A ESPERA
Um dia, seu João deu um relógio para Aya e disse que se ela aprendesse a ver as horas iria saber contar o tempo e calcular quando sua mãe voltaria. Esse relógio distraiu Aya por alguns dias, mas o presente, mesmo a tendo distraído, não suplantou a tristeza que ela carregava no olhar.
Seu João conhecia a família há tempos, pois moravam na mesma rua. Ele se lembrava direitinho do dia em que Aya veio morar ali com dona Ana. Foi no dia do casamento de Carlos com Neide. Aya era a primeira filha de Neide, e Carlos era um dos filhos homens de dona Ana. Eles eram uma das poucas famílias negras da rua. Lembrava-se bem deles, nos almoços de domingo, todos reunidos, uma alegria só. Carlos foi o primeiro filho a dar netos para dona Ana, e Aya, mesmo sendo sua enteada, era a neta do coração. Ela era amada por todos em casa e na vizinhança.
Carlos e Neide tiveram mais filhos. Eram agora três crianças: Aya, Luana e Mário. Quando Mário nasceu, eles começaram a brigar; foi quando Neide resolveu se separar. Só não tinha com quem deixar as crianças. Dona Ana, que era uma capixaba generosa, disse: Neide, pode ir trabalhar que eu fico com as crianças. - Neide, então, falou: - Vou levar Aya, pois ela não é sua neta. Dona Ana, nervosa, retrucou: Neide, não repita nunca mais isto. Nós criamos Aya com todo amor e ela faz parte da nossa família.
Neide se foi com os olhos marejados, mas estava sem opção, pois ia procurar uma "casa de família" para trabalhar. Deixar para trás seus três filhos era uma dor sem tamanho, difícil até de descrever. Carlos, por sua vez, achava que era fogo de palha, que Neide voltaria a qualquer momento. Das três crianças, Aya era a que mais sentia a falta da mãe, e quando ela vinha visitá-los a menina ficava muito feliz, de sorriso largo! Mas quando Neide ia descendo aquela rua comprida onde moravam, Aya subia no muro e chorava por horas; não adiantava ninguém chamar. Ela se debruçava ali, ficava olhando para o fim da rua e só chorava. E fazia isso por horas, sem se mexer. Por fim, desistia e entrava, mas naquele dia não comia mais, não brincava. Nada fazia Aya sorrir novamente. Foi assim durante meses, pois Neide muitas vezes demorava para vir. Enquanto isso, Luana e Mário iam crescendo sem sentirem tanto a falta da mãe, pois eram menores e haviam convivido muito mais tempo com a avó.
Certo dia, conversando com dona Ana, Neide afirmou:
- Olha só, parece que o cordão umbilical de Aya ainda não foi cortado. - Dona Ana, então, disse:
- Pare de doidice, Neide, do que você está falando?
- Neide riu. - Dona Ana, eu falo assim porque muitas vezes estou lá na casa da madame, trabalhando, e lembro de Aya, de como ela fica nesse muro chorando, parece que eu até escuto ela soluçar. Dá vontade de largar tudo e vir buscá-la. Mas eu voltei a morar naquele quartinho de quando o Carlos me conheceu, e lá não tem nem banheiro. Aya já se acostumou aqui... E eu também não teria com quem deixar essa menina para ir trabalhar. Essas coisas ficam rodando na minha cabeça, e a madame, a senhora sabe, tira o nosso couro: eu chego em casa tarde e saio muito cedo. Ainda preciso que a senhora cuide deles para mim.
Dona Ana olhou bem pra Neide e disse o seguinte:
- Neide, agora entendi esse tal cordão umbilical que você disse da menina. Fique calma. Aya, Luana e Mário, aqui, têm tudo o que nós temos. E você pode deixar eles aqui pelo tempo que precisar. E se você quiser voltar, as portas da casa estão abertas. Agora, o que você sente quando está trabalhando é a falta deles... Aya? Essa menina chora umas horas... eu acho que ela fica ali pensando que você vai voltar a qualquer momento. Um dia desses, o seu João, pai do Mauro, lembra dele? Ele viu Aya chorando muito, um dia desses que você veio aqui, e deu a ela um relógio. Esse presente até que distraiu ela um pouco. E você, Neide, quando vier de novo, fique um pouco mais com ela no colo, conversa, faz carinho. Acho que isso vai fazer ela esperar melhor. Criança precisa saber que a mãe ama e se preocupa. Tente vir mais vezes, sei que é difícil, mas dá um jeitinho.
Neide olhou para dona Ana, baixou a cabeça e os olhos não seguraram mais a dor do peito. Chorou muito, abraçada aos filhos. Seu João pôde ver a cena lá do outro lado da rua e ficou pensando: "Como deve ser dura a dor dessa mãe, deixar os três filhos pequenos e ir trabalhar longe, sem descanso. Pobre mulher!". Seu João era um homem idoso e conhecia as dores do mundo.
Dessa vez, quando Neide se despediu e desceu a rua, ela ia andando e olhando para trás... até onde as duas puderam se ver, os braços ficavam levantados, acenando. Naquele dia Aya ficou no muro, chorando por muito menos tempo, e Neide foi embora com a imagem deles três abraçados a ela. Durante toda a semana, essa memória ia fazendo com que quisesse voltar para ficar junto dos filhos. Lembrava-se com ternura de dona Ana, a avó cuidadora e a mãe amorosa que o destino lhe deu de presente.
Da rua era possível ouvir as cantigas que dona Ana cantava para as crianças a cada vez que Neide ia embora, pois só a música os acalmava e os fazia dormir. Era lindo vê-los acalentados pela avó que, com as cantigas que sua mãe lhe ensinou, conseguia secar as lágrimas de cada um dos netos. O amor ancestral era o caminho para seguirem sendo uma família que tinha tudo para ser feliz.
(Cadernos Negros 40, 2017, p 167-171)