PROCURA-SE
Pretonow (ardidamente pronunciado com um inglês sergipano, Pretunau) era um garoto de dezessete anos recém-promovido de flanelinha a manobrista do calçadão na praia de Atalaia. Como a maioria dos funcionários da área, ele era um jovem negro, morador em estado de rua e com muitas ideias na cabeça: ter casa pra dormir, uma carteira assinada pra se aposentar e uma preta da boa para as noites de frio e calor.
Pretonow notava, nos últimos dias do verão de 2013, que os seus conhecidos estavam desaparecendo, dia após dia. Estavam com ele em um dia, no outro tinha-se apenas a notícia do sumiço espacial. Alguns eram seus vizinhos do morro, outros, estudantes universitários e até empresários de entidades locais e multinacionais. Algo os assemelhava: a tez negra qual carvão.
Outro dia, o Sr. Clóvis porteiro do prédio Oxum da Mina caminhava igual a todos os dias, meses e tempos dos vinte e cinco anos de portaria: de casa para o trampo e vice-versa. Mas naquela manhã ocorreu algo diferente. O Sr. Clóvis andava pela calçada desconfiado de que alguém o perseguia desde a esquina, até que tocaram no seu ombro e pimba!!! Desaparecido.
O "Marquinho da Bala" desapareceu no fim do expediente. Estava na condução vendendo doces, escovas e outras distrações, até que uns caras na cocó surpreenderam os passageiros dando voz de assalto. Ônibus em pânico, mães nervosas, carteiras saltitando de seus donos para a mochila dos caras até que no meio daquilo tudo um estampido soa: balas no ar e Marquinhos desapareceu da cena no chão do buzu.
Há dois dias, Pretonow conheceu o Tadeu: professor, ganhador desse tal de honoris causa - preto gente fina educado que só! Bom era isso: ver um bocado de preto na universidade, fazendo bonito, colocando nome na história do Brasil.
Naquele encontro casual, Pretonow e Tadeu falaram de política, economia e racismo é que o Tadeu fazia estudos sobre o alto índice de mortalidade da juventude negra e acabou relatando alguns casos de desaparecimento na região. Papo vai, papo vem e Pretonow concluiu que corria o risco de desaparecer também, pois correspondia ao que os branginistas chamavam de "pessoas em fator de vulnerabilidade social". Como se não bastasse o racismo goela abaixo, tinha mais calo para apertar nesse sapato de cada dia. Ao anoitecer, Pretonow foi se recolher na praça junto com outros trabalhadores e se imaginou como o professor Tadeu, estudando, falando bem, fazendo palestra representando a comunidade negra e conhecendo o mundo inteiro. Pretonow nem conseguiu dormir com tantos planos dançando diante do mar de possibilidades bem-sucedidas que ele avistava.
Depois de muito refletir sobre os passos futuros que ia dar, percebeu que já era dia e decidiu que não ia mais trabalhar de manobrista. Não que o serviço fosse pouco digno, mas Pretonow queria mais... queria ser reconhecido, aparecer na frente dos olhos da sociedade toda. Então, juntou os tostões que guardava, vestiu sua melhor muda de roupa, deu uma escovada no tênis surrado e seguiu rumo ao centro da cidade.
Entrou na condução e assim ia com o pensamento positivo de conquistar uma vaga na faculdade, poder investir em uma carreira profissional de qualidade.
Sonhou e, ao descer do ônibus, foi surpreendido com correria e gritos de desespero. Policiais perseguiam suspeitos de roubo a uma casa lotérica. Confusão, mais correria, todos agitados pela avenida e pronto: atingido por um projétil acionado por um policial altamente treinado para identificar possíveis contraventores da lei, Pretonow desaparecia no meio-fio.
(Cadernos Negros 38, pág 39-42)