o atingiu a rua paralela àquela onde estava. Lá em cima, cada vez mais alto no céu aberto um balão em seu espetáculo pirotécnico soltava fogos de artifício com barulho idêntico aos disparos de uma arma calibre 38.

William correu bastante por ruas desertas com o mesmo espetáculo de casas antigas onde o reboco das paredes caía, ou o lixo amontoava-se nas portas, ou as casas caíam umas sobre as outras. Correu aproximadamente duas horas e ao parar sentiu-se envergonhado, porque poderia ter-se escondido atrás do muro no terreno baldio e dali

jogar brasa

nos desgraçados. Mas iria pegá-los em outra ocasião, certamente. O 22 ainda estava na mão. Ele guardou o cano e continuou andando. Mais à frente, numa esquina onde cruzavam-se três ruas, viu um grupo reunido. Encolheu-se atrás de um poste, mas logo tranquilizou-se. Era a rapaziada fazendo um pagode e fumando unzinho. A noite voltava a ser agradável. Ele pôde contar sete pessoas no grupo e viu que conhecia todas.

“Então, mano, se liga no movimento”,

disseram-lhe ao reconhecerem-no quando se aproximava. Imediatamente um cigarro aceso com seu cheiro forte de erva queimando surgiu-lhe na mão, Ele deu duas tragadas e pôs o baseado novamente na roda. Aí viu que as feições dos sete patrícios eram misteriosamente iguais e ele pensou: como não havia notado esta semelhança antes? Todos eram magros e altos. O cabelo carapinha bem baixo parecia ter sido cortado no mesmo barbeiro. Todos aparentavam ter mais de trinta anos nas feições endurecidas e fortes mesmo com o sorriso largo esticando a pele azeviche do rosto na hora do ritmado refrão. Pensou que eles poderiam ser gêmeos, mas não parecia. Eram exatamente a mesma pessoa. Sete vezes a mesma pessoa. E completavam-se. Um prolongou os dedos e fez o pandeiro. Outro dedilhava no cavaquinho as próprias cordas vocais. Outro ainda cobriu com o céu da boca o tantã. De modo que o som era o corpo de todos. Que mistério seria este? Seria a mesma pessoa espalhada em sete corpos? Ou o mesmo corpo dividido por sete pessoas? Que enigma seria este da unidade e da divisão? Desta semelhança aparente. Uma recordação relampejou na mente de William:

“Todos os Pretos são parecidos”,

dissera-lhe uma vez um patrão branco, segundos antes de William arrebentar-lhe a boca. E pensou que eles achavam aquilo mesmo. Pretos seriam apenas rostos idênticos sem personalidade, sem problemas, sem nada por dentro. Mas ali ele via nitidamente que não era isto. Os patrícios não eram pessoas parecidas. Eram a mesma pessoa dividida. A mesma pessoa que por alguma cisão, alguma ruptura ocorrida em sua vida, estava assim seccionada, perdera a unidade, procurava completar-se.

Repentinamente, William lembrou-se do carro azul e ficando preocupado resolveu ir embora. Sua cabeça, leve, era preenchida por luzes piscando com uma intensidade monstruosa. E por alguns instantes ele teve a impressão de ter sido cortado ou multiplicado tornando-se dois. Via tudo em dobro, pensava em dobro. Parou para urinar e a urina saía em dobro. Mas esta sensação passou, pois há alguns minutos tinha a impressão de estar sendo seguido. Inicialmente pensou em Mãezinha, mas não precisou olhar para trás. Ouviu o barulho do motor e reconheceu o carro.

Era um carro de polícia,

tinha certeza. Seus ouvidos haviam se acostumado de tal forma a identificá-lo pelo funcionamento do motor, haviam adquirido tal sensibilidade a todas as engrenagens da, C-l4 que ele não precisava virar-se para saber. “Vão me revistar, depois vão me enquadrar”, pensou. Não ousou voltar-se. Achou que eles poderiam prendê-lo sem nenhum motivo. Estava acostumado a tê-los sempre revirando seu bolso, colocando a erva lá dentro, a olhá-lo ameaçadoramente quando passava na rua; a prendê-lo quando estava tomando cerveja no bar. Se encontrassem o cano, então... poderiam matá-lo, roubar-lhe o 22 e jogar seu corpo em qualquer lugar deserto. Ninguém ficaria sabendo. Por isso apertou o passo e colocou a mão na arma. Não se entregaria sem luta. Não era um covarde.

William subiu e desceu ladeiras,

virou esquinas, atravessou cruzamentos e o barulho do motor continuava a perseguí-lo. Mas, agora podia notar, não era um só carro. Eram vários. “Os cornos, pensou, eles nunca vêm sozinhos. Têm medo”. Teve uma idéia. Conhecia bem aquela região onde estava. Mais à frente havia uma viela estreita e sem iluminação. Desceu por ali. De um lado e de outro as paredes das residências erguiam-se assustadoras. Mal conseguia enxergar o chão, mas sabia existir uma escadaria. Latas de lixo, colchões velhos, camisas-de-vênus usadas, tudo acumulava-se dos dois lados. Ele sabia mas não conseguia ver, pois o olhar não havia ainda acostumado-se à escuridão. Escutou lá em cima os carros parando. No fim da escadaria a viela tornava-se plana, porém todos os cachorros da vizinhança defecavam ali, por isso a viela era pouco usada. As fezes formavam um imenso e profundo atoleiro, exalando um cheiro fétido. William conhecia a maneira certa de passar encostando-se à parede e pisando em algumas saliências.

Ouviu passos atrás de si,

acompanhados pelo barulho de latas sendo derrubadas. Ultrapassou o atoleiro e o caminho a separá-lo da outra rua seria agora facilmente vencido. Então escutou lá atrás o som de corpos mergulhando em alguma coisa, “Os cornos, concluiu satisfeito, estão afundando na bosta”. Quis dar uma gargalhada bem alta, contudo conteve-se até sair numa avenida larga e ter certeza que ninguém o seguira.

Ergueu o pulso e viu as horas. Estava andando há duas horas e cinquenta e oito minutos, mas não estava cansado. Preocupava-se apenas em observar mínimos movimentos, pois a qualquer momento poderia ser surpreendido. Lembrou-se de estar próximo ao salão onde a equipe Zimbabwe realizava seus bailes. Se corresse poderia pegar a saída. Andava rápido jogando as mãos para os lados numa meia ginga de dança. E ainda não havia chegado à porta do salão quando encontrou as pessoas dirigindo-se aos pontos de ônibus. Cumprimentou algumas. Centenas de olhos injetados de satisfação e cansaço ainda moviam-se ritmicamente. Imensas vagas de rostos jovens invadiam as ruas. Uma quantidade interminável de cabelos escovinha e bigodes finos espalhava-se sobre peles marrons ou bem escuras.

Em frente à porta do salão, recebeu no peito os marcados compassos dos últimos sussurros nas caixas acústicas. Algumas mulheres deixavam-no perplexo. Muito bonitas, transmitiam algo fascinante. Tranças dos mais diversos tipos, os mais diversos cortes de cabelo numa estética conquistada. Outras mulheres, no entanto, não lhe pareciam tão fascinantes. Seus corpos davam impressão a William de serem o reflexo de uma esperança procurada e previamente perdida. Um abandono antecipado de sonhos na matéria, extensão da vida, mas também das privações. Porém, quase teve um choque quando viu aquela jovem deixando a festa sozinha. Alta, quadris largos realçados pela cintura fina, seios não muito grandes, porém imponentes sob a blusa.

“Mulher de verdade”,

pensou. Sua pele toda era de um marrom queimado como se fosse mel. No rosto, o nariz e a boca pareciam ter sido desenhados várias vezes até atingirem a forma perfeita. Os olhos eram verdes e os cabelos crespos infelizmente estavam alisados e caíam sobre os ombros. Todo seu corpo parecia esculpido sob a roupa, marcando as curvas perfeitas. Tinha tudo perfeito. “Podia ser mulata do Sargentelli”, comparou William em seu raciocínio ali no momento idiotizado ante a beleza que ele sempre sonhara, não conseguindo melhor comparação do que esta com o comerciante neo-escravocrata.

Ela lhe sorriu,

e William sentiu-se elevado ao mais alto ponto da alegria humana. Teve a impressão de ser o único a vê-la quando ela acenou com a cabeça e caminhou em direção contrária à maioria das pessoas. O amor, que surpresas nos traz. Aquela mulher perfeita iria coroar sua noite com alegrias de ébano aveludado. À sua frente, as nádegas largas e empinadas continham um ritmo próprio. Que força incontrolável atraía-o. Que paixão irresistível dominava-o. Ela entrou numa rua deserta e parou próximo a um jardim. William chegou próximo e ela disse-lhe “benzinho” com uma voz a parecer o canto matinal dos pássaros. Ele respondeu-lhe “amor” e abraçou-a sem mais cerimônias, afundando no aconchegante veludo marrom de sua pele.

E ao olhar o verde daqueles olhos viu uma interminável sequência de mulheres com quem saía e que acreditava amar. Domingas, Tereza... Kizzy vinha na frente. Com um sopro apagou-as todas. Mas Kizzy resistiu. Tinha autoridade sobre ele. Prendia-o sem nenhum esforço. E que esforço precisa uma mulher para exercer sua autoridade? Como não pudesse apagá-la, escondeu-a atrás da retina. A Preta teria que compreender este sentimento fora do seu controle. Esta paixão pela mulher perfeita que já ocupava todo seu ser. Beijou aquela, beleza perfeita, enfiando a língua voluptuosamente em sua boca e na orelha. Ela abraçava-o com energia extraordinária. Parecia ter a força de cem mulheres. Virou-se de costas e ele encaixou no vão de suas nádegas largas e empinadas seu membro duro querendo rasgar as calças.

De repente,

sentiu algo gelado na mão. Alguma coisa pingando. Passou os dedos pelo rosto daquela mulher perfeita e assustou-se: estava flácido, mole, parecia não sustentar-se. Na cabeça, os cabelos alisados começaram a desprender-se, voavam para todos os lados. Afastou-se e ela virou. O rosto estava mudado. A pele derretia rapidamente. Adquiria um tom roxo e em seguida ia embranquecendo. Os olhos desprendiam-se. As sobrancelhas soltavam-se. A boca deformava-se. Os seios desencaixavam-se. O corpo perdia as curvas derretendo-se também. Que espetáculo impressionante. E ele olhava estarrecido, sem poder impedir. A pele embranquecendo não parecia conter ainda ossos e em poucos segundos, sob as roupas no chão, havia apenas uma massa disforme que em breve escoou-se ou evaporou.

Inacreditável.

Teria havido ali em algum momento uma mulher de verdade? Pelas evidências não, apenas um punhado de roupas velhas permanecia sobre a calçada. Mas ele a vira, abraçara e já estava amando-a tanto. Entretanto, ela não estava mais ali. Pasmado ele decidiu ir p'ra casa. Não ficava longe e foi a pé. Sua casa era uma residência antiga onde em alguns lugares o reboco havia caído. Entrou. Os pais estavam dormindo. A mãe deixara seu prato já feito em cima do fogão. Sempre a mãe com este cuidado que ele não sabia se era hábito ou proteção.

 

 

II - O RETORNO

Mas ele não tinha fome,

não tocou na comida. Foi direto ao banheiro. Sentado, pensava tristemente em como alguém podia evaporar-se assim de suas mãos. Aquilo lembrava-lhe um livro que havia lido certa vez. O autor era Amos Tutuola, se não estava enganado. Levara dois meses para terminar o livro, mas gostou. Não tinha muita paciência para ler, porém, histórias em quadrinhos e romances agradavam-no. No fundo, tinha um ódio incontrolável contra os heróis completos, sempre a massacrá-lo com suas virtudes, seu caráter incorruptível. Sabia muito bem que o mundo não era assim. Este mundo nojento, hipocritamente pregando uma coisa e praticando outra. Queria sair e derrubar toda espécie humana com seu 22. Levantou-se e deu a descarga. Tirou a jaqueta de couro. Iria tomar um banho para descansar. Puxou a camiseta por cima e enquanto tinha a cabeça coberta,

sentiu frio, muito frio,

e, se até aquele instante procurara manter certo auto controle, isto a partir de então tornou-se impossível, pois olhou violentamente chocado o próprio peito agora nu e contou cinco furos. Cinco furos com sangue coagulado ao redor, no próprio peito escuro, feitos por alguma arma de fogo. Então certamente era isto, haviam-no acertado, ele já estava morto. Devia ter sido Mãezinha, quando saía da casa de Kizzy. Como, não sabia!? Mas só podia ter sido ele, o sonho havia previsto. A camiseta, entretanto, não apresentava nenhum sinal. E o que importava isso? Que importam os sinais da vida depois que se morre? Vestiu-se.

Foi até o quarto,

deitou-se e fechou os olhos. Se estava morto deveria fechar os olhos. Cruzou os braços sobre o peito, segurando o berro. Adormeceu. Quando acordou, ainda meio zonzo, achou algo estranho em seu quarto a parecer mudado. Só completamente desperto viu não estar mais no local onde havia deitado. Não parecia o céu, nem o inferno. A cama era uma tábua atravessada sobre duas colunas de blocos. As paredes pintadas de branco estavam cobertas de desenhos, rabiscos, garatujas dos mais diversos tipos. Tudo exalava um cheiro miserável de sujeira e coisa apodrecida. Ergueu a camiseta sob a jaqueta de couro. Os furos haviam sumido. O peito estava completamente liso. Teria sonhado aqueles furos? Foi quando lembrou-se da arma. Procurou-a. Recordou-se haver dormido com o berro sobre o peito, mas o 22 sumira. Aí notou uma porta de ferro numa das paredes do aposento. Na porta, uma pequena abertura parecia uma janela com barras de ferro verticais.

Será que haviam conseguido enquadrá-lo?

Caminhou até a porta e precisou ficar na ponta dos pés para conseguir ver algo lá fora. Divisou um homem ao longe. Só a sua cabeça e tronco eram acessíveis à visão. Tinha rosto aristocrático, altivo, parecia ter saído de algum livro de História. “Onde estou?”, gritou William. “Na Detenção”, respondeu-lhe o homem movimentando o pescoço. Um molho de chaves pendurava-se no seu ombro. “E você, quem é?”, perguntou William. “O carcereiro”, respondeu-lhe o homem, com uma voz longínqua. “Como é o seu nome?”, gritou novamente William. “Rui Barbosa”, finalizou o homem, com orgulho na voz.

Quando o homem pronunciou o nome, uma labareda projetou-se de uma das paredes e as chamas lançaram no cubículo inúmeros cadáveres carbonizados. Dos lugares onde haviam sido boca, ouvido ou olhos nos cadáveres, rolos de papel saíam. Um dos rolos caiu aos pés de William e abriu-se. Era um documento antigo. Um registro de qualquer coisa. William olhou pasmado o cadáver de onde havia saído. Não estava com as feições completamente deformadas e ele pôde reconhecer-se. Era ele mesmo, William. Mas era como se tivesse vivido há duzentos anos. Terrível foi a noção de reconhecer-se, e ele conteve algumas lágrimas.

“Então isto é a Detenção?”,

perguntava-se William. Muitos de seus amigos haviam estado ali. Alguns haviam saído, outros jamais. Morreram lá dentro. Dentre estes havia os que nunca tinham cometido qualquer espécie de crime. Os tiras simplesmente não haviam gostado da cara deles porque eram pretos. Por isso quem conseguia sair era visto com respeito pelo resto da malandragem. William conhecera alguns. Traficantes. Brancos, na sua maioria, que possuíam dinheiro suficiente para pagar pela liberdade.

O primeiro dia escoou-se lentamente,

a consumir as esperanças de William sair. Se bem que, neste primeiro dia, suas esperanças ainda não tivessem objeto definido, pois a idéia de estar preso era-lhe simplesmente inconcebível. Preso naquele cubículo, sem saber como. Precisava inicialmente formular a idéia de estar privado de toda vida exterior para depois perder as esperanças de recuperá-la. Os cadáveres iam formando uma camada de cinzas rio chão. Menos o seu próprio. E William percebeu que sempre sentira-se assim, como se fosse duas pessoas, uma delas apenas cadáver. Um William amava a vida. O outro a reduzia, anulava-a. Um, tinha fortes convicções, esperanças, ideais. O outro apenas agredia, xingava e mataria se preciso. E não sabia qual dos dois era ele, pois os dois pareciam ser ele. E eram indissociáveis de tão misturados que estavam. A vida inteira William buscara ganhar moral, ser

malandro mesmo.

Teria conseguido? Talvez fosse um otário, como queria Mãezinha. Talvez um homem, como achava Kizzy. Talvez os dois, considerava ele mesmo. Mas logo voltava atrás: “Não pode ser, ou o cara é malandro ou é otário, ou tem moral ou não tem. Não existe meio-termo”. Mas, possivelmente, não era só isso, concluía. Possivelmente, havia alguma coisa mais.

E quando veio a noite,

ele não conseguiu dormir. No meio da madrugada algo chamou sua atenção. O cubículo estava escuro. O chão cheio de cinzas, mas cinzas vivas. Ele estava sentado na cama de tábuas e na parede oposta, sobre o branco da pintura, alguma coisa pareceu adquirir relevo. Firmou a vista e teve a impressão de ver um homem. “Quem é você, perguntou duramente, homem ou Deus?”. A figura barbada, clara, de um rosto que tomava metade do corpo, agora mais nítida, abriu os braços mas não disse nada. “Se for homem vá embora, não pode me ajudar. Se for Deus, diga-me: que lei é esta que colocou-me aqui sem julgamento? Exijo Justiça!”, William disse, exaltando-se. Ao que a figura respondeu-lhe ironicamente: “Você, um negro, a clamar por Justiça neste país?”. William calou-se, não esperava aquela resposta e nenhum argumento aflorou aos seus lábios. Um ódio foi crescendo com a impotência. De manhã, quando a luz entrou, a figura sumiu e iniciou-se

o segundo dia,

trazendo um desespero mais consciente. Rapidamente ele habituou-se à idéia de estar preso. Às vezes, atirava-se contra a porta. Às vezes, batia a cabeça contra a parede. Perguntava-se como havia ido parar ali. Jamais atirara em ninguém. Jamais roubara qualquer pessoa. Brigara várias vezes, mas nunca precisara usar o 22. O único delito que cometera fora queimar fumo com a malandragem, se é que podia chamar isso delito. E recordou-se: tudo começara com a função. Andavam em grupos de oito ou dez.

Alguns roubavam para comer. Outros roubavam porque não podiam fazer mais nada, passavam o dia largados na rua ou no bar, desempregados, ou apaticamente abandonados, sem motivação para nada, a não ser fumar sua adolescência.

Alguns, como ele, não roubavam coisa alguma, mas não podiam deixar a função. Quando arrumavam alguma briga, os tiros vinham de todo lado e então ele comprara o 22. O 22, só agora notava a coincidência entre o calibre da arma e a sua idade. Não queria comprar o berro verdadeiramente. Ou queria? Se não o fizesse, que outra coisa teria feito? Talvez ser malandro, ter moral, significasse isto: apenas a segurança para decidir e fazer as coisas sem vacilação. Seria esta a conjunção entre estes dois William que ele via?

Sentiu de repente forte saudade de Kizzy, sentiu que poderia nunca mais revê-la e o coração apertou. Perguntou-se em seguida pelos pais. Por que não haviam dado sorte na vida? Pois, trabalhar havia-lhes trazido pouca coisa. Ele mesmo, o que ganhara com os meses empregado? Que sina seria esta a perseguir os que estavam mais próximos? Que castigo?

À noite, a figura voltou à parede e até amanhecer disse várias coisas numa língua de missa. William queria agarrá-la, prendê-la ao seu destino e de manhã antes da luz invadir totalmente o cubículo pulou sobre ela mas frustrou-se: a figura era

apenas um desenho

na parede e, então, das cinzas no chão vários corpos tomaram forma. Eram vários William. E na cama de tábua, havia um William medonho. Estava todo esticado, o rosto com um inchaço terrível. Por todo o rosto e braços, enormes manchas brancas pontilhavam. E sorria, um sorriso destilando amoníaco. Seu aroma fétido de fumo e cachaça borrifou na parede gotas marrons. E sons de correntes vinham da garganta gritando “Destino”. William disse-lhe “não” e ele aos poucos retornou às cinzas.

À noite, sentado na cama, ele percebeu uma figura diferente tomar forma na parede. Não tinha barba, usava colares de miçangas e era bem escura. “Quem é você, perguntou, homem ou orixá?” A figura nada respondeu, mas de manhã onde ela estivera havia na parede uma abertura no formato de uma vagina grande e peluda com longos fios de cabelo incrustando-se nas bordas. Um colar de miçangas jazia sobre a cama. A abertura dava para a parte externa da Detenção. Começou a tecer uma corda com as miçangas e o fio, e, ao anoitecer, antes de ir embora, quis dar uma olhada em Rui Barbosa, o carcereiro.

 

O carcereiro

era aquilo mesmo: apenas cabeça, tronco e o cotoco dos braços, sem pernas, como nos livros de História. Estava com a parte da cintura seccionada apoiada numa cadeira. Não o perseguiria. Os guardas não o veriam. Assim, saiu dali e voltou às ruas buscando retornar p'ra casa. Mas

o bicho estava solto

naquelas noites e, ao dobrar uma esquina, ele não reparou de imediato naquele azul fulgurante escorrendo pelo asfalto e, quando viu, estava em frente ao Volkswagen de Mãezinha. Não podia ser verdade, pensou entre incrédulo e assustado. Mas ficou firme. Não iria correr desta vez. Enfiou a mão dentro da jaqueta de couro e encontrou novamente o 22 no lugar. A porta do carro abriu-se. Alguém colocou o pé para fora. William puxou o cano e refletiu: “Se for p'ra decidir, terá que ser agora. Chega de vacilação”. No entanto, quando Mãezinha saiu, William ficou petrificado.

 

Estava vivo, mas decompunha-se. Estava putrefato. Bichinhos vários saíam e entravam em suas narinas. E vários Mãezinha saíram do carro em todas as direções. Saíram também brancos desconhecidos para William. E todos no mesmo estado, decompondo-se, putrefatos. Apenas a roupa estava impecável. Alguns trajavam terno e colarinho branco. Por fim, a última pessoa que saiu do carro foi o mesmo medonho William que ele vira no cubículo, com seu hálito de fumo e cachaça borrifando gotas marrons para todos os lados, falando com sua voz cavernosa: “Eis os verdadeiros mortos, William, não os siga, eles o trairão na primeira ocasião. Jamais enfrentarão você cara a cara, mas não perderão a oportunidade de atirar pelas costas”. Depois entrou no carro, deu a partida e sumiu

numa encruzilhada

existente naquela rua. William ficou parado, sem entender nada, mas um grito enorme aflorou-lhe aos lábios sem que ele pudesse impedir: “Sim, cacete, um negro querendo Justiça. Não esta Justiça viciada, feita para alguns brancos, mas Justiça de verdade”. Aí ele percebeu que estava na rua da casa da Preta. Não era tarde e ele foi até lá.

“Que aconteceu, Preto?,

fazem, três dias que você não aparece. Já estava ficando preocupada”, disse-lhe Kizzy com o olhar assustado, as tranças de canecalon cuidadosamente arrumadas, William nunca imaginou ficar tão contente ao vê-la. Ele não havia percebido antes como ela era imensamente bonita. “Pensei que o Mãezinha tivesse cumprido a ameaça”, ela completou. Estava sinceramente satisfeita por vê-lo. Sentia um alívio imenso e ao mesmo tempo ondas de doçura invadirem-na. Gostava de passar os finais de semana com ele. O restante dos dias não tornavam-se mais suportáveis na Loja de Costura onde trabalhava, mas gostava mesmo assim. Beijou-o várias vezes e ele arrependeu-se de ter pensado em trocá-la pela mulher perfeita. Amava Kizzy, acreditava nisso. “Você não vai acreditar, Preta”, disse.

Empurrou-a suavemente para o sofá onde ela deitou-se puxando-o para si, tentando adivinhar pelo seu rosto ou por suas atitudes se ele estivera com outra mulher. Gostava dele, mas não aceitaria certos procedimentos seus e perguntou-lhe se ele havia saído com alguém. “Não”, ele respondeu vacilante. Ela abraçou-o, sabendo que ele estava mentindo, acariciou seu rosto, seu peito, segurou-o no pescoço e disse-lhe com firmeza:

“Olha, Preto, não vacila”.

Ele já submergia em suas ondulações de sonho e maciez, em toda geografia daquela pele escura e preparava safadamente um safari que atravessasse por entre suas dunas, desejos de melado e mamão. Nada respondeu-lhe, cheio de saudades e amor p'ra dar. Os pais e as irmãs menores da namorada estavam dormindo. Tudo estava calmo. E ele sentiu que já havia vivido aquilo antes como num sonho, como se ele não parasse de sonhar e a vida não parasse de reproduzir seu próprio sonho. Por isso, segurou-a firmemente, como se quisesse evitar que ela derretesse entre suas mãos.

(Cadernos Negros 10, p. 85-100)

 

Paixões Crioulas*

[...]

Votavam, nesse instante, a favor da passeata e o clima de entusiasmo espalhou-se de novo. Mas, então, Glória das Tranças já percebera a implacável fome, quando Bélico Iorubano sentou-se, visivelmente derrotado. A fome despejava-se também , como minúsculas gotinhas, do sorriso de Pacífico. Glória das Tranças observou ainda que entre os dois enraizava-se a vaidade, mas não deu muita importância a isso, e sorriu com os outros quando saíam dali seis horas depois de terem começado. Estavam todos otimistas e acharam estranhas ou divertidas as palavras de Ayodele: “Parece que durante toda a reunião havia mais alguém aí dentro, e não podíamos ver quem era.” Enquanto o restante não dava a mínima atenção, Glória das Tranças pensou um pouco e falou: “Laroiê!” “o que é isso?”, perguntou Ayodele “Não sei direito”, respondeu, “uma saudação, acho. Ouvi em algum lugar e não me esqueci mais.”

E Glória das Tranças não teve tempo para recordar onde ouvira aquelas esquisitas palavras, pois trabalhou sem cessar nos vinte e um dias que teceram a passeata na lentidão das horas. (...) Procuraram a gráfica para fazer os panfletos, organizaram um almoço e conseguiram montar um precário fundo financeiro para cobrir os gastos iniciais.

Os três enfrentaram os pequenos obstáculos com otimismo. Deram-se conta dessas dificuldades quando elas se mostraram com mais nitidez. Foi depois de percorrerem várias gráficas com o texto dos panfletos nas mãos. Todos liam e recusavam-se a fazê-los. Glória das Tranças solicitou a ajuda de Pacífico, mas, tanto ele quanto Bélico Iorubano pareciam despreocupados.

Ela e Velho Benevides resolveram fazer a última tentativa e, certa manhã, foram a uma gráfica imunda e pequena. Enquanto esperavam, Glória das Tranças confessou a Velho Benevides estar preocupada, pois parecia-lhe que, entre Pacífico e Bélico Iorubano enraizava-se uma forte vaidade, além do que, os dois pareciam divergir em alguns princípios básicos.

Velho Benevides respondeu-lhe que repetir os mesmos erros era um hábito humano, pois, quando entrara para a Associação da qual agora só guardava o nome, tudo se dera de idêntica maneira. Ele e o velho Leônidas vinham de antigas Associações de Homens de Cor. Disse, entretanto, que havia conseguido identificar diferenças com sua época. Parecia-lhe, por exemplo, um propósito exótico unificar as Associações Negras espalhadas pelo país, no entanto, fora uma das principais motivações da reunião. O próprio nome, Grupo de Movimento Negro, a que altos vôos levava?

Velho Benevides foi interrompido pelo gráfico que entrou na sala e dirigiu-se a Glória das Tranças:

“Olha, ‘morena’, nós podemos fazer isso, mas esse texto... nós achamos isso aqui meio racista...”

Glória das Tranças não o esperou terminar. Ouviu-o chamá-la de “morena” e lembrou-se de uma antiga chefe, que a tratava desse modo quando queria parecer agradável. Mas, era visível seu ódio. Glória das Tranças sabia, portanto, o quanto havia de hipocrisia naquele tratamento. Além disso, não pedira um julgamento sobre o conteúdo daquele panfleto. Assim, disse-lhe “obrigado” e, praticamente, arrancou o papel das mãos do homem. No dia seguinte, descobriram uma gráfica pertencente a um velhinho e rodaram aí os panfletos.

(Paixões crioulas, p. 16-17)

* Neste momento da narrativa, os personagens programam um protesto contra o racismo.