Intriga barata de senzala

 

(palavras do Deputado Oswaldo R. Cabral,                 

 ao comentar o nosso editorial de domingo                  

passado, na Assembleia Legislativa).                

 

Tencionávamos, hoje, continuar as nossas considerações despretensiosas, acerca da fala governamental ao Legislativo no Capitulo referente à Educação.

Todavia, porque o nobre Deputado nos apanhou as ideias esfarrapadas (segundo expressão sua) e as levou para a Assembleia, tivemos de alterar os nossos propósitos.

E, pelo respeito que nos merecem os leitores amigos, aqui estamos, repisando o mesmo terreno, para nos esclarecer a atitude, em face da afirmativa do Deputado.

Não conhecemos, na integra, o discurso com que o irritado e nobre deputado da posição nos castigou a incrível ousadia de achar injustos os conceitos com que o Governo aponta o Magistério ao Estado e ao país.

Da peça monumental e admirável, por certo, como são todos os trabalhos do ilustrado tribuno e historiador apenas nos contaram a frase final e conceitos depreciativos sobre os nossos pobres Farrapos.

A frase é a que epigrafa estas linhas.

Rimos. É tudo tão pueril, que achamos graça. E, pensamento distante, perguntamos aos amigos: Mas onde foi isto? Na Alemanha de Hitler, ou nos Estados Unidos?

Compreendemos que a delicada sensibilidade do nobre deputado nada tenha sofrido, diante daquela frase. Sua Excelência, para a felicidade de todos quantos não são arianos apesar de portador de um diploma de normalista, não milita no ensino público

Dizemos felicidade porque a Sua Excelência falta uma das qualidades do professor: não distinguir raças, nem castas, nem classes

Nos, porém, até 1950, que foi ontem, contribuímos com o nosso trabalho para o ensino público. Temos, portanto, uma grande parcela de responsabilidade, na suposta situação desoladora do ensino, e, até nós, chegou, atingindo-nos, na dureza da expressão, o juízo do governo sobre o Magistério.

Dai a intensidade da nossa mágoa, que o nobre deputado não quis ou não pode compreender; daí a sinceridade dos nossos despretensiosos conceitos, em que explanamos a injustiça de um julgamento.

Assim, não houve intriga, nem barata, nem cara. Foi mero engano de Sua Excelência. A nossa palavra não tem preço.

A chave de ouro, com que fechou o seu monumental discurso, não nos ofendeu. A ofensa viria e nós a repeliríamos, se vislumbrássemos que quis chamar-nos de branca.

Na verdade, não há intriga, porque não houve, mas as considerações em torno da situação desoladora do ensino público foram ditadas pelo coração de uma negra brasileira, que se orgulha de sê-lo, que nunca se pintou de outra cor, que nasceu, trabalhou e vive nesta e que bendiz a Mãe, a santa Mãe, também negra, que a educou, ensinando-a a ter liberdade interior, para compreender e lastimar a tortura dos pobres escravos que vivem acorrentados, no mundo infinitamente pequeno das cousas infinitamente pequeninas e insignificantes...

(Não voltaremos ao assunto).

 

Maria da Ilha

(In: O Estado, 06 maio 1951. Crônica, inédita em livro).