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Educação e Humanismo
Livro A Ortografia de nossa língua
Vida: 1933

A ORTOGRAFIA DE NOSSA LÍNGUA (pela simplificação ortográfica): parte 2

 

A ORTOGRAFIA ESTÉTICA OU ARTÍSTICA
(O critério biológico e estético de Teixeira de Pascoais)

Para aqueles a que de todo repugna a grafia científica e simplificada da reforma, seria aconselhável, ao menos, para se não ficarem na mixórdia da velha escritura, adotassem um critério artístico e estético.

Vimos como Latino Coelho falava em estética das palavras. A mais original teoria gráfica, na espécie, entretanto, é a de Teixeira de Pascoais (Joaquim Pereira Teixeira de Vasconcelos), um dos melhores poetas contemporâneos, de Portugal. O maior dentre os vivos, dizem alguns críticos.

Transmito aos estetas o que vejo em Álvaro Pinto A nova ortografia e o desacordo reinante (1931) e que os poderá guiar, numa grafia artística. É de 1911 a teoria. Diz Teixeira de Pascoais:

"É realmente necessário estabelecer-se uma ortografia definida que faça a harmonia neste caos ortográfico em que se encontra a nossa língua..."

Sigamos nós - diz o poeta - outro critério, dentro da concepção moderna da natureza e da vida: um critério biológico e estético.

Partamos do princípio, hoje indiscutível, de que as línguas são organismos vivos...

As palavras são seres. Compôem-se portanto de duas partes: uma objetiva e outra subjetiva. E como tais as devemos considerar quanto à Ortografia, porque ela implica com sua aparência corpórea e, por conseguinte, com sua beleza plástica. Como entre o corpo e a alma, existe uma relação de harmonia e intimidade, é claro que a ortografia, constituindo a parte externa ou material das Palavras, implica igualmente com a sua expressão interior e psíquica.

Portanto, o que é necessário, antes de tudo, é que a ortografia a adotar não contrarie a beleza física das Palavras, a sua expressão íntima ou moral, nem a relação de harmonia que deve existir entre aquela beleza física e sua expressão íntima.

A forma gráfica das Palavras deve estar em harmonia com o seu sentido íntimo ou parte subjetiva e com as leis da estética; deve ser bela e verdadeira.

Desta regra geral derivam duas regras especiais

1. Simplificar a fórma gráfica das palavras cujo sentido é simples, definido ou concreto.

A palavra crystallino, por ex., deve escre ver-se cristalino; o y e os dois ll deformam-lhe o corpo, tornando-o confuso e torvo, ao passo que o i latino e um l apenas, fazem a palavra simples, clara, cristalina, como é a própria idéia que ela traduz. Pelas mesmas razões deve escrever-se janela, e não janella; fruto e não fructo; coleção e não collecção; ortografia e não orthographia; teatro e não theatro; inocencia, e não innocencia, etc.

2. Não simplificar a forma gráfica das palavras que encerram um sentido profundo, abstrato, misterioso.

Vejamos, por exemplo, a palavra Peccado: escrevendo-se com um c apenas, o sentido íntimo desta palavra altera-se imediatamente, e quebra-se a relação de harmonia entre o seu corpo e a sua alma, o que é uma ofensa aos princípios da Biologia e da Estética.

Olhemos a palavra escrita de duas maneiras Peccado e Pecado. Logo ressalta aos olhos o enigma penal que os dois cc revelam e que esta palavra, na verdade, contém..."

Deve escrever-se, pelos mesmos motivos, afflicto e não aflito, bocca e não boca, espectro e não espetro, occulto e não oculto, etc., etc.

Todavia, palavras há que têm um sentido misterioso e se escrevem como se pronunciam, o que não quer dizer que a sua forma gráfica contradiga o seu espírito. Nestas palavras, a verdadeira harmonia existe entre o seu sentido e a sua expressão sônica.

Por exemplo, nevoeiro. O sebastianismo da palavra está na surdez das duas primeiras sílabas e no prolongamento mais alto e nubloso da terminação.

Na palavra luar, a idéa que traduz casa-se perfeitamente com a primeira sílaba muda e a segunda aberta. Aquela é feita de sombra, esta é feita de luz. Reunidas, dão realmente a luz difusa do luar."

O y deve introduzir-se na palavra lágrima...

Na palavra lágryma... a forma do y é lacrymal...

(NOTA - Esqueceu-se Pascoais (ou não o quis fazer) de citar as palavras lyrio e cysne. Em lyrio, no y é que se concentra toda a grácil e clara beleza daquela flor, na haste! E como o y de cysne imita o longo e recurvo pescoço da ave, nadando no "manso lago azul" do poeta Júlio Salusse!}.

"Na palavra abysmo. é a forma do y que lhe dá profundidade, escuridão, mistério... Escrevê-la com i latino é fechar a boca do abysmo. é transformá-la numa superficie banal."

"Vejamos agora o emprego do h na nalavra homem, por exemplo. Tirem-lhe o h, como tantos Herodes das palavras inocentes têm feito, e fica uma palavra horrivelmente mutilada! Faz-me lembrar um homem sem nariz, sem orelhas ou sem pernas!"

"A palavra Phantasma, escrita com f perde todo o seu aspecto espectral e misterioso. Theologia escrita só com t perde seu sinal de transcendência divina."

Etc., etc., etc.

Quem ama a complicação, ou tem alma de artista, pelo menos se complique segundo o critério biológico e estético do poeta Teixeira de Pascoais. Quanto a mim, declaro-o candidamente, se ainda fôra simbolista, estava adotada, na certa, a grafia estética... Com que sede esguia de beleza, eu falara em lyrios e em abysmos!

Foi, possivelmente, no critério de Pascoais, que Álvaro Moreyra achou o y do nome.

Se o adotára, eu aperfeiçoaria ainda, segundo a vitalidade subjetiva, o critério. Quando, por exemplo, falasse de pessoa tísica havia de diferençar assim: pintava tysica, com y, quando falasse de menina pálida e afinada, esbelta e transparente, que o bacilo tivesse invadido. E escreveria thisica - ou até mesmo phthisica - se o sujeito da palavra fosse um tuberculoso próspero e engordado, como os que, não raro, a gente encontra por aí. Isto, quando não preferisse deixar a palavra tysica unicamente para o primeiro caso, reservando para o segundo a palavra tuberculoso, cujo volume bem exprime a idéia do qualificativo físico desejado.

E como a educação da subjetividade é coisa muito difícil, eu proporia, como legislação do ensino, que o critério biológico e estético só fosse lecionado, ao discente, entre os dezoito e vinte anos...

"Que idade flórida e bela
a dos vinte anos, não é?"
(Tomaz Ribeiro).

 

 


FORMULÁRIO DA ACADEMIA BRASILEIRA DE LETRAS 

Vão aqui, sistematizadas por mim, as regras ortográficas do Formulário, pela Academia aprovado em junho de 1931.

Nota - Não se respeitou nem à ordem, nem à redação acadêmicas.
[Nota do organizador: mantém-se aqui o texto tal qual se encontra no original. Nenhuma atualização (orto)gráfica foi feita]


I. ABECEDÁRIO

É o seguinte o abecedário português:
a, b, c, ç, ch, d, e, f, g, h, i, j, l, lh, m, n, o, p, q, r, s, t, u, v, x, z.

Como póde ver-se, o k, o w, o y, foram banidos do alfabeto.
Em logar do k, escreve-se qu (antes de e e i) - querosene, quilo;
ou c (em qualquer outra situação) - calendas, cágado, etc.


K
1. Por cortesia internacional, é conservado o k para sinal de abreviação das palavras quilo, quilogramo, quilolitro e quilómetro: k, kg, kl, km.
2. Entra, tambem como hóspede, em palavras estrangeiras e respectiva família: Kant, kantismo, kaiser, kapa (letra grega) kepleriano, etc.
COMENTÁRIO - É estranho que o Formulário haja incluído na lista do k a palavra quermesse, portuguesa já, e mande escrever kermesse.


W
1. O w substitue-se por u ou v, segundo a pronúncia : vigándias, valsa, Osvaldo.
2. Conserva-se, porém, o w como símbolo denotativo de oéste.
COMENTÁRIO- Diz uma nota do Formulário que, com o som de u, não figura em vocábulo português ou aportuguesado. Quer dizer isto que, em palavras como wilsônia (uilsônia) - nome de planta, wellingtônia (uelintônia) - nome de planta, wesleyano (uesleiano) - sectário de Wesley, wiclefismo (uiclefismo) - doutrina de Wiclef, darwinismo, wilsonismo - doutrinas de Darwin e de Wilson, etc., o w, apesar de origem inglesa, não sôa como u.
Ou, de outro modo, tais palavras não são portuguesas nem aportuguesadas.
O que é, tudo, absurdo, da Academia.


Y
O y substitui-se por i : juri, mártir, tupi, Andaraí.
COMENTÁRIO - O Formulário não cogita do y em palavras originadas de nome estrangeiro, como fez para o k . Naturalmente, porém, que se há de continuar a escrever byroniano, carlyleano, taylorismo, etc.

 


II - DITONGOS E FINAIS EM ÃO E Ã


DITONGOS ORAIS
AI, OI - Os ditongos ai, oi. assim mesmo se grafam: pai, animais, amai, boi, herói. rói, anzóis, etc.
UE - O ditongo ue, assim mesmo se escreverá: possue, azues, etc.

NOTA - O Formulário não o diz, mas a forma verbal fui, não perdeu o i, pelo e...

ÉU, EU - Grafam-se com u os ditongos éu e eu: céu, seu, chapéu, meu, etc.
IU - Com u se escreve o ditongo iu: feriu, partiu, viu, etc. (cf. frio, rio)


DITONGOS NASAIS
ÃE. ÕE - Com e se escrevera os ditongos na sais ãe e õe: mãe, tabeliães. pões, anões.
Hiato - Ouando não formem ditongo, as vogais imediatas a-e, a-o, i-o, se escreverão como de costume. Exs. : aéreo. cáos, rio, etc.
Também se continúa a escrever ao, na combinação a (preposição) com o (artigo).


O DITONGO ÃO
Escrevem-se com ão e não am:
(a) os monossílabos: cão, chão, vão, etc.
(b) as palavras agudas: corarão, alcorão, etc.
(c) as fórmas verbais do futuro: amarão, de verão, etc.
(d) as palavras em ão, anoxítonas: acórdão, bênção, etc. (acentuada a sílaba tónica)


O SOM DITONGAL AM
Escrever-se-á com am o final átono dos verbos: amam, amaram, disseram, etc.


O FINAL Ã
Escrevem-se com ã
(a) as palavras oxítonas: amanhã, Traça, etc.
(b) as palavras monossílabas: lã, vã, sã.
(c) as palavras femininas das terminadas em ão : aldeã, cristã, orfã, etc

(NOTA - O Formulário não cuidou da pala vra ímã, que Gonçalves Viana manda pronunciar imã (com a ultima tônica), sendo a pronúncia ímã um erro crasso. Creio que não poderá ser corrigida, no Brasil, tal pronúncia}.


III - H
A- Permanência

1. O h inicial - É mantido o h inicial das palavras, quando de acôrdo com a etimologia: hoje, homem, honra, hora, etc. Não deverá continuar, portanto, em palavras onde figurava por engano e ignorância: ontem, ombro, úmero, úmido, umectar.
2 - O h nos vocábulos prefixais - Tambem se conserva o h nos vocábulos compostos por prefixação, quando o elemento a que se une o prefixo existe autônomo, na língua: deshabita, deshonra, deshumano, rehaver.

COMENTÁRIO - Infere-se daí, que palavras como inibir, inerente, assim se escrevem e não: inhibir, inherente.

3 - O h diacrítico - Continúa o h, como si nal diacrítico, nas combinações ch, Ih, nh : cha ve, malha, lenha.

COMENTÁRIO - Não sei por que proprie dade chama o Formulário de diacrítico o h dos grupos ch, lh, nh.
4 - O h interjecional - Tambem persiste o h para as interjeições: ah!, oh!. 

B- Desaparecimento

1 - Não se escreverá o h, no meio das pa lavras, salvos os casos acima: sair, compreender, coórte, cair, exumar, anélo, etc.
2 - Nas fórmas pronominadas (pronome intercalado por tmése) do futuro e do condicional, tambem não se usará o h : ver-se-á, ter-se-ia.
3 - Não se empregará, tão pouco, no fim das palavras: Jeová, rajá.


CONSOANTES
IV - CONSOANTES MUDAS

Nenhuma palavra se escreverá empregando consoante que nela se não pronuncie: autor, sinal, adesão, aluno, salmo, e não auctor, signal, adhesão, etc.
É ocioso acrescentar que, pronunciada ou viva, a consoante continuará no seu lugar: egiptólogo (cf. Egito), abdicar, acne, caractéres (cf. caráter) optar, expectativa, secção, pacto, etc.


V - GEMINAÇÕES OU LETRAS DOBRADAS

Não se duplicará nenhuma consoante. Escrever-se-á: sábado, acusar, adido, efeito, sugerir, belo, chama, pano, aparecer, etc.

Exceções
1 - Continuam, pela sua força especial, as geminações rr e ss: carro (cf. cara) cassa (cf. casa), etc.
2 - Continúa o grupo cc quando ambos se pronunciam: seccionar, infeccionar. Cf. secção, infecção, etc.
3 - Tambem se duplica o s ou o r, se a pronúncia o exige, nas palavras de composição prefixal: prorrogar, prerrogativa, pressentir, ressentir, ressoar, ressalva, etc., que antes se escreviam prerogativa, presentir, resoar, etc.

COMENTÁRIO- O FORMULÁRIO nada fala sôbre os casos de composição vernácula, em que os dois êmes se proférem: emmaçar, emmadeirar, emmalhar. Mas como a regra geral é a de não letras dobradas, parece querer o acôrdo que se escreva: emaçar, emadeirar, etc. Assim, manda, com efeito, o VOCABULÁRIO da Academia Brasileira.


VI - O GRUPO SC

Fica eliminado o s:
(a) do grupo inicial sc: ciência, cena, cetro, etc.
(b) dos compostos de vocábulos com sc inicial: conciêncía, preciência...

COMENTÁRIO - Mantém-se, porém, o s no grupo médio: nascer, descer, descendente, adolescente, etc.


VII - A LETRA G (palatal)

É conservado o g, inicial ou médio, nos seus valores usuais: gente, imagem, eleger, fugir, etc.


VIII - AS LETRAS K, W, Y

(Vide supra, divisão I, abecedário).


IX - Os GRUPOS GREGOS CH, PH, RH e TH

São proscritos os grupos gregos ch (duro), ph, rh e th.

(1) O ch fica substituído:
(a) por qu, antes de e e i : traquéa, quiméra, química;
(b) por c, nos outros casos: caldeu, cáos, cromo, Cristo, técnica...
(2) Os diagramas ph, rh, th, simplificam-se em f, r, t: filosofia, fósforo, retórica, reumatismo, tesouro, atmosféra, aritmética, etc.


X - O M ANTES DE P

Continúa a escrever-se o m antes de b e p.
Mas, nas palavras em que se não escrever mais o p etimológico, o m cederá seu lutar ao n: pronto, assunto, isento...

XI - A LETRA S

A - O S FINAL:

Escrever com s final e não com z :
1 - Os pronomes nós e vós.
2 - A 2ª pessôa do singular do futuro do indicativo: amarás, ofenderás, irás, porás.
3 - A 2ª pessôa do singular do presente do indicativo dos verbos monossilábicos e seus compostos: dás, desdás, vês, crês, revês, descrês, ris, sorris.
4 - O plural das palavras terminadas em vogal longa: pás, cafés, frenesis, teirós, perus.
5 - Os adjetivos gentílicos e palavras outras, formadas com o sufixo ês (latim ense): aragonês, barcelonês, berlinês, borgonhês, francês, holandês, inglês, burguês, camponês, montanhês- etc.
6 - Os latinismos de uso comum, que ainda mantêm a fórma originária - bis, jus, plus, virus, pus (subst.)
7 - As palavras seguintes: aliás, ananás, após, arnês, arrás, arriós, ás, atrás, através, calcês, camoês, catrapús, convés, cós, cris, daruês, dês (desde), detrás, enapupês, enxós, filhós, freguês, gilvás, grós, linaloés, luis (moeda), macís, mês, obús, pardês, paspalhós, pavês, piós, princês, rês, rés, resvés, tornês, trás, tris, viés, zás-trás, etc.

B -O S MÉDIO:

Escrever com s médio
1 - As fórmas femininas (de substantivos) que tiverem a desinência esa ou isa: baronesa, duquesa, princesa, consulesa, prioresa, sacerdotisa, poetisa, diaconisa, profetisa;
2 - Os adjetivos formados de substantivos com o prefixo abundancial oso: animoso, doloroso, formoso, populoso, teimoso.
3 - Os diversos tempos dos verbos querer e pôr, com seus compostos: (quis), quisera, quisermos ; (pus), puseram, puserem, compusestes ...
4 - As palavras em eso ou esa, que, em português, são primitivas, consoante suas correspon dentes de origem (elas e suas derivadas ou compostas) - empresa, despesa, defesa, mesa, surpresa, framboesa, presa, devesa, represa, toesa, aceso, ileso, coeso, defeso, obeso, teso, empresário, mesário ...
5 - Os verbos oriundos do latim, terminados em sar - acusar (accusare), recusar (recusare).
6 -Os substantivos, adjetivos e particípios terminados em aso, asa, iso, oso, osa, uso, usa - caso, aso, vaso, asa, casa, brasa, viso, conciso, aviso, graniso, paraiso, siso, guiso, liso, friso, narciso, brisa, frisa, camisa, divisa, espôso, glosa, rosa, raposa, grosa, entrosa, tosa, prosa, uso, abuso, luso, fuso, escuso, infuso, concluso, contuso, musa.
7 - O prefixo trans nesta como nas formas tras e tres e, coerentemente, as suas derivadas - transação, transigir, tresandar, transandino, transição, trasante-ontem, traseiro, trasordinário...
8 - Os nomes em ase, ese, ise, ose - crase, frase, fase, tese, diátese, diurése, génese, apófise, diagnose...
9 - Os vocábulos compostos, derivados do grupo com isos, chrysos, lysis, mesos, nesos, physis, ptosis, stasis, thesis - isócolo, isódico, isodinâmico, crisóptero, Crisóstomo, crisântemo, análise, mesarterite, mesáulio, quersoneso, fisiologia, ptoseonomia, êxtase, síntese.
10. os verbos em isar, cujo radical termina em s, formados com o sufixo ar - avisar (avis ar), precisar (precis ar) analisar (analis ar) irisar (iris ar).

 

XII - O EMPREGO DO Z:

A - z FINAL:

Escrever com z final as palavras agudas em az, ez, iz, oz, uz (excéto as já indicadas no s) - assaz, xadrez, perdiz, veloz, arcabuz.

B - z MÉDIO

Escrever com z médio:
1. as palavras, derivadas do latim, em que o z provém de c, ci, ti - azedo (aceto), fiuza (fi ducia), juizo (judiciu), vizinho (vicinu), razão (ratione), prazo (plácitu), prezar (pretiare), mezinha (medicina);
2. os verbos em zer e zir - aprazer, dizer, jazer, cozer (ao lume), conduzir, induzir, luzir, produzir e seus compostos;

NOTA - Escrever-se-á coser, com s, quando significar ligar por meio de pontos, e do mesmo modo seus compostos - descoser, recoser...

COMENTÁRIO - Cozer vem de cocére (por cóquere), e coser, de consuére (por consúere).

3. as flexões zinho e zito dos diminutivos - florzinha, mãezinha, paizinho, avezita, pobrezito;
4. as palavras de origem arábica, oriental e italiana, que entraram na língua - azáfama, azeite, azul, azougue, azar, azeviche, bazar, ogeriza, gazúa, vizir, bezante, bizantino, bizarro, gazeta e seus derivados;
5. os verbos em izar (lat. izare) - autorizar, batizar, civilizar, colonizar;
6. os substantivos formados dos adjetivos com o sufixo eza (lat. itia) - beleza, fereza, firmeza, madureza, moleza, pobreza;
7. as palavras derivadas de outras que terminam em z - apaziguar, avezar, cruzado, dezena, felizardo;

NOTA - Sôbre nomes próprios com z ver a divisão XX.

COMENTÁRIO - A questão do s e do z é a mais complicada da ortografia portuguesa.

Todas as regras acima podem firmar-se num princípio geral:
(a) escrevem-se com s os vocábulos que, pela etimologia, assim devem ser escritos;
(b) e escrevem-se com z, também, os que, pela etimologia, assim devem ser escritos.

 

XIII - A LETRA X.

São mantidos os valores prosódicos que, no português, tem o x : s, z, cs, ss, ch: excelente, exato, fixo, próximo, nexo, faxina.

COMENTÁRIO - Não confundir o justo valor de x com falsos valores, que têm sido comuns na cacografia que ainda nos assoberba: extranho, extrangeiro, exgotar, explendor, expontaneo, palavras que devem ser escritas: estranho (cf. esp. estraño, italiano strano, fr. étrange); estrangeiro (que vem do francês étranger; cf. esp. estranje ro, it. straniero); esgotar (c. esp. agotar) ; esplendor (do latim splendore); espontâneo (do la tim spontaneu).

 

XIV. O PRONOME LO.

Manter-se-á a escrita lo, la, los, las :
1. com o infinitivo dos verbos: amá-lo, ofendê-la, possuí-los, repô-las;
2. com as fórmas verbais em s : âma-lo, amâmo-lo; e com aquelas que acabam em z - di-lo, fá-los;
3. com os pronomes nos, vos e a fôrma eis: vo-lo, no-la, ei-los.

 

XV. GRAFIAS DUBITATIVAS:

Fixar a grafia, usualmente dubitativa, dos seguintes vocábulos, seus derivados e afins:
1. Brasil e não Brazil;
2. idade, igreja, igual e não: edade, egreja, egual;
3. sossegar, pêssego, dossel, jovem, almaço, maciço, além de outras, e não socegar, pecego, docel, joven, almasso, massiço;
4. ânsia, ascensão, cansar, farsa, pretensão e não ancia, cançar, farça, pretenção...

COMENTÁRIO - As reproduções que por aí andam, do FORMULÁRIO da Academia, consignam as palavras alvíssaras e assucar, no item 3, das "grafias dubitativas". (Ver, por exemplo, o folheto A Nova Ortografia, muito divulgado em Belo-Horizonte). Mas a edição do FORMULÁRIO, que precede o VOCABULÁRIO oficial da Academia, não inclue mais, as referidas palavras, bem como as diferenças crear e criar e as palavras rossío e xeque.
O mesmo VOCABULÁRIO manda escrever alviçaras, açúcar e só regista criar.
Como se vê, a Academia Brasileira reportou o seu conceito sobre tais palavras. Parece, contu do, que não foi completamente feliz. Se fez muito bem em corrigir: açúcar (e não assucar), já não se compreende por que manda escrever alvíçaras, quando a etimologia e as autoridades estão com a fórma alvíssaras.
Quanto à diferenciação crear e criar, que é muito brasileira já, não sabemos por que não continuou mantendo o VOCABULÁRIO oficial.

NOTA - Ver no capítulo JUSTIFICAÇAO o que se explica a respeito de tais grafias.

 

XVI. APÓSTROFO.

O apóstrofo está quasi de todo eliminado, na grafia simplificada. Sem apóstrofo há de escrever-se: dele, daquele, daquilo, duma, daqui, dentre, nele, essoutro, outróra...

COMENTÁRIO - Só se usará para o caso de elisão (por sincope) - espérança; ou por sinaléfa, com substantivos, como d'alma, d'Almeida; ou por ectlipse - hom'essa...

 

XVII - HIFEN

Separar-se-ão com hífen os vocábulos compostos, cujos elementos conservam sua independência fonética: para-raios, guarda-pó, contra-almirante.

NOTA - Não raro o uso dispensa o hífen e reúne os elementos - claraboia, parapeito, malmequer, malferido.

COMENTÁRIO - Poderá acrescentar-se que o VOCABULÁRIO oficial da Academia Brasileira manda separar com hífen elementos de composição prefixal que o uso juntava num só vocábulo, como, por exemplo: sub-reptício (que se escrevia costumeiramente subrepticio), bem-aventurado (que se es crevia bemaventurado); e manda juntar, pelo hífen, elementos separados, pelo uso, sem traço de ligação, como à-baixa, a-caválo (expressões costumeiramente escritas, à baixa, a caválo).

 

XVIII. ACENTUAÇÃO GRÁFICA.

Ainda aqui, as reproduções correntes do FORMULÁRIO não acordam com a que precede o VOCABULÁRIO oficial. A Academia alterou seus preceitos, para simplesmente adotar, na integra, a preceituação portuguesa.

Diz o FORMULÁRIO oficial:

A rigorosa acentuação gráfica das palavras portuguesas deve satisfazer as condições se guintes:
1. Indicar, com a maior segurança para quem lê, quais são os vocábulos átonos e quais os tônicos, e nestes qual seja a sílaba predominante, quando tenham mais de uma;
2. diferençar entre si vocábulos que se escrevem com as mesmas letras, mas divergem na pronúncia e na significação, ou função gramatical.

Os vocábulos portugueses são: de uma sílaba, monossílabos; de duas, dissílabos; de mais de duas, polissílabos; ex.: pá, pára, parada.

Há nos monossílabos e dissílabos vocábulos tônicos, dá, pára, e vocábulos átonos, da, para.

Os dissílabos tônicos podem ter como sílaba predominante a primeira, mares, ou a segunda. marés. Os polissílabos podem ter como predominante a última, falará, a penúltima, falára, ou a antepenúltima, faláramos. Os vocábulos cuja última silaba é a predominante denominam-se agudos ou oxítonos; se a sílaba predominante é a penúltima, dizem-se graves, inteiros, ou paroxítonos; se a predominante é a antepenúltima, recebem o nome de esdrúxulos ou proparoxítonos.

Nenhum vocábulo português, de per si, pode ter como sílaba predominante qualquer outra antes da antepenúltima, conquanto haja dicções formadas por linguagens verbais, acompanhadas de pronomes, a elas unidos por hífen (-), em que a sílaba predominante, que é a da fórma verbal fica sendo a quarta ou a quinta a contar do fim; ex.: dávamos-to, dávamo-vo-lo. Tais dicções em nada modificam na escrita, a acentuação gráfica da fórma verbal, a qual permanece.

A sílaba tónica, quando se torna necessário indicá-la na escrita, assinala-se com o acento agudo (') sobre a vogal dominante dela, se esta é a, e, o, abertos, i ou u ; com o acento circunflexo (^), se é a, e, o, fechados. O til (~) vale por acento tônico, si outro não está marcado no vocábulo; ex.: fará, maré, portaló, difícil, útil; câmara, mercê, avô, ânsia, indulgência, brônzeo, fímbria, núncio; varão, maçã, capitães; órgão, órfã; munícipe.

O acento grave (`) serve para designar, quando seja necessário ou conveniente à pronunciação de um vocábulo ou forma verbal, o valor alfabético de qualquer das vogais a, e, o, indepen dentemente de serem tônicas, e principalmente quando o não são, ex.: à, pègada mòlhada, sòzi nho, fàcilmente, etc.

O trema (¨), sobreposto no i ou u átonos, serve para indicar que êstes fonemas não formam ditongo com a vogal que os precede : saïmento, saüdar. Se são tônicos, sobrepõe-se-lhes o acento agudo: saída, saúde. Sobrepõe-se igualmente o trema ao u (se seguido de e ou i) dos grupos gu e qu, quando o u se pronúncia: freqüencia, argüir.

Estabelecidas estas premissas, pode preceituar-se uma rigorosa acentuação gráfica, inteiramente sistemática, a qual, sem ser profusa ou ociosa, deixe bem patentes os fátos apontados, quer seja expressa, quer omissa a sua notação.
(Segue-se, no Formulário, uma longa especificação dos vocábulos que se devem e dos vocábulos que se não devem acentuar, graficamente).

 

XIX - DIVISÃO SILÁBICA

A divisão de um vocábulo em sílabas far-se-á fonèticamente, pela soletração, e não pela separação dos seus elementos de derivação, composição ou formação - subs-crever, sec-ção de-sarmar, inha-bil, bi-savô, e-xército, ex-ceder.

Para mais fácil aplicação desta regra, observem-se os preceitos seguintes:
1. Separar pelas duas sílabas sucessivas as letras que se duplicam : ar-rastar, pas-sagem, suc-ção;
2. O s dos prefixos des, dis, separa-se da con soante que se lhe segue - des-dizer, dis-continuar; mas si se lhe segue vogal, desta se não separa e com ela forma sílaba de-senganar, de-senvolver, de-silusão;
3. Conservar na sílaba que a precede, a consoante que se lhe segue - des-dizer, dis-continuar;
4. Não separar ditongos - neu-tro, nai-pe, rei-nado, i-gual (i-guais).
5. Separar vogais iguais - co-orte, co-ordenada, e vogais consecutivas que não formem ditongo - vo-ar, po-eira, pro-émio, me-údo, ci-úme.

 

XX - NOMES PRÓPRIOS

1. Os nomes próprios, portugueses ou aportuguesados, quer pessoais, quer locativos, serão escritos com z final, quando terminados em sílaba tônica - Garcez, Queiroz, Luiz, Tomaz, Andaluz, Queluz; e com s final quando terminados em sílaba átona - Álvares, Dias, Fernandes, Nunes, Peres, Pires.
2. Conservar. em nomes proprios estrangeiros, as fórmas correspondentes vernáculas já vul garizadas: Antuérpia, Berna, Bordéus, Cherburgo, Colônia, Escandinávia, Escalda, Florença, Londres, Marselha, Viena, Algeria. [NOTA - Por que não Argélia, que é o legítimo português?]

NOTA - Sempre que existirem formas vernáculas para nomes de outras línguas, devem elas ser preferidas. Conservarão, portanto, a sua grafia original os que se não prestem à adaptação portuguesa: - Anatole France, Byron, Conte Rosso, Carlyle, Carducci, Musset, Shakespeare, Southampton.

COMENTÁRIO - Reproduzi, em outra parte, a mui justa crítica levantada contra o z final ab soluto. Será preciso escrever - Mercez, Assiz, Moizez, etc., pelo mandamento acima. Bem me lhor andára a Academia Brasileira, respeitando o uso e a etimologia, - si escrevesse Assis, Luís, Tomás, etc.

 

 

JUSTIFICAÇÃO GLOTOLOGICA DA GRAFIA SIMPLIFICADA 

"Todos os estudos modernos de lingüística positiva e científica destruíram para sempre as explicações fundadas na lógica. A língua é um fato social: como todos os fatos sociais, é o produto do passado... Quem quiser saber porque é que ela é o que é, ao passado é que tem de pedir a explicação.A língua não é uma criação propositada e refletida; a gramática não é uma forma de lógica, é uma ciência de observação, que deve ser construída por indução, nunca por dedução."
(Alberto Dauzat - Ap. Mota Assunção, Origem e ortografia da língua brasileira)

E este conceito de Dauzat é completado por estoutro de Meillet, sobre a ciência gramatical à velha moda:

"A velha gramática geral caiu em justo descrédito porque não era mais que uma aplicação desastrada da lógica formal à lingüítica, na qual as categorias lógicas não têm aplicação. A nova lingüística geral, fundada sôbre o estudo preciso e minucioso de todas as línguas, em todas as fases do seu desenvolvimento, enriquecida por observações pacientes e por medidas precisas da anatomia e da fisiologia, esclarecida pelas teorias objetivas da psicologia moderna, trouxe completo renovamento aos fatos e às idéias; aos fatos particulares ela sobrepõe uma doutrina de conjunto, um sistema."
(Ap. Mota Assunção - Ib.). 

E Gonçalves Viana, encaminhando para a questão ortográfica:

"As antigas hipóteses dos humanistas sobre a formação das línguas, engenhosas hipóteses em que imperava o raciocínio e minguava a observação, e que entre nós ainda desfrutam de certo crédito, caíram já perante o exame conciencioso, paciente e refletido dos fatos e a reformação dos métodos. O público não pode perder o tempo em investigar para cada vocábulo as origens remotas, que hajam de obrigá-lo a empregar letras inúteis em português, ou outro qualquer idioma, ou em fazer que dependa de tal investigação a escrita da palavra mais trivial..."
(Ortografia nacional).

É nesta lingüística moderna e positiva que está a justificação completa e irrefutável, da simplicidade ortográfica. Vimos como a boa tendência da escritura foi sempre para tal simplicidade. E vimos como a ignorância, e um engano presunçoso de erudição, eivou a ortografia dos desconchavos que a anarquizam.

O bom senso de um conhecedor da língua, como foi Morais, nos começos do século passado, levava-o àquela profissão de grafia "filosófica", atrás mostrada.

E é muito para se notar o fato de a simplificação ortográfica, nos bons termos em que deve tomar-se, ter nascido justamente com o desenvolvimento filológico, nos estudos da língua portuguesa, feitos por aquele notável e insuperado grupo de 1911, já anteriormente apontado.

É que os filólogos encontraram, na verificação judiciosa dos fatos, um motivo invencível e histórico, para a simplificação que todos eles têm aconselhado, em Portugal e no Brasil.

Quem ler o trabalho de Gonçalves Viana - a Ortografia Nacional - sentirá como lhe cairão dos olhos as escamas, feito a S. Pauto aconteceu, e acabará convencido reformista. Verá como as formas da língua evolveram; como é superficial e forçada, contrária às leis da linguagem, a aproximação que os latinizadores afrancesados tentaram, entre as palavras da língua e as originárias latinas, eriçando-as de durezas e complicações jamais ouvidas, porque a realidade fonética já mais não as conhecia ou jàmais conhecera.

*****

 

Vamos tentar aqui uma explicação justificativa da simplicidade ortográfica. Seguiremos, principalmente, o tempo todo, a Gonçalves Viana. Discutiremos, em favor, as principais divisões do Formulário, na ordem da sistematização que atrás deixamos.

 

I. - K, W, Y

K - O k entrou em desuso no próprio latim e foi sempre mal visto em todas as línguas românicas. Até o século 18, foi muito parcamente empregado, em concurrência com o c e o qu.

Nunca foi letra portuguesa. Usou-se para nomes aportuguesados. Ficou mais em moda com o sistema métrico-decimal, importado da França com sua nomenclatura etimológicamente defeituosa.

A cortesia e prática internacional levou os reformistas a o conservarem para símbolo, no referido sistema métrico. Mas, justamente em toda a família de quilo, o k entrou por um descuido e erro, hoje insanável, de derivação. Em vez de kilo, devia escrever-se chilo, do grego chilioi (mil), com chi (pronuncie-se ki) e não kapa.

A influência inglesa e alemã nos trouxe o coke, o nickel, o stock, e inúmeras outras palavras, que em português se haviam e se hão de grafar: coque, níquel, estoque, etc.

Tambem nos bons tempos, diz Gonçalves Viana, sempre se escreveu cágado, quisto, caleidoscópio, grafias em que o k usurpou, modernamente, o lugar que lhe ofereceram os amigos.

 

W - É símbolo alemão e inglês. Entrou mal, mal escrito e mal pronunciado, em mais de uma palavra aportuguesada. Do inglês waggon, por exemplo, fizemos a palavra que a velha grafia pintava e pronunciava: wagon,(vagôn), que nos veio pelo francês.
A palavra Venceslau é talvez polaca. Os boêmios a escrevem com V. Entretanto, fazíamos - e farão muitos ainda - tanta questão de a escrever com W.
Fez bem a simplificação em conceder ao w, no alfabeto da língua, a aposentadoria que merece, com o único posto diplomático de símbolo internacional de oéste: W (da palavra inglesa West).

 

Y - O ípsilon ou úpsilon ou i grego foi sem pre um disturbador da boa grafia.
Tem um uso largamente histórico, na língua. Mas quase todo incongruente. Os antigos abusaram dele, na incerta grafia de que se serviram. A confusão entre i e j levava-os a lançar mão do ípsilon, para diferenças. Atribuiram-lhe um valor de i consoante, numa posição intervocálica em que o Morais, no DICIONÁRIO, ainda o exige ideya, feyo, praga...Em Fernão Mendes Pinto se encontra (ap. Gonç. Viana) Metropoly, concluyo, sayda, yr, tra seyra, fiquey, foy, etc., etc.
Dos incômodos ortográficos, trazidos pelo ipsilon, à boa escrita, no sistema usual ou disparatado, são exemplos a vulgarice de grafias como phylosophia, lythographia, lyrio, Sylvestre, Sylvio, ou até typoia e jurysprudencia, forma pintada por um sujeito que a supunha veniente de jury.
Foi o amor intempestivo do y que alastrou, com ele, toda a nossa terminologia bugre. O simbolo helênico invadiu a selva brasileira. E com tanta fôrça que José Veríssimo, em 1907, assinando a reforma da Academia, suplicava uma exceção para o ípsilon das palavras indígenas.

Os italianos escrevem admiravelmente bem sem h, nem k, nem x e nem y tampouco. Passaremos, nós outros, muito bem sem ele. E o ESTADO DE MINAS, do dia em que adotar ou readotar a nova grafia, poderá anunciar a Policlínica dos Diários Associados, com um bom i em policlínica, sem briga de sistema e censura de ninguém. 

 

II. - DITONGOS

Os inimigos da simplificação, em geral, são tolerantes para com ela, no que se refere à escrita dos ditongos. Efetivamente, é muito mais simples e lógica a sistematização proposta pela reforma do que a vacilação e desacordo da velha grafia. Pronuncio-me em favor da grafia i e u, para as subjuntivas de todos os ditongos orais decrescentes, seguindo nisto a escrita antiga predominante, diz Gonçalves Viana.

O acento faz a diferença entre céu e seu, réis e reis, herói e boi, combóio e joio.

Escrever pães, mães, ao lado de pais, mais, é coisa muito simples, muito clara, que oferece facilidade e não repugna a ninguém.

O FORMULÁRIO mantém o ditongo ue, mandando escrever possue, azues, etc. Não sei para que assim fez. Enfim, não é violenta a imposição e servirá de ensejar oportunidades para alguns erros. (Os professores, nos ditados, terão por onde pegar os alunos).

O grupo am, do fim dos verbos: amam, amaram (com som ditongal ãu) foi condenado por romanistas como Epifânio Dias, Leite de Vasconcelos e Júlio Moreira. De fato, é uma representação imprópria. Não se pode mais corrigir, como também se não corrigirá a representação em (ditongo ei - e-til-i) de palavras como bem, ninguem, etc.

 

III. - H

O agá não tem valor próprio nem em italiano, nem em português, e nem o tinha no latim vulgar.

Foi utilizado de três modos:
1 - à provençal, para representar sons palatais : lh, nh, ch.
2 - Para desunir vogais, como em sahir.
3 - Como inicial, para dar mais corpo a monossílabos, como ho (o) e hum (um) ou diferençar de outros, como he (é), ao lado de e.

O emprego do h para desunir - possuhia, dohia (dos antigos), sahir, cahir, bahú, atahude, ahi - seria sensato, mas então houvera de ser adotado de maneira sistemática, escrevendo-se, por exemplo, sahude, etc., diz Gonçalves Viana. Mas o acento, perfeitamente o substitue.
Nas palavras ombro, ontem, úmido, umectar, úmero, o h entrou por abuso e constituía etimologicamente uma errônea.
A palavra Espanha, sem h a escrevem os espanhóis, italianos, franceses e ingleses.
O h médio foi incondicionalmente abolido pela reforma portuguesa de 1911. O acôrdo de 1931 tolera-o em palavras compostas de outras em que ele exista, inicial: inhumano, deshonra, etc.
Em palavras como filarmônica, desarmonia, diz Gonçalves Viana que é barbaria intrometer o h - filharmônica, desharmonia - porque, no grego. o espirito forte (que o h muito inutilmente representa) desaparece do meio dos vocábulos compostos. Filarmônica, desarmonia, filelenos, é que se há de escrever.
O VOCABULÁRIO oficial da Academia Brasileira manda escrever desharmonia, mas, por outro lado, filarmônica e fileleno.
Além do h inicial, mantido, quando de bom uso, a simplificação conservou tambem o h final e enfático, das interjeições: ah! oh!.

 

IV. - CONSOANTES MUDAS

Os únicos grupos de consoantes, iniciais de sílaba, realmente portugueses, são: br, cr, dr, fr, gr, tr. Posteriormente, por influência erudita, se introduziram bl, cl, gl, p1, tl.
Os demais são usados em vocábulos de origem artificial, que ainda se não acomodaram à fonologia portuguesa, apesar de alguns se terem tornado populares.
Neles, o grupo (1) ora se pronuncia: percepção, secção (que outros dizem seção), preceptor, (2) ora se não pronuncia: a(c)ção, dire(c)tor, fa(c)to, Egi(p)to... Na mesma família, o grupo vale integralmente numas palavras e não vale noutras: Egi(p)to, egipcio; ado(p)tar, ado(p)ção, optar, opção; es pe(c)táculo, expectador, expectativa...

A simplificação portuguesa de 1911 mandou conservar a consoante de tais grupos, mesmo não pronunciada, porque (para os lusitanos) ela influi na vogal anterior. Assim, eles escrevem - facto, espectáculo, carácter, etc. Sômente o i e o u se não alteram, de sorte que a consoante, não influindo sôbre eles, também se não escreve em palavras como - escrito, produto, instrução. É sabido, porém, para os brasileiros, não existe essa influência retroativa, da consoante, sôbre a vogal. De sorte que escrevemos muito bem - ato, fato, espetáculo, carater. Podia o FORMULÁRIO, como fez, mandar cortar toda consoante inútil, escrevendo nós ato e escrevendo os lusitanos acto, pois que o c não é inútil para eles.

No grupo subseqüente a vogal nasal, processou-se a mesma redução evolutiva. De sanctu, promptu, unctu, defunctu, exemptu, etc. (e a simplificação iniciou no próprio latim vulgar) forma ram-se no português as palavras santo, pronto, unto, defunto, isento. De damnu, solemne, mulcta, auctor, Magdalena, Ignacio, Ignes (Agnes), assignar, tivemos - dano, solene, multa, autor, Madalena, Inácio, assinar. De fructu, exsuctu, tivemos - fruito, enxuito e, depois, fruto. enxuto... tudo pela tendência ao abrandamento, pela lei do enfraquecimento sucessivo, de que logo adiante se falará.

 

V. - GEMINAÇÕES

As únicas consoantes que têm razão de dobrar-se, em português, são o érre e o ésse; carro, cassa. Todas as mais se devem reduzir a singelas, porque, escrita uma ou escritas duas, a pronúncia é a mesmíssima.

Nenhuma razão de ser têm as geminações e complicações consonantais, na língua portuguesa. E o motivo glotológico de tal simplicidade está na LEI DO ENFRAQUECIMENTO SUCESSIVO ou lei do abrandamento progressivo, de que falam Gonçalves Viana e Leite de Vasconcelos.

Veja-se este trecho, tomado ao dr. Sílvio de Almeida (ap. F. T. D., Gr. hist.)

"A relação que vai de acutum para agudo é a mesma de accusare para acusar. Também a razão que leva a anular-se um l intervocálico - malum > mau - faz que se reduzam dois a um - collum > colo. Esta LEI DO ENFRAQUECIMENTO SUCESSIVO tanto se verifica ao passar-se de cc para c, como de c para g; ou de ll para 1, como de 1 para zero. Assim não se justificam os que escrevem lettra com dois tt, sob o pretexto de que em latim era littera; porque. segundo acabamos de notar, dois tt dão um só, do mesmo modo que um só dá d: vita > vida; e se em latim fosse litera, como pondera LEITE DE VASCONCELOS, o português seria ledra, em vez de letra; e a prova está em Pedro < Petru." 

Diz Gonçalves Viana. no Ortografia nacional: 

"Aprende-se que nos vocábulos de origem evolutiva, popular. herdados, o t e os tt latinos permaneceram em italiano, como em latto, latim, Latus; gotta, latim, gutta; ao passo que, em castelhano. êsse t se abrandou em d, lado, e dos tt resultou um único t, gota. É fácil reconhecer que nessa transformação. evolução ou o que quiserem, o português é ao castelhano absolutamente comparável,lado, gota, desviando-se do italiano, que, mais de perto, acompanha o latim."

No tratamento dos vocábulos de origem artificial ou erudita, o espanhol seguiu o mesmo critério simplificador: deu ao t e aos tt latinos idêntico valor. Assim ignotus e attribuere dão ignoto e atribuir. O tratamento português é o mesmo. "pois não existem, nem existiram jamais, na nossa língua,no inferior da palavra, consoantes duplas, geminadas, na pronúncia, como se observam em toscano, e existiam no latim." (Gonçalves Viana) .

Darei alguns exemplos de enfraquecimento sucessivo, pelos quais se verificará a clareza da referida lei fonética. Temos, do latim para o português: plattu > prato e pratu > prado; vitta > fita e vita > vida : bucca > boca e baca > baga ; vacca > vaca e vacat > vaga; sicca > sêco e coecu > cego.

Diante do enfraquecimento sucessivo, cuja atuação tanto ressalta do confronto acima, per guntaremos se, glotologicamente, pode ser defendida a permanência das geminações na grafia da língua?

 

VI. - SC

Já Gonçalves Viana aconselhava o corte do s, no grupo inicial sc, imitando-se a grafia espanhola: ciência, certo, cintilar. A reforma portuguesa de 1911 manteve o s. O acôrdo de 1931 preferiu ficar do lado de Gonçalves Viana.

Mantém-se, entretanto, o sc no corpo das pa lavras que não sejam compostas de alguma das que começam por sc ; ex.: abscesso, abscissa, adolescente, apascentar, ascender, ascese, asceta, cognoscível, descendência, discente, disciplina, fascinar, fluoresceína, irascível, isósceles. lactescente, etc., etc.

Não se quis anular, de todo, uma tradição.

 

VII. - G

Gonçalves Viana aconselhava a substituição dos valores ge, gi, no corpo das palavras. por je, ji: orijem, viajem, etimolojica, imajinar. Também assim queria a reforma brasileira de 1907. Mas o acordo preferiu não tocar no g, conservando-lhe os valores, dentro do bom uso e da boa origem: gente, ginásio, vertigem, origem, etc. Não se escreverá, entretanto, geito, magestade, abusos que se corrigirão para jeito, majestade: do latim jactu, majestate.

 

VIII. - K W Y

(V. supra, divisão I)

 

IX. CH PH RH TH

A conservação dos grupos gregos ch, ph, rh, th, era um francesismo anacrônico, já abandanado em Espanha e nas nações escandinavas, e nunca seguido na Itália, diz Gonçalves Viana. Era uma herança incômoda do pedantismo séculos XVI e XVII. Nenhum valor jamais tiveram esses grupos, na língua, a não ser o de fonte confusa para cacografias: systhema, cathegoria, author, Athayde...

Jamais influiu o h, para a transformação das palavras em que entra; assim: cathédra > cadeira; apothéca > bodéga; chirurgione > cirurgião; phantasma > avantesma; Stephanu > Estêvão; scariphare > escarvar.

A boa tendência da língua sempre foi simplificá-los. Para comprovação, bastará um exame da escrita de palavras vernáculas em que, pela mais legítima grafia, eles não existiam, nem mesmo antes da reforma: carta, escola, tio, cântaro, talo, carácter, época, cólera, catecismo, cirurgião, fantasma, fantasia, faisão, frenesi, fleugma, freima, frase, órfão, farol, fanal, frêmito, filtro, Delfim, Eufrásio, Felipe...

 

X. - M ANTES DE P

Nas palavras em que se não escreve mais o p etimológico, o m cederá logar ao n: pronto, assunto, isento. Muito lógico. É uma questão simples de fonologia. A labial m não se harmoniza com alguma dental ou gutural, mas sim com outra labial. Se o latim proferia promptus, a representação escrita da nasal estava bem feita pelo m (labial) junto da labial p. Se nós, no entanto, passámos a falar pronto, o p era inútil; a prolação nasal pron junta-se com a dental to: e só o n pode bem servir, antes desta.

 

XI e XII. - S FINAL E S MÉDIO; Z FINAL E Z MÉDIO

O acordo havia de simplesmente rezar o seguinte: "O emprego do s e do z, finais ou médios, pela etimologia se regerá, e pela boa formulação das palavras". A legislação do FORMULÁRIO, a respeito do s e do z, dispensa qualquer justificação, porque é cuidadosamente etimológica.

 

XIII. - X (xis)

Gonçalves Viana queria que o x fosse reduzido ao único valor que tem, na palavra xarque. Mas a reforma preferiu não tocar nele, conservando-lhe os vários sons usuais.

 

XIV - O PRONOME LO

Têm pretendido alguns gramáticos que nas combinações amá-lo, amâmo-lo, houve uma paragramatise ou substituição eufônica de uma letra por outra; amar - o, amamos - o teriam dado amál-o, amâmol-o, com substituição, pelo 1, do r e do s. Outros, como Otoniel Mota, pretendem ter havido assimilação; e buscam prova na forma, graficamente indisciplinada - amallo, dos antigos.

Gonçalves Viana, com sua autoridade incontrastável, mostra que não houve paragramatise nem assimilação.Há de escrever-se amá-lo, amamo-lo, etc., com base na história da língua. Em amá-lo, amamo-lo, di-lo, houve simplesmente uma queda do r, do s e do z, diante do lo.

Isso de escrever amal-o, dil-o, amâmol-o, foi inovação fantasiosa de após 1850, por uns gramáticos "que estudaram a língua, não pelos seus monumentos escritos ou pela fala viva do povo, mas por filosofias abstrusas e sínteses arquitetadas no ar, ou armadas na sua imaginação"

 

XV - GRAFIAS DUBITATIVAS

BRASIL - Não vou renovar aqui a discussão a respeito da grafia de Brasil. A melhor opinião manda escrever com s. E é bem que, ao menos sobre o nome de nossa terra, nos fixemos de uma vez. Não vou dizer que já chega o ter sido descoberta por acaso, porque Cortesão e os portu gueses todos se zangariam comigo e demonstrariam, historicamente, que Cabral muito bem sabia para onde viravam os narizes. Houve intenção definida, houve intento claro, embora secreto. Não escrevamos, pois, ao acaso, um nome que tanto precisa ficar definido diante da civilização.

IDADE, IGREJA, IGUAL - Ficou discutida, em outra parte, a evolução destas palavras.

AÇÚCAR - Felizmente, o VOCABULÁRIO reconsiderou o que parece ter, primeiro, constado do FORMULÁRIO, a respeito de açúcar, quando mandou grafar assúcar. Açúcar (com ç cedilha ou ç plicado, ç com cercilho ou cifra), manda escrever Gonçalves Viana, manda Cândido de Figueiredo, manda Antenor Nascentes e manda toda boa autoridade. Em espanhol é azúcar e em italiano zucchero. Em francês é que é sucre. Veio-nos do sânscrito, a palavra, diz Gonçalves Viana, através do árabe assukar. Sôbre como os dois ésses árabes deram em português ç e em espanhól z, pode ver-se a explicação do mestre, em sua Ortografia Nacional, pags. 111 e seguintes.

ALVIÇARAS - Alvíssaras mandou escrever o FORMULÁRIO, ao que parece, na sua primeira divulgação. Mas alviçaras traz o VOCABULÁRIO oficial da Academia Brasileira. Não compreendo a corrigenda, pois alvíssaras manda escrever Gonçalves Viana, alvíssaras traz e explica Antenor Nascentes, alvíssaras muito se escreveu pelos antigos, segundo o afirma o primeiro destes autores e segundo o regista também o Morais, que consagra alvíçaras e alvíssaras. Devia, pois, o VOCABULÁRIO optar pelas alvíssaras com dois ésses, porquanto, a crer nos mestres é a forma acorde com a etimilogia do árabe albishara.
À nossa Academia, não lhe dou as alvíssaras, pela mudança. E nem lhe dou as prolfaças.

SOSSEGAR - Do latim sessicare.

PÊSSEGO - Do latim pérsicu, com assimilação do r pelo s.

DOSSEL - Do latim dorsale ou dorsellu, com assimilação do r pelo s.

ROSSIO e ROCIO - Também a palavra rossio, que ainda corre nas divulgações do FORMULÁRIO, foi eliminada do FORMULÁRIO oficial. E com razão, porque, si há rossio e rocio, como se fixar a escrita por um só?

ROSSIO é o terreiro, o lugar espaçoso, o logradouro público, diz Cândido de Figueiredo. Antigamente se falava ressio, o que faz supor que venha de ressa - calor do sol, diz Antenor Nascentes, citando Cândido de Figueiredo.

ROCIO, que muito errôneamente se costuma pronunciar rócio, é o orvalho, e nasce do latim roscivu.

ALMAÇO - De a-lo-maço, alusão ao modo de fabricar o papel, diz C. de F.

MACIÇO - De origem discutida. Em espanhol é macizo. Pelo espanhol se pode moldar a grafia portuguesa.

ÂNSIA - Do latim ânxia. Cf. esp. e it. ânsia

CANSAR - Do latim quassare.

DANSAR - Não sei porque preferiu o VOCABULÁRIO a forma dansar,se a etimologia da palavra não é líquida, e se o espanhol e o italiano escrevem danzar e danzare. Possivelmente, para agradar, alguma vez tambem, aos franceses ... Chega de espanhol, arre!

(NOTA - Littré teria provado que deve escrever-se com ésse e não com cê, a palavra dansar...}.

XEQUE e CHEQUE - São palavras diversas, na escrita, na origem e no sentido.

O FORMULÁRIO oficial não inclue mais xeque, entre as palavras de grafia dubitativa.
Xeque é (1) lance, no jogo do xadrez, e vem do persa, ou (2) é governador, para os árabes, e deles vem a palavra.
Cheque vem do inglês check e é ordem de pa gamento (1), ou (2), em Antenor Nascentes, é o natural da Checo-Eslováquia.
Anda-nos o inglês tão avassalador, hoje em dia, que a palavra xeque, no sentido de governador, está quase desconhecida, porque o que voga é o sheik dos romances traduzidos e dos letreiros de cinema.

CREAR e CRIAR - Parece-me que o FORMULÁRIO e o VOCABULÁRIO não estiveram brasileiros, registando unicamente a forma criar e desconsagrando (isto, atrás, já ficou dito), a tão brasileira diferença entre crear (fazer alguma cousa) e criar (nutrir).

Estas e outras palavras tinham grafias dubitativas, diz o FORMULÁRIO, e o acordo indicou a maneira escrita em que se devem fixar. Não acho que fora melhor chamá-las de grafias duvidosas, como pareceu a um comentador do FORMULÁRIO. Entre assucar e açúcar, almasso e almaço, pêssego e pêcego, etc., uma grafia será certa e outra errada, mas nenhuma duvidosa. Duvidoso ficava ou podia ficar o indivíduo, diante das duas formas. .. dubitativas, para ele.

 

XVIII. - ACENTUAÇÃO GRÁFICA

A acentuação gráfica foi sistematizada pela reforma portuguesa de 1911, em regras que adotou o acordo de 1931.
O excesso de sinais diacríticos irritará, um pouco, no começo. Principalmente a quem escreva à máquina, suposição muito natural hoje, por quanto a máquina de escrever se vulgarizou e se vulgariza, mesmo fora dos escritórios. Minha Rémington, por exemplo, não possui o trema ou diérese (cimalhas ou ápices, como o denomina Gonçalves Viana). De sorte que, se tenho de reproduzir a palavra lingüística ou conseqüência, cada vez, sou obrigado ao retrocesso e à utilização das aspas, que fazem o papel dele. Não é prático, bem se vê. Entretanto, copie uma página de francês, ou muitas páginas de francês, quem for inimigo da acentuação gráfica sistematizada... e ficará curado.

SINAIS ORTOGRÁFICOS

Acento agudo

á

é

ó

í

ú

Acento circunflexo

â

ê

ô

 

 

Til

ã

 

õ

 

 

Acento grave

à

è

ò

ì

ù

Trema

 

 

 

ï

ü

 

O ACENTO AGUDO marca a vogal tônica e aberta: álgido, maré, tópico, saída, saúde.

O ACENTO CIRCUNFLEXO marca a vogal tônica e fechada: flâmula, mercê, endôsso.

O TIL marca vogal ou ditongo nasais, tônicos ou não: coração, órfão, maçã, ímã.

O AGENTO GRAVE marca vogal aberta, não tônica: àquele, pègada, prègar, mòlhada.

O TREMA separa o i ou o u, não tônicos, em grupos vocálicos: saüdar, tranqüilo.

O acento agudo, o acento circunflexo e o til são mais importantes e mais freqüentes. Marcam, em geral, sílaba tônica e caem, principalmente, sobre o a, o o e o e.

O acento grave e o trema distribuem, entre si, a tarefa de marcar vogais de síladas não tônicas: à, é, ô, abertos, o acento grave; ï, ü, o trema.

NOTA - O acento circunflexo marca sílaba não tônica, fechada: cortêsmente, secamente...

O ACENTO GRAVE denota

(1) crase, atual e perceptível, na pronúncia, como em à, àquele, àparte;

(2) crase, remota e apagada, como em mèzinha, bèsteiro, còrar, crèdor;

(3) vogal átona que, originariamente, era tônica e aberta; mòlhada, pègada (de pé), sòmente (de só), màzinha (de má), ràpidamente (de rápido), benèficamente (de benéfico) ...

O TREMA indica:

(1) hiato, em grupos vocálicos, de sílaba não tônica : saïmento, païsagem, saüdar (cf. saúde, país) ;

(2) a prolação do u, seguido de e ou i, nos grupos gu e qu : agüentar, argüir, tranqüilo, con seqüência (cf. apazigúe, etc.) .

 

 

VOCÁBULOS NÃO ACENTUADOS GRAFICAMENTE
(Regras tiradas do FORMULÁRIO, mas com outra sistematização).

1. MONOSSILABOS

Não se acentuam graficamente:
(a) monossílabos átonos : o, a, me, te, se, nos, vos, de, em, com, por, sem, sob, mas, que, etc.
(b) os monossílabos tônicos que não termi nem em a(s), e(s), o(s) : bem, tens, cem, vi, vis, crus, lã, som, mão, mau, seu, reis, boi, dor, mar...

EXCEÇÕES - Acentuam-se os monossílabos em a(s), e(s), o(s) : pá, pé, pó...
Acentuam-se tambem os monossílabos ditongais em éis, éu, ói (abertos) : réis, réu, rói...

 

2. DISSILABOS

Não se acentuam gràficamente
(a) os dissílabos ÁTONOS: para, porque, pelo...
(b) dissílabos OXÍTONOS que terminem:
(1) por vogal nasal: maçã, atum;
(2) por ditongo: sarau, varão, correis ...
(3) por qualquer consoante, exceto s: canal, painel, Artur, capaz...

 

3. POLISSÍLABOS

Não se acentuam graficamente polissílabos OXÍTONOS que terminem:
(1) por vogal nasal: bergantim, catalã;
(2) por ditongo: Galileu, constituição;
(3) por qualquer consoante, exceto s : pa nta nal, coronel, arcabuz, Gibraltar...

 

4. PAROXITONOS

Não se acentuam graficamente os paroxítonos em a, e, o, u, i, - venha, ou não, seguida de s a vogal: camada, paredes, devoto, louvo, louvaria, juri, quasi, tribu, Venus, onus.

 

 

VOCÁBULOS ACENTUADOS GRAFICAMENTE 

MONOSSILABOS - Acentuam-se gráficamente:
(1) monossílabos TÔNICOS, terminados em a(s), e (s), o(s): pá, sé, vês,mês, pó, pôs...
(2) monossílabos ditongais em éis, éu, ói, abertos: réis, véu, sói...

DISSILABOS E POLISSILABOS - Acentuam-se gràficamente:
(1) dissílabos e polissílabos OXíTONOS, terminados em a(s), e(s), o(s), i(s), u(s); em, ens, éis, éu, ói, (ditongos abertos) : jatobá, poracés, enxó, aqui, escrevi, colibris, funis, perú, vintém, conténs, chapéu, corrói...
(2) dissílabos e polissílabos, PAROXÍTONOS terminados:
(a) por vogal nasal: ímã, órfã;
(b) por ditongo: órgão, louváreis, fáceis, sáveis;
(c) por qualquer consoante: gérmem, alcáçar, consul, sílex...

AMOS - Acentua-se o a de ámos, no pretérito perfeito do indicativo: louvámos (cf. louvamos, presente do indicativo).

PROPAROXITONOS.- Acentuam-se TODOS OS VOCÁBULOS PROPAROXITONOS : prática, ânimo, ânsia, pêssego, fêmea, próprio, lúgubre, único, núncio, cadáveres, múltiplos, louvaríamos, devêramos, fizéssemos...

HIATOS - Distinguem-se, gràficamente, os hiatos:
(a) se a vogal é tônica, com acento agudo : país, saída, Taígeto, saúde;
(b) se a vogal é átona, com o trema ou diérese : saïmento, païsagem, saüdar.

NOTA - Outra função do trema : conseqüência, argüir...

 

HOMOGRAFOS

1. REGRA GERAL - duas palavras homógrafas distinguem-se pelo acento gráfico, dentro das indicações acima: quê (monossílabo tônico) e que - pôr e por - réis e reis - contém e contem - louváreis e louvareis - pára e para - pêlo (subs.) pélo (v.) e pelo (combinação de per com o artigo lo) - mòlhada e molhada - médico e medico...
2. Entre o ê e o ô (fechados) e o é e ó (abertos), marcam-se os fechados, nos homógrafos: rôgo e rogo - dêmos e demos (pret.) - sêde e sede - côrte e corte...
3. Se a sílaba não é tônica, o à o è, e o ò (abertos) recebem acento grave, no homógrafo que deve ser marcado: á e a - àquele e aquele - àparte e aparte (v.) - prègar e pregar...

 

VOGAIS DE SILABA NÃO TÔNICA

Como se acentuam:

1. ACENTO GRAVE
(a) Ver o item 3 dos homógrafos.
(b) Se, originàriamente, a sílaba era tônica, aberta e gràficamente acentuada, a vogal. não mais tônica, passa a marcar-se com acento grave: pàzinha, pèzinho, avòzinha, anèizinhos, lìcitamente, ùltimamente.

2. TREMA
(c) Si o í ou o ú, em grupo vocálico de hiato. passou de vogal tônica a vogal não tônica. qualquer se marca pelo trema : contraído, contraïdamente; miúdo, miúdamente.

3. CIRCUNFLEXO E TIL
(d) Si o som é fechado ou nasal, permanecem o circunflexo e o til: cortêsmente, sêcamente, sôfregamente, cristãmente...

OBSERVAÇÃO - Se o motivo da discriminação desaparece, deixa de acentuar-se a palavra, mesmo dentro de família em que alguma seja acentuada. Assim: português e portuguesa ou portugueses - pôr e dispor, propor, compor - palavras em que não há razão para acento.

 

CRITICA

"Todos emendam o alheio e poucos sentem o seu."
(João de Barros)

Como pode ver-se, os dispositivos do FORMULÁRIO, a respeito da acentuação gráfica, desceram a muita minúcia. Esperamos que o tempo vença a primeira repugnância, em cada um de nós, de tanto sinal gráfico, em tanta palavra. Talvez que fôra mais prático o FORMULÁRIO ter destacado duas ou três grandes regras, subcolocando certas miudezas em plano de mera opção - provisoriamente - com um caráter ape nas indicativo, para aqueles que desejassem atingir a perfeição diacrítica.

As regras gerais poderiam ser:

I - Continua em vigor a acentuação usual: mercê, avó, avô, cecém, porém, colibri, perú, pôs, etc.

II - Acentua-se todo vocábulo proparoxíto no: lâmpada, lépido, lírico, lôbrego, lúgubre, etc.

III - Diferençam-se, pelo acento, os vocábu los homógrafos, não homófonos : réis e reis; sede e séde, médico e medico, louváreis e louvareis, etc.

IV - Acentuam-se os vocábulos passíveis de má pronúncia, já porque menos vulgares ou mais raros, já porque menos firme o uso: sável, rábão. alcáçar, Setúbal, táctil, téxtil, contôrnos, espôsos, novél, etc.

(Seguir-se-iam as sub-regras ou regras de minudências...)

 

 

NECESSIDADE DA ACENTUACÃO GRÁFICA

É redundar, encarecer a necessidade da acentuação gráfica. Como pronunciará, alguém, fàcilmente certo, encontrando-os pela primeira vez, num livro, a vocábulos como Zêzere, Ílhavo, Pontével, Setúbal? (Gonç. Viana) Ou, ainda: Coromândel, Madagáscar, Quíloa, Õbidos, pudico, rubríca, epôdos, êxodo, etc., etc.?

A ausência de sinais diacríticos tem sido causa da desorganização, dos desvios, dos viciamentos, dos sincretismos prosódicos, na ortoépia ou... ortoepía da lingua. Uma utilização regular dos acentos gráficos, de há muito, haveria corrigido, em boa parte, a cacoépia alastrada de que sofre o idioma. Um inventário das más pronúncias, entre nós, quer as ainda corrigíveis, quer as já incorrigíveis, fôra matéria para outro livro, outra tese.

Tentemos um leve ensaio.

 

 

NOMES PRÓPRIOS
(Necessidade da acentuação gráfica) 

Vêm de longe os abusos e licenças, ou as ignorâncias da boa forma e ortofonia dos nomes próprios, na prosa como na poesia.

Na poesia têm o nome de licença poética. Delas se valeu o Camões, quando escreveu Anibál, Dário, Demodóco, Semirâmis, Zopíro, em vez de Aníbal, Dario, etc.

Na poética, ao menos, o metro ou o ritmo força a quantidade, por modo que a prosódia da palavra se reconhece, mesmo desacentuada gráficamente.

Já na prosa, entretanto, como descobrir a boa prolação, deste ou daquele nome, quando não é fácil ou não convidativo, para o menor esforço, a consulta a uma fonte?

Francisco José Freire (1719-1773), o conheci do CANDIDO LUSITANO, em suas Reflexões sobre a Língua Portuguesa - 2ª parte - faz reparo acerca da prosódia de alguns nomes próprios, correntemente deturpada, no seu tempo... "algumas vozes, cuja pronunciação corre errada, fazendo-se umas vezes breves e outras longas, contra a sua derivação e origem".

Enumera palavras proparoxítonas a que muitos fazem a penúltima longa, errôneamente, dizendo: Climéne, Democrátes, Herodôto, Iôlo, Patróclo, Praxitéles, Telemáco, Numída, etc., em vez de Clímene, Demócrates...

Cita outras, paroxítonas, em que, inversamente, a ignorância fez a penúltima breve, dizendo: Árquia, Andrónico, Heráclito, Ifigênia, Copérnico, Gárgano, Cleóbulo, Tessalônica, Selêucia, Nicomédia, em vez de Arquía, Androníco, Heraclíto, Coperníco, etc.

Como corrigir, hoje, pronúncias quais Ifigênia, Heléna, Heráclito, Copérnico? Quem falaria Hélena ou Ifigenía ou Heraclíto, como bem mandariam as quantidades gregas e latinas destas pa lavras?

Copérnico diz hoje todo mundo. Copérnico, acentua o VOCABULÁRIO da Academia.
Também Androníco, Teodúlo, Cleobúlo, Trasibúlo, Tessaloníca, etc., devem assim pronunciar-se paroxítonas, como o querem as quantidades gregas e latinas, que bem vejo aqui no Calepinus septem linguarum, de Jacobi Facciolati. E já a estas palavras, de uso mais restrito e mais alto, nada impede que lhes evitemos a errônea e viciamento.

Creio não ficar fóra de lugar, uma lista de no mes proparoxítonos, e outra de paroxítonos, que tomo à autoridade de Mário Barreto, nos Novos Estudos

"Nomes com a antepenúltima predominante, isto é, proparoxítonos, esdrúxulos ou dactílicos Abdénago, Andrómaca, Antístenes, Antímaco, Átropos, Átila, Agátocles, Areópago, Antíoco, Aristófanes, Anaxímenes, Aristócrates, Arquíloco, Andrómeda, Aristóteles, Antígone, Cimódoce, Cécrope, Cérbero, Calíope, Cánace, Cassíope, Cícladas, Calígula, Calícrates, Cleómenes, Clímene, Calístenes, Calístrato, Demóstenes, Diógenes, Dámocles, Dálila, Demódoco, Dédalo, Desdémona, Érebo, Esténelo, Encélado, Empédocles, Euménides, Espártaco, Eróstrato, Eratóstenes, Eurípides, Erígone, Euríalo, Eurídice, Éfeso, Ésquilo, Etéocles, Górgonas, Hécuba, Hesíodo, Heródoto, Híadas, Hipótades, Hipómaco, Heliogábalo, Hécate, Ínaco, Íaca, Ícaro, Isócrates, Lámpsaco, Laódice, Lápitas, Láquesis, Líbano, Mégara, Ménades, Ménalo, Mérope, Melpómene, Mnemósina, Nínive, Némesis, Níobe, Neoptólemo, Nictímene, Néocles, Niágara, Númidas, Órcadas, Oréades, Pégaso, Parténope, Pérgamo, Pisístrato, Praxíteles, Pílades, Policrates, Príamo, Prosérpina, Píramo, Penélope, Perséfone, Pericles, Pátroclo, Ródano, Ródope, Sármata, Sálmace, Semíramis, Socrates, Simónides, Sófocles, Sísifo, Síbaris, Soneca, Segóvia, Tênedo, Terpsícore, Tisífone, Temístocles, Triptólemo, Útica, Véneto, Xenófanes, Xenócrates, Zópiro, etc. ...

"Nomes próprios acentuados na penúltima, isto é, paroxítonos ou graves: Adonis, Aganipe, Agapito, Alarico, Alemena, Anfitrite, Alcides, Andronico, Admeto, Aristipo, Arquimedes, Aristides, Aristobulo, Abdera, Berenice, Cirene, Citera, Cocito, Cleobulo, Diomedes, Dione, Dario, Euclides, Eufrates, Eurotas, Epictéto, Gargano, Ganimedes, Ismeno, Latona, Leucipo, Mausolo, Messala, Mileto, Mitridates, Nasica, Nicetas, Nicomedes, Pandora, Policleto, Polidectes, Palamedes, Polinice, Pactolo, Priapo, Serapis, Sinope, Samaria, Sardanapalo, Talia, Trogloditas, Trasimeno, Tessalonica, Trasibulo, Verona, Veronica, etc.".

No mesmo estudo em que Mário Barreto nos apresenta a lista aqui reproduzida, êle prova, com abundância de autoridades, que deve pronunciar se Cleopátra. Entretanto, o VOCABULÁRIO da Academia acentua Cleópatra.

 

 

NOMES COMUNS
(Necessidade da acentuação gráfica)

Já o Carneiro Ribeiro, nos Serões gramaticais, citava, nos barbarismos, prosódias como crisantêmo, pensíl, textíl, hipodrômo, ductíl, tactíl, etc.

PROPAROXITONOS - Vai aqui uma lista de palavras proparoxítonas, tomadas sobretudo a Ed. Carlos Pereira, e cuja pronúncia vulgarmente se deturpa, no uso:
Anódino, arquétipo, bímano, êxodo, epíteto, hégira, horóscopo, ínterim, orquídea, pródromos, quadrúmano, zéfiro, amálgama, revérbero, anêmona, aerólito, aeróstato, hipódromo, murmúrio, velódromo, crisântemo, protótipo, linótipo, espécimen, plêiade...

PAROXÍTONOS - Eis alguns exemplos de vocábulos paroxítonos, que a pronúncia popular, não raro, altera:
Batávo '(que o próprio Carlos Pereira traz como devendo proferir-se bátavo), pênsil, téxtil, projéctil, espiríta (o mais usual é dizer-se espírita, por analogia com espírito; mas a palavra nos veio do francês spirite), decâno, rubrica, pudico, etc., etc.

NOMES EM Ô (FECHADO), NO PLURAL
É coisa dificil, no português, saber qual palavra paroxítona, com ô tônico, o tem aberto ou fechado, no plural. Eis várias delas, que conservam o ô inalterado: (só daremos o plural): arrôjos, almôços, bôlos, chôros, contôrnos, colôssos, endôssos, engôdos, esbôços, estôjos, estôrvos, ferrôlhos, gôstos, jôrros, pescôços, etc. (Tomadas a E. C. Pereira)

 

 

 

TERMINOLOGIA TÉCNICA
(Necessidade da acentuação gráfica) 

Onde, porém, a questão da pronúncia assume um aspeto complicado e diverso, é na terminologia técnica. Aliás, não só a pronúncia, mas a propria formação das palavras. Na medicina, principalmente. Sob o ponto de vista lingüístico, é desolador verificar como os nossos profissionais tratam as palavras técnicas que constituem a gíria da classe. O desleixo e ignorância são enormes. A ausência de umas indispensáveis noções de grego e o desconhecimento mais ou menos profundo do latim - geral, como se sabe, em nossas classes de profissão liberal - devastou e desorganizou, alarmantemente, a prosódia de tais vocábulos. Pelas aulas das academias, correm as pronúncias defeituosas e desencontradas, numa deturpação ortoépica de palavras, as mais vulgares ou claras, sob o ponto de vista da quantidade silábica, como libido, hipóstase, parênquima, leucócito, epêndima, pólipo, etc., que não raros de nossos esculápios, e seus discípulos, proferem errôneamente: líbido, hipóstáse, paranquíma, leucócíto, ependíma, polípo, etc. Sem contar a bifurcação prosódica das palavras em ia: autópsia e autopsia, albuminúria e albuminuria, etc. Ou ainda o valor do x: epistaxe (cs) e epistaxe (ch), caquexia (cs) e (ch).
Quantas dúvidas, hesitações, sincretismos, a acentuação gráfica teria evitado, mesmo consa grando prosódias errôneas!

Um confronto entre o Dicionário de termos médicos, de Pedro A. Pinto, o Dicionário, de Cândido de Figueiredo, o Dicionário etimológico, de Antenor Nascentes, o Vocabulário, da Academia e o de Ramiz Galeão (palavras gregas) mostrará quanto anda dificil de deslindar, a matéria, que nosso desleixo complicou profundamente, levando a desacordo as próprias autoridades e pessoas que trataram dela. A adoção do acento gráfico, é de esperar, virá, possivelmente, facilitar uma resolução, encaminhando a terminologia técnica para uma sistematização digna de classes que têm obrigação de ser letradas e manejar bem o idioma em que divulgam conhecimentos.

Eis uma lista de palavras que freqüentemente, se ouvem mal proferidas, sobretudo algumas.

PROPAROXÍTONAS
Cardiólise, electrólise, hemólise, hidrólise e as mais, que são várias, compostas de lise, como segundo elemento ou elemento final; clorofílase, diástase, epístase, hipóstase, láctase, midríase, etc.; fagócito, leucócito, telécito, etc. ; acônito (que se devia dizer aconíto, mas agora incorrigível), bálano, êmese, epêndima, epífise, hepatólito, gastrólito, hipógala, índigo, parênquima, pólipo, etc., etc.

PAROXITONAS:
hidrocéle, diapedése. es táse, etc.

PAROXÍTONAS em ia
Os vocabularistas não se acordam, na pronúncia das palavras técnicas em ia. O melhor, creio, fôra seguir ou definir uma sistematização de todas, como o parece quererem Pedro A. Pinto, no Dicionário de termos médicos, e Antenor Nascentes, nas palavras. pelo menos, que registra o seu Etimológico. Já o Vocabulário, da Academia, nos dá idéia de que nenhum critério teve, tentando, talvez, ficar com algum uso... Mas que uso pode existir, na anarquia de que vimos falando?

Vejamos alguns exemplos:
abasia, ablepsia, abulia, acomia, albuminuria (para Nascentes, Pedro A. Pinto e Cândido de Figeiredo) e albuminúria (para o Voc(abulário), da Academia), alopecia, anectasia, anuria, (anúria, para o Voc.), atelectasia, autopsia (autópsia, para o Voc. Cândido de Figueiredo regista as duas, preferindo a primeira), biotaxia, disuria, docimasia (docimásia para o Voc. e C. F.), eclampsia (até o Voc., apesar de eclâmpsia ser muito corrente), euforia, eugenia, eulalia, glossoplastia, helioterapia, hematia, hematuria (hematúria, Voc.), iridoplegia, linfectasia, miopragia (e não meiopragia), oxiestesia, polaquiuria (polaciuria, P.A.Pinto e polaquiúria, Voc.), quimiotaxia, xantocromia, etc.

Alguns dos vocábulos acima e outros que inda vou citar, naturalmente, são encontráveis só em dicionários técnicos, como v. g., o de Pedro A. Pinto, ou, sob forma francesa - e de lá é que nos vieram tais palavras gregas - com a exibição dos elementos gregos, no Dictionnaire des termes techniques de Médicine, de Garnier e Delamare.

O x NAS PALAVRAS TÉCNICAS
É cousa verificável e fácil de explicar, na filologia, que as palavras chamadas de corrente erudita, ou não evolutivas, conservam grande proximidade de suas fontes etimológicas. Não as desgasta e muda o uso popular, porquanto elas não caem na corrente, e são manejadas pelos letrados, classe de nata, supostamente. Maior é ainda a limitação, para as palavras de gíria científica. E se tais palavras guardam aproximação das fontes, sendo bem e bom que o guardem, tenho uma idéa de que as palavras de x deviam conservar, para esta letra, o valor etimológico. Não tenho agora tempo, espaço e material para discussão do assunto, mas acho que é um abuso a corrigir, o som de ch que se dá ao x da palavra epistaxe, tornada igual, pelo caso, à palavra xarque, por exemplo. Parece-me que estou indo além de autoridades, como as dos dicionários que venho citando, sobretudo o Vocabulário, da Academia, o qual me dá, entretanto, a impressão de que teve medo do imperativo e até do optativo, na questão de prosódia de certas palavras ... mas creio que, a bem da linhagem e uniformidade das palavras técnicas de x, em todas elas o x havia de sempre valer cs e não ch

Eis algumas delas. Para as que o Vocabulário regista, ora ele indica o cs, ora não indica, deixando ver que, então, a pronúncia é ch:
alexia, aloxuria, ataxia, axantopsia, axônio, biotaxia, catataxe, epistaxe, oxálico, oxalexia, oxiestesia, paralexia, quimiotaxia, simpéxio, toxina, tóxico, xantelasma, xantóxilo, etc.

Na palavra xantóxilo, por exemplo, Cândido de Figueiredo indica o valores, para o segundo x (chantócsilo). Por que há de o primeiro valer ch e o segundo cs? Não têm ambos a mesma ori gem, o mesmo valor e a mesma força etimológicos?

Assim como falo toxina (es), biotaxia (cs), alexia (cs), etc., fale eu também aloxuria (cs), aloxana (cs), aloxanato (cs), epistaxe (cs), xantelasma (cs), xantocromia (cs), etc.

 

NOMES EM IL (do latim ilis, breve)
A acentuação gráfica poderia ter evitado, existisse ela de tempos, na língua, a hesitação [de pronúncia] : dúctil, grácil, fóssil, pênsil, projéctil, púgil, réptil, táctil. Esta última, que a psicologia experimental anda pondo em moda, cá em Belo-Horizonte, corre o perigo de se viciar, entre nós, sob a prosódia tactíl...

É prático, e útil para a língua, sistematizar a acentuação gráfica. Fez bem o acordo, adotando a que instituíra a simplificação de 1911.

 

 

CONCLUINDO
Pela simplificação

Tentei mostrar, com a pressa e aperto de circunstâncias inevitáveis, quanto é razão que se adote a grafia simplificada. Mesmo como a quer o acordo de 1931.

Não foi feliz o professor Alfredo Gomes, quando, em polêmica com Silva Ramos, afirmava, da neografia portuguesa, que ela era baseada em "critério convencional, falso, incoerente".

Não só é lógica, racional, fácil, como também glotológica, tradicional, respeitadora da etimologia, colocando-se, pela segurança e prudência com que foi feita, acima de qualquer termo de comparação com a velha, usual ou mista, e esta, sim, convencional, falsa, incoerente.

Que se proceda com o bom senso, das circunstâncias exigido, na aplicação do decreto n. 23.028, por que o governo provisório mandou obrigar, no ensino e nas relações oficiais, o uso da nova grafia. Que haja firmeza e calma, na manutenção de tudo, e, dentro em pouco, veremos como toda a gente escreverá melhor, mais livre, menos trabalhosamente.

Os teimosos se hão de ir ficando sozinhos. E desaparecerão em pouco tempo, porquanto são, em geral, velhos, que se não querem deslocar de velhos hábitos. E os que não são velhos, mas, talvez, envelhecidos da inteligência, acabarão cedendo. E a imprensa que ainda resiste, tambem mudará de prática. A imprensa, a que uma campanha misteriosa de politiquice tem impedido de se por à frente do movimento.

Tudo há de vir, é o que muito espero.

 

 

FECHO 

Esta é a tese que ponho nas mãos da comissão examinadora.

Melhor se hajam os doutos. E mais calmamente os menos ocupados, os de tempo à sobra. Que a mim. a empresa me valeu boa canseira e labuta, nos retalhos de tempo tomados às obrigações de uma vida atarefada.

Não maldigo, porém, a sobrecarga de trabalho, quando ainda me existem forças.

Atendo, enquanto são horas, o conselho do poeta:

"Dum vires annique sinunt, tolerate labores;
Jam veniet tácito curva senecta pede” - (Ovídio)
Exercei-vos no trabalho, enquanto o querem os anos e as forças;
pois não tardará, com seu pé silencioso, a curvada velhice.

 

Belo-Horizonte, setembro de 1933

 

 

B I B L I O G R A F I A

GONCALVES VIANA - Ortografia nacional - Vocabulário - Palestras filológicas.
CÂNDIDO DE FIGUEIREDO - Ortografia no Brasil - Dicionário.
ANTENOR NASCENTES - Dicionário etimológico.
F. T. D. - Gramática histórica - Gramática expositiva - Literatura.
ED. CARLOS PEREIRA - Gramática histórica Gramática expositiva.
ACADEMIA BRASILEIRA - Vocabulário oficial.
MÁRIO BARRETO - Novos Estudos.
REVISTA DA LINGUA PORTUGUESA - (passim) Trabalhos sôbre ortografia, de Castro Lopes, J. L. de Campos, Júlio Nogueira, Laudelino Freire, Lindolfo Comes, etc.
OTONIEL MOTA - Meu idioma.
ÁLVARO PINTO - A nova ortografia e o desacordo reinante.
MOTA ASSUNÇÃO - Origens e ortografia da língua brasileira.
TRISTÃO DA CUNHA PORTUGAL - Ortografia da Língua Portuguesa (Ed. de 1837).
CÂNDIDO LUSITANO - (Francisco José Freire) - Reflexões sobre a língua portuguesa.
ERNESTO CARNEIRO- RIBEIRO - Serões gramaticais.
RUI BARBOSA - Réplica.
V. BÓSCOLI - Ortografia.
NOBRE FRANÇA - A filologia perante a história (ed. 1918).
S. REINACH e J. GOW - Minerva -- Introdução ao estudo dos clássicos gregos e latinos
ENCICLOPEDIA ESPASA-CALPE - nas vozes: Lingüística - Filologia - Glotologia - Escritura - Ortografia . . .
CHUBB - The Teaching of English.
PEDRO A. PINTO - Dicionário de termos médicos.
GARNIER et DELAMARE - Dictionnaire des termes techniques de médicine - 1927.
RAMIZ GALVÃO - Vocabulário etimológico, ortográfico e prosódico das palavras portuguesas derivadas da língua grega.
MORAIS - Dicionário.
JOSÉ JOAQUIM NUNES - Crestomatia arcaica.

 

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