"Num
homem bem nascido releva-se mais, e é menos vergonhoso,
um erro de sintaxe, que um erro de pronunciação
ou de ortografia, porque aquele pode nascer da inadvertência:
estes são sempre efeito da má educação".
(Soares Barbosa - Gramática Filosófica)
"Dai-me
um bom alfabeto e eu vos darei uma língua bem feita.
Dai-me uma língua bem feita e eu vos darei uma
boa civilização".
(Leibnitz)
"Je
n'ai fait celle-ci plus longue que parce que
je n'ai pas eu le loisir de la faire plus courte".
(Pascal - 16ª Provinciale)
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OS EMPEDERNIDOS
Gonçalves Viana, em 1904,
terminou o prefácio da ORTOGRAFIA NACIONAL com as seguintes
palavras que Álvaro Ferreira de vera punha no fim de sua
ORTOGRAFIA, em 1631:
“Aquelle que lhe parecer boa,
sigaa;
e aquelle a que não, emmendea.”
Hoje, em 1933, quando anda tão
visível o racional e bom que é a grafia simplificada,
repetindo as mesmas palavras, somente as mudarei de leve, no fim:
“Aquele que lhe parecer
boa, siga-a
e aquele a que não, emende-se.”
PREFÁCIO
Era natural a dificuldade na escolha de tema para
uma tese de concurso. Hesitei entre os assuntos.
Oscilei numa primeira veleidade de estudar a etimologia
e ortoépia dos vocábulos de origem grega. Recuei,
porque o motivo é intricado e vário. Atraente, mas
desordenado e discutibilíssimo. Levar-me-ia mais tempo
do que o têm, mesmo os folgados. E, ainda por cima, ia deixar-me
enredado e vulnerável, como guerreiro desapercebido, em
campo raso.
Namorei, algum tempo, matéria como o latim
e o conhecimento profundo da língua portuguesa. Serviria
para tiradas mais ou menos filológicas, e seria atual,
para recriminações pedagógicas. Mas de caráter,
por muito, especulativo.
E o processo histórico das palavras evolutivas
(leis fonéticas)? Ou a corrente erudita e a corrente vernácula
(formas divergentes)? Ou ainda a língua portuguesa e a
língua brasileira?
Até me passaram, na revista, questões
especificadas de sintaxe, como as safadas dúvidas do se
ou do infinito...
E acabei optando pela ORTOGRAFIA...
Imaginei que ficasse melhor, por
menos pretensioso, o titulo GRAFIA de nossa língua.
Como, porém, a grafia aqui defendida vai exposta na convicção
de ser a certa, achei mais afirmativo o nome ORTOGRAFIA.
É o velho e revelho problema da escrita.
Escrita ou escritura, como lhes aprazia dizer, a mais antigos
escritores.
Para os brasileiros, ele continua insoluto, ou
continua problema, apesar de exatamente o ter deixado de ser,
porquanto problema supõe coisa a resolver... E, de há
anos, a nossa grafia está racionalizada pelos estudiosos.
Em moldes que só o descuido, a superficialidade, a anarquia
e mais causas sensatamente indefensáveis, não quiseram
admitir.
Problemas resolvidos que continuam ... problemas.
É a moda de hoje em dia. Muitos deles aí
estão, desafiando e desesperando a humanidade, que os não
resolve, apesar de conhecidas a resposta e a marcha das operações.
Sobretudo, entre os da chamada questão social.
Tem-nos faltado é a coletiva
coragem e força do esforço realizador, no sentido
para que o bom senso está cansado de apontar.
Parecerá um tanto indefinida,
no título da tese, a restrição de nossa língua.
Poderia ter sido mais claro. Houve, porém, no meio, uns
escrúpulos e dificuldades... nacionalistas.
Se nomeasse o meu trabalho com a epígrafe
"ORTOGRAFIA da língua portuguesa", estava bem,
mas, já não tanto, o meu sentimento nacionalizado
e brasileiro, na questão.
Se o frontispiciasse com o nome "ORTOGRAFIA
da lingua brasileira", isto realmente me contentara, mas
poderiam tachar-me de vanguardista, justamente ao concorrer a
uma cadeira de português, em estabelecimento de ensino,
lugar onde se presume não poder faltar moderação
e lastro de forças conservadores.
Que o encimasse, então, com o titulo "ORTOGRAFIA
racional", como fez Gonçalves Viana. A insuficiência
restritiva era a mesma. E a mesma que também há,
por exemplo, na denominação "Idioma nacional",
da série Antenor Nascentes.
Variei. E cá está a minha ORTOGRAFIA
DE NOSSA LINGUA, tese com que espero ser declarado hábil
para ensinar língua pátria, no Ginásio Mineiro
de Belo-Horizonte.
Não leve, antes muito pesada incumbência
é o ensino da língua pátria, em nossos tempos.
Todos os professores se queixam de que o ensino do vernáculo
decaiu, espantosamente. Por toda parte, por todo o Brasil...
Veja-se o que falou o sr. Sud Menucci num congresso
de professores, há anos, em Campinas:
"Um fenômeno sintomático,
doloroso e alarmante, impõe-nos, de há longos
anos a estes, dias, sério problema educativo, a que,
pelo fato de se dar em S. Paulo, bem se poderia chamar de
problema nacional: é a verificação de
que existe, entre o passado e o presente, uma assombrosa baixa
de nível da cultura do vernáculo, da parte da
população paulista, baixa de nível que
se vai, progressivamente, acentuando numa carreira vertiginosa
e que chegará onde não se sabe..." (Ap.
Mota Assunção - Origens e ortografia da
língua brasileira).
As causas do mal são profundas. O nosso
homem de agora, que se americaniza, não estuda latim, não
quer saber de conhecimentos especulativos nem de atenção
a regras coercitivas da própria instintividade. O excesso
subjetivo, de que sofremos, nega a hierarquia e nega o cânon,
praticamente, embora o preguem a autoridade e a tradição.
Antigamente, os mestres impunham. Hoje, eles expõem.
Inutilmente, o mais das vezes.
O conceito de homens de direitos, sem deveres -
que é desastradamente o nosso - atrapalhou as pautas, desrumou
os caminhos e nos lançou no toú-boú destes
tempos.
Depois, o homem de antes - o brasileiro de 1833,
por exemplo - não encontrava tanta complicação
em que se educar. Tinha diante de si uma área menor de
campo científico, uma quantidade modesta de disciplinas,
uma carga forte de clássicos, com latim, muito latim. A
vida nacional era mais ou menos estanque. Ele não tinha
as solicitações veementes e diversas, da sociedade
moderna. Tudo ajudava, no aprofundamento, a quem desejava aprender
a língua.
Com o século 19, o homem adoeceu de obsessão
científica. O estudo das humanidades perturbou-se. O gosto
dos clássicos diminuiu. E o comércio deles também.
Começou a realizar-se aquele anseio do poeta, que indagava:
"Qui nous délivrera des Grecs
et des Romains?"
O latim foi deixando de ser língua corrente
entre os letrados. No Brasil, chegou ao estado de língua
desconhecida, essencialmente desconhecida, em que o temos, agora,
no ensino secundário.
E veio toda uma ladainha de misérias contra
o ensino do vernáculo: o destempero, a deficiência,
a desordem permanente do ensino; a solicitação utilitarista
das ciências práticas; o excesso delas, absorvedoras
da atenção e capacidade aquisitiva do discente;
o desgosto literário e artístico; a dispersão
e superficialidade intelectual gerada na degeneração
e dissolvência de nossos regímens escolares; a atração
esportiva; o cinema; a multiplicidade social que a vida exige,
hoje, do indivíduo; o internacionalismo cada vez mais intenso
(cinema, rádio, etc.); e a não defesa da língua
que se invade de estrangeirismos, coisa fatal num país
de importação, de rádio americano, cinema
americano, automóvel americano, "chic" francês,
literatura francesa, esporte anglo-americano, etc.
Efetivamente, com a coisa importada, entra o nome.
Se o temos, correspondente, em vernáculo, não o
sabemos ou o não adotamos... e o estrangeirismo corre as
avenidas das cidades, as colunas dos jornais e revistas, as páginas
dos livros. Sem. nem, ao menos, mudar de roupa. Quando muito,
pessimamente entrajado por algum torto alfaiate, que nunca possuiu
a fita métrica da lingüística.
É a ação dissolvedora, fatal,
a que está submetido o nosso idioma.
Contra a pouca de força conservadora, de
força coibitiva da desagregação, fazemos
nossa revolta espiritual de Prometeus desacorrentados. Revolta
de geração que cortou as amarras com o passado.
Que não quer saber de princípios. Que cria o seu
ritmo livremente, como deseja o sr. Ronald de Carvalho. Que é
livre, livre de todo. "Laqueus contrictus est et nos
liberati sumus", repetiria ela, se conhecera o latim
e a Bíblia.
Só uma lei nos guia: o instinto dos direitos.
Para que respeitar o que as gerações acumularam
e nos é impingido como sabedoria e valor?
Esta rebelião, de tendência
social e pragmática, tomou todas as feições.
Na arte e na literatura, ele atentou violentamente contra a força
dogmática de cânones imemoriais. Na língua,
feriu profundamente a princípios tradicionais e a regras
de gramática. O jornalista apressado, o croniqueiro das
revistas e o tradutor de empresa tomaram conta da sintaxe e dos
leitores, porquanto é quase só o que se lê.
A diferença de mentalidade
é contrastadamente forte, entre o moço de outrora
e o moço de hoje, na classe dos que estudam e se fazem
doutores.
Outrora, o rapaz tinha medo de
quebrar um princípio de etiqueta, num salão, ou
um princípio de gramática, numa poesia.
Refaçamos o caminho que
fizeram tantos de nossos maiores. Aqui em Minas-Gerais.
Vamos, primeiro, ali ao Caraça. A "domus
alma", alcandorada entre penhascos, ninho fecundo onde se
acalentou e nutriu, substanciosamente, a inteligência mineira,
por todo o primeiro e segundo império. Onde o curso de
humanidades era muita coisa e o latim era tudo. (Aliás,
já dizia o mestre: "Do latim que, estudado como cumpre,
constitui por si só um curso de humanidades...").
Onde a imaginação do colegial quase acabava acreditando
que os titãs da lenda por ali haviam andado, a estourar
penedias, e Virgílio, a pastorear à orla dos bosques,
ou Cícero, a trovejar catilinárias, nalgum daqueles
salões.
Com os bolsos cheios de frases latinas, ia a gente
bacharelar-se a S. Paulo, como no norte se ia a Recife.
Ia-se longamente, com todo o aparato da viagem.
Uma das causas que mais contribuíram para
a refinamento e apuro do espírito cavaleiresco, na Idade
Média, foi a natural seleção, nascida das
exigências materiais, que só a donos de feudos permitiam
o ingresso na classe. A importância crescente e predominante
dos peões ou infantes, nas guerras, dessorou, aos poucos,
aquele espírito concentrado e alto, para o alargar na vulgaridade
anônima do soldado-multidão.
Também durante o Segundo Império,
as dificuldades naturais da época aprimoraram o espírito
de nossas elites.
O estudante ia para S. Paulo cheio do conceito
distincional de um cavaleiro. As aulas da Faculdade se dirigia
ele, de redingote e chapéu alto. Era sisudo, nas oportunidades
em que lhe cumpria ser gêntleman.
Se mal aprendera a língua, à hora
fatal de perpetrar os primeiros versos, o primeiro artigo, o primeiro
discurso, corria fervorosamente para uma gramática e um
dicionário. O horror de cincar forçava-o a queimar
pestanas. Amedrontava-o mais a sintaxe do que a censura de Horácio
às produções que rescendem azeite, cheiram
a esforço . ..
Hoje, entretanto ...
O cinema, o clube, o rádio, o automóvel,
o esporte, e toda a invasão americana, transformaram nosso
rapaz.
Não é sisudo, é irreverente.
Não lê os poetas, joga futebol. Não vai quase
à faculdade, cola no exame. Não tem cerimônias
com a etiqueta, é de educação esportiva.
Suas relações sociais se preenchem
e satisfazem com os salões de cinema, de teatro, de clubes
dansantes, no cosmopolitismo urbano de uma vida sem muita censura
nem a imediata presença constrangedora de senhores graves
e matronas respeitáveis.
Nada daquele distinto, daquele sério, daquele
cavaleiresco de outróra.
É o desbordamento dos peões ou infantes,
na hora de tendências coletivizadoras, que a sociedade vive.
Não literatiza, nem verseja; é da
"cancha"
Sua ambição, quando voltada para
as preeminências, não é a conquista honesta
e franca dos postos, nem é o lugar num parlamento hierático,
ressoando, com discursos impressionantes, mas a guindagem cavilosa,
a infiltração capilar das Tramas ocultas, a locação
sub-reptícia das "cavações" dos
bastidores.
Quando se arrisca
à literatura, ou, por qualquer motivo, escreve, não
o preocupa a dignidade e decência da linguagem. É modernista
e insulta a gramática. É superior a miudezas e canta o
libertarismo dos espíritos largos. No íntimo, sente
a angústia da própria insuficiência, e escreve
como pôde ficar sabendo, ao longo dos anos avariados e pecos,
que esperou, no secante currículo ginasial.
Não me tomem
por saudosista. Guarde-nos Deus de uma mocidade grave e solene,
em vez de alegremente esportiva.
O que ando é
verificando um fato.
O nosso aparelhamento
educacional não soube represar a inundação
americana. Não soube convenientemente prevenir-se para
canalizar e sublimar as novas tendências da mocidade.
Ele suplicia-a,
pelo contrário, tantálicamente, num curso de humanidades
em que o jovem está sempre com sede. Não que a água
fuja diante dele, como ao Tântalo da Lídia. Mas porque
a sente dessaborida, e, não raro, engulhante.
As disciplinas, reputa-as o aprendiz cacetíssimas,
porque sua alma dos dias se acha instintivamente integrada nas
preocupações do esporte, do cinema e nas mais, da
vida hodierna.
Nos Estados-Unidos e na Inglaterra, a educação
física, o esporte, ocupa um larguíssimo espaço,
no programa universitário. Espantam-se, mesmo, os franceses
com a largueza desta margem. Em compensação, os
ingleses não compreendem como os franceses podem suportar
tantas horas de línguas e de ciências, no inventário
escolar.
Em todo caso, os franceses, muito concienciosamente,
executam o seu programa e mantêm a instrução
em um nível a que facilitam a tradição plurissecular
de povo civilizado e o primor alto do espírito gaulês,
que eles contrapõem, corajosa e nacionalmente, à
invasão saxônica do espírito esportivo do
século.
Nós, porém, ai de nós!
Não tínhamos
aparelhamento, como não temos. Tratávamos de o construir,
apoiados numa rotina copiada de Portugal e de França. Veio
o futebol da Inglaterra. Veio o outro espírito, da América
do Norte. Multiplicaram-se as solicitações. Não
represadas, as forças novas arrasaram, alagaram os alicerces
frágeis de nossos velhos programas educacionais.
Se antigamente o curso de humanidades
não aparelhava alguém para um manejo vulgarmente
correto da língua, o respeito à convenção,
o sentimento de responsabilidade social, encarregava-se de o
apertar e o obrigava à autodidaxia.
Atualmente, na generalidade dos casos, o rapaz
chega ao fim do curso, desaparelhado também, mas sem nenhum
sentimento de diminuição intelectual e nenhuma força
que o instigue à aprendizagem particular.
Não é fácil o tempo calmo,
com a pressa e utilitarismo que nos dominam, em uma época
acelerada de automóvel, rádio e telefone. A leitura
caiu no ritmo precipitado do devorador de jornais e magazines.
O jornal mudou-se para um acervo de informações
telegráficas e reportagens sensacionalistas - tudo mal
redigido, mal digesto, mal irrigado, porque o repórter,
o escrevinhador, não têm tempo.
São eles os piores inimigos da língua.
São os amigos dos chavões, das frases feitas, dos
torneios viciados, das ladainhas de períodos ocos. O jornal
é o celeste império do solecismo.
E a língua empobrece, recua
de seu aprimoramento, deserta de suas peculiaridades saborosas,
pantanaliza-se numa continuidade grossa de vulgaridades.
E não é tudo.
País de imigração intensa e importação
quase absoluta - para os produtos da técnica, da ciência,
das modas e das tendências sociais: tudo que dá
aparência de civilização - vemo-nos inundados
de estrangeirismos de língua inglesa e francesa.
Não sabemos batizar, ou batizamos barbaramente,
a cousas de eletricidade, máquinas e peças para
automóveis, para cinema, para rádio, para indústrias,
para medicina, para engenharia, etc. - que tudo nos vem, no meado,
dos Estados-Unidos ou Inglaterra ou Alemanha. Entendemos de esportes
numa terminologia toda inglesa. De moda e culinária, nossas
idéias são em francês.
E o rádio - que nos capta Shenéctady
ou Buenos Aires, o cinema - com sua intensidade americana - cada
vez mais nos nternacionalizam, nos fazem afluentes, nos fazem
tributários de um cosmopolitismo inevitável.
Quem mais o denuncia é a língua.
Enquanto, no século 16, a Espanha teve hegemonia
universal, o castelhano era castiço, diz a Espasa-Calpe.
Do século 17, em diante,- ele encheu-se de estrangeirismos,
do francês, sobretudo.
O português saiu do latim. Do latim castrense,
que os soldados romanos disseminaram na Ibéria. E foi com
o lêvedo das invasões germânicas que se fermentou
o sermo plebeius, de que saiu nossa língua.
Pois bem, todas as contribuições
ou descontribuições acima referidas têm uma
força de lêvedo extraordinária.
A língua que já chamamos brasileira
vai fermentar-se, com injeções de línguas
estranhas.
Estamos barbarizando-a, outra vez. Nós,
indios, negros, ex-portugueses, italianas, alemães, polacos,
do Brasil.
As invasões germânicas dissolveram
definitivamente o latim. As invasões francesa e americana
vão dissolver o português, do qual há de nascer
a realmente língua brasileira.
Não nos esqueçamos de que outrora
o processo das mutações era lento. Lento, porque
os povos viviam, consigo mesmos, insulados nas suas extensões
territoriais, nos seus preconceitos acirrados de patriotismo,
mal vencido, por um intercâmbio de "câmera lenta'
ou intercâmbio, nenhum, exterior.
Hoje, a velocidade suprimiu as distâncias.
O rádio criou um tipo de ubiquidade relativa,
que a televisão aperfeiçoará, dentro em breve.
Os povos interdependem de maneira complexíssima.
A atuação das forças diversas
sobre a língua será incomparavelmente mais rápida.
Bem sei que a decadência da língua
e do estilo não é mal só nosso. Os efeitos
da guerra foram universais. O modernismo literário, que
implica insurreição contra cânones artísticos
e sintáticos, veio-nos da Itália e da França.
Grassou também por vários outros países.
Já Albalat, num dos seus últimos
livros - não me lembra se no Comment on devient écrivain
ou no Comment il ne faut pas écrire - francamente
se queixa da decadência do estilo francês.
Em vários países, entretanto, a pedagogia
vem cuidando de remediar, por um esforço adequado, a diferença
dos tempos, com auxilio da técnica e da precisão,
da metodologia baseada no estudo do assunto e da psicologia educacional.
Mas nós, cobro nenhum temos posto, ainda,
à derrocada em que vai o ensino da língua e todo
o ensino secundário.
Graças aos céus, que algum movimento
e conserto - ou concerto - se vem fazendo promissoramente, no
ensino estadual de Minas-Gerais. Comprovam-no a reforma deste
e a Escola de Aperfeiçoamento pedagógico. O tempo
trará o mais que necessário seja.
METODOLOGIA
"Savoir suggérer
c'est la grande finesse pédagogique".
(AMIEL - Pensées choisies).
A questão do ensino da língua não
está na ciência profunda do professor. Está
num conhecimento de métodos e processos que enquadrem o
ensino na capacidade aquisitiva e no interesse do aluno.
É muito, e muito bem, que eu saiba e maneje
o idioma. Contudo, para que eu transmita à juventude os
meus conhecimentos, é forçoso que eu trilhe caminhos
que cheguem realmente à compreensão e bom lucro,
dela. Sob pena de minhas lições se perderem, no
espaço, como setas atiradas sem prévia e cuidadosa
mira.
Segurança e recurso de métodos exige-os,
mais do que qualquer, o ensino da língua. Entre nós,
o mal maior tem sido o gramatiquismo e o conceito de
ensino, dele resultante.
Gramática de uma língua é
o conjunto de regras para bem a falar e bem a escrever.
Bem falar e escrever é, realmente, a coisa
a conseguir. Muito facilmente, porém, costumamos partir
do pressuposto de que o discente já fala e escreve... e
passamos a ensinar-lhe o bem falar e o bem escrever.
Agarramo-nos, para isso, a uns tantos pontos
clássicos, que constituem os programas ginasiais,
e a uns tantos manuais, tambem clássicos, que
constituem nosso material didático. É de onde queremos
tirar a ciência da língua. A consequência é
o ensino livresco, delimitado, teórico, factício,
em vez de uma aprendizagem viva, orgânica, desenvolvida,
que seja para a inteligência do aluno como fatalidade resultante
de uma necessidade reclamadora.
Temos ensino demais e aprendizagem
de menos. É necessária uma inversão.
Mais aprendizagem e menos ensino.
De bem falar e escrever a língua sinta o
aluno necessidade, natural e pràticamente. Necessidade
nascida de uma fonte subjetiva, impulsionadora, cheia do desejo
do conhecimento. E que este impulso, de necessidade e gosto pessoais,
encontre coordenação nos cânones objetivos,
nos princípios básicos da linguagem, bem como da
arte literária, os quais o mestre o ajudará a encontrar
ou lhe mostrará, na hora conveniente. Assim há de
ser a ministração da língua pátria,
em vez de exposição objetiva e fria, desinteressante
e inoportuna, cheia de leis e regras que o professor diz
serem necessárias ao bom conhecimento e uso do idioma.
Urge transferir a fundamentação do
ensino da língua. Sair do aferro à gramática
para o campo vivo da necessidade atual. Do conceito bem falar
e bem escrever, para o conceito mais essencial que é
falar e escrever.
Ensine-se a falar e escrever a língua.
A correção virá de acréscimo, naturalmente.
Ensine- se a arte de falar e escrever. O artistismo
ocorrerá, por concomitância
inevitável.
Nenhuma outra matéria, como a língua,
envolve e invade tanto a personalidade do aluno, diz Chubb, in
The Teaching of English. Nenhuma outra exige mais infusão
de poder pessoal. "Your work must be personalized. Your
preparation must be conceived of as the building of a personality."
A matemática e as ciências são
impessoais, mas a literatura e a composição
lidam com a substância da vida e do caráter,
com a emoção e com o pensamento.
"Avoid the personal and you sterilize the subject."
O ensino da língua reflete-se no que o aluno
escreve. O que compõe é uma expressão dele,
uma revelação dele, uma disciplinação
dele.
Ao professor, a delicada e minuciosa incumbência
de o orientar, no conjunto, reencaminhar nos desvios, incentivar
nas pesquisas, moderar nos exageros, provocar oportunamente, reforçar,
no que está fraco. Toda uma obrigação apostolar,
que exige vocação e paciência, tato e constância,
argúcia e força de convicção.
O que ele maneja, diz ainda Chubb, não é
uma simples inteligência ou um simples talento,
mas um caráter, uma personalidade.
Saiba, pois, guiar e animar o aluno, no convívio
diário da realidade - cenas da vida, da sociedade, coisas
do meio ambiente; na pesquisa da ciência, e do passado -
através de outras disciplinas, como a história e
a geografia. Mas, principalmente, no conturbérnio literário,
na frequência e amor dos autores e das obras. Para que,
em tudo, na realidade de cada hora, nas descobertas da leitura
e do estudo, vá ele sabendo discernir, vá ele sabendo
definir as coisas e definir-se diante delas, tudo exprimindo numa
elocução conveniente, - naquela linguagem correta,
facil, educada, viva, natural, tonalizada, fecunda, expressiva,
que ao mestre incumbe, missionariamente, ensinar-lhe.
Que o professor excite e desenvolva, pela suscitação
do interesse, no aluno, o gosto e o hábito de ler, porque
o melhor campo, onde aprender o bom uso e o bom estilo, são
ainda as obras primas da literatura.
Que a elocução se vire numa capacidade
em que ele seja habilmente destro.
E que se vá ele formando, munindo, para
a vida, diante da qual saiba colocar-se, numa atitude em que se
traduza o caráter, a cultura, a excelência moral,
o gosto estético, as qualidades todas que façam
dele pessoa capaz, para si mesmo, e útil, para a sociedade.
Bem sei que teorizar é fácil e realizar
é difícil. Sobretudo com o nosso desaparelhamento
e desequilíbrio. Mas, na relatividade do possível,
o esforço deve ser feito, com o intuito e o intento no
ideal.
Armem o aluno de gosto pela boa leitura. De expediente,
na exploração dos mestres da literatura. De exercício,
na faculdade da elocução. De capacidade para ver
e sentir as coisas... E ele falará e escreverá bem.
Porque ele saberá ser, diante da vida.
É velho, - mais do que velho, eterno, -
o conceito de Boileau:
"Ce que 1'on conçoit bien
s'énonce clairement,
et les mots pour le dire arrivent aisément."
Conceito, que Horácio vasou em outras palavras,
quando disse, tão antes de Boileau:
"Cui lecta potenter erit res,
Nec facundia déseret hunc, nec lucidus ordo".
(Quem fala de assunto em que é capaz,
fá-lo com eloqüência e ordem lúcida).
A ESCRITURA OU REPRESENTAÇÃO
DO PENSAMENTO
A origem da linguagem perde-se na caligem dos tempos.
Como principiou o homem a entender-se com outro homem é
cousa que a ciência não pôde com provar.
A glotologia
tem retrogradado, em verificações mais ou menos
demonstradas e demonstráveis, até alguns milhares
de anos, no passado da humanidade. O estudo comparado das línguas
avançou admiravelmente, numa desramificação
ou simplificação retrocessiva dos idiomas, até
longe, nos primórdios da atividade do homem, tudo com uma
inclinação muito provável para a unidade
de origem do sublime dom da palavra. A caminhada é cheia
de hipóteses, como a grande suposição de
um tronco comum para as línguas indo-européas, semíticas
e camíticas, tronco que não pôde ser encontrado.
São três vastos galhos com uma direção
de convergência para um imaginado ponto. Mas ponto que não
foi verificado. E os três galhos perdem-se no espaço
e no tempo, com o ângulo de convergência escondido
na escuridão de um outrora longínquo, até
aonde não chegou a luz da ciência, na sua marcha
maravilhosa pelo passado a fora. Marcha admirável que conseguiu
catalogar as 860 línguas do Atlas etnográfico
de Balbi, estudando-as mais ou menos completamente enxertando-as
nos seus ramos naturais e orientando estes ramos no sentido da
desejada e cientificamente ainda hipotética unidade da
linguagem humana, em sua origem.
NOTA - O Atlas etnográfico de Balbi
registra 860 línguas e 5000 dialetos, com a seguinte
distribuição: Ásia, 153. Europa, 53;
África, 115; América, 422. [Espasa]}.
Marcha feita em um século de pesquisa e
ansiedade cultural, porque não data de mais de um século
o desenvolvimento da glotologia, como ciência. Até
o século 19, o estudo do assunto não alcançara
mais do que ensaios, hoje vistamente pueris, em que se tentava
filiar as línguas européas ao hebraico, por causa
da Bíblia.
É verdade que já, em 1585, um mercador
florentino, Filippo Sassetti, notara parecenças entre palavras
italianas e palavras sânscritas. No século 17, missionários
jesuítas, como o italiano Roberto de Nobili da Montepulciano,
estudavam cuidadosamente o sânscrito. E o padre Coeurdoux,
numa memória encomendada por Barthélemy, em 1768,
mostrava as afinidades que existem entre o grego, o latim e o
sânscrito.
Mas Menéndez y Pelayo reivindica para o
jesuíta espanhol Hervás y Panduro a paternidade
da glotologia. Expulso de sua terra, o padre Hervás retirou-se
para Roma, onde se entregou ao estudo das línguas, fazendo
pesquisas sobre 300 (trezentas) delas e escrevendo gramática
de 40 (quarenta). Teria sido o primeiro que fugiu do hebraico
e que viu a parecença entre o grego e o sânscrito.
Publicou seus trabalhos entre 1787 e 1800. Note-se, de passagem,
que a memória de Coeurdoux, lida em 1768, só quarenta
anos mais tarde foi publicada.
Depois que o sânscrito entrou em conta, nos
estudos comparativos, a glotologia
tomou impulso e muniu-se de seriedade científica. Ao longo
do século 19, desfila uma plêiade de pesquisadores
como Schlegel, Bopp, Pott, Grimm, Maury, Benfey, Burnouf, Diez,
Max Müller, Bréal, Littré, Brachet, Clédat,
Brunot, Suchier, Meyer Lübke, Gaston Paris, Paul Regnaud,
Darmesteter, Carolina Micaelis, Adolfo Coelho, Pacheco Júnior,
Gonçalves Viana, Ribeiro de Vasconcelos, João Ribeiro
e tantos outros. (Lista tomada a Ernesto Carneiro Ribeiro - Serões
gramaticais).
Sobretudo na Germânia, se aclimou extraordinariamente
a nova ciência, em que se especializou, naquele país,
uma geração incansável de estudiosos que
hoje se respeitam por autoridades, apesar da original arremetida,
contra todos eles, do escritor português Nobre França,
na sua obra intitulada A filologia perante a história
[2 ed. 1918].
Guilherme Jones e Sehlegel, estudaram
o grego, o latim e o sânscrito (1808). Frederico Bopp,
em 1833, publicou a monumental Gramática comparada
das línguas indo-européias. Grimm continuou
no sentido de Bopp, descobrindo as leis fonéticas da linguagem
(1848). Schleicher (1862), Curtius e Schnutt (1872)
fizeram estudos importantes. E as pesquisas continuaram e continuam:
Max Müller, alemão, que professou em Oxford,
Hovelacque, Meyer-Lübke, professor jubilado da universidade
de Bonn, Trombetti, etc:
Para lá do que a lingüística
pôde verificar, ficam as hipóteses e, muito para
além, aquela que supõe os sentimentos do homem primitivo
manifestando-se por meio de gestos, de interjeições
onomatopaicas e monossilábicas, as quais, aos poucos, se
foram complicando em articulações e palavras.
Cheia de conjecturas é também a origem
da representação escrita do pensamento. A necessidade
de transmitir a idéia a um companheiro ausente, o desejo
de fixá-la, objetivamente, como lembrança para mais
tarde ou como documento da própria vaidade e afirmação
diante dos vindouros, foram as causas que suscitaram, ao engenho
humano, expedientes de tradução do próprio
pensamento, das próprias façanhas, da própria
religiosidade, do próprio totemismo.
A objetivação visual do pensamento
evolveu da síntese para a análise. J. L. de Campos,
em estudo sôbre a "Evolução na arte
de escrever" (In Rev. da Líng. Port.))
reduz a cinco, as fases da gráfica.
1. Fase figurativa. O homem desenha, com
a sua habilidade relativa, o que quer exprimir. É a imagem da
pessoa, do animal, do objeto.
2. Fase alegórica. A imagem deixa
de valer só pelo que representa, para significar o que
sugere e simboliza. No hieroglifo egípcio, o leão
é a coragem; o gavião, a divindade; o olho, a vigilância,
etc.
3. Fase ideográfica. Na grafia
pictórica, a significação restringe-se para
alguma qualidade do ser, numa convenção que vai
deformando o objeto representado, até o reduzir a um mero
sinal. Em vez do boi todo, só a cabeça. É a fase
ideográfica. São os hieroglifos egípcios
e hititas, os cuneiformes assírios e persas, a ideografia
chinesa e azteca, etc.
(NOTA - Os chineses têm mais de 60.000
sinais, exprimindo uma idéia cada um. Uma vida de homem
não basta para escrever, com perfeição,
o chinês. [Espasa]}.
A escritura figurativa era uma necessidade
mnemônica, sem influência da razão nem da conciência.
A alegórica influenciou-se preponderantemente pela
imaginação. E na ideografia, entraram a
memória, a imaginação e a razão. Tudo
com progresso intensivo do arbítrio e da inteligência.
4. Fase silábica. Com a representação
da idéia, a correlação existente entre o
sinal gráfico e sua pronúncia foi despertando a
atenção. O valor sônico foi apagando o simbólico
e animando a palavra... e a escrita se tornou fonética.
O homem foi descobrindo a identidade e comunidade de sons,
nos vocábulos, que aumentavam sempre mais, e os foi catalogando
pela identidade da representação gráfica.
Começou a empregar-se o ideograma silábico. Egípcios
e chineses.
5. Fase alfabética. Esta análise
ou dissecção dos valores sônicos, nas expressões
vocais, aperfeiçoou-se e, alguns pares de séculos
antes de Cristo, as palavras começaram a ser representadas
por sinais gráficos de valor nítido, sinais definidamente
evocativos dos vários fonemas. Era o ALFABETO.
Complicado, ainda, entre os egípcios, coube
ao espírito prático dos fenícios a simplificação
dos símbolos gráficos de que necessitavam para seus
expedientes comerciais.
A tradição atribue aos mercadores
de Sídon e Tiro, a invenção do ALFABETO.
As cinco fases de J. L. de Campos, aqui por mim
livremente resumidas, nada mais são do que as 4 fases
evolutivas de Burggraff. (Ap. E. C. Pereira, Gram. hist.).
São elas:
I - A fase da escrita figurativa.
II - A fase da escrita simbólica ou hieroglífica.
III - A fase da escrita ideográfica.
IV - A fase da escrita fonética.
Apenas J. L. de Campos desmembrou a última
em (1) silábica e (2) alfabética.
Os substituidores da ideografia pelo silabismo
foram os primeiros fonetistas.
Aos primeiros tacteios desses fisiologistas da
palavra se deve O FATO MAIS IMPORTANTE DA HISTORIA DA CIVILIZAÇÃO.
(Berger, Hist. de l'écriture dans 1'antq. - Ap.
Espasa).
A origem do alfabeto fenício tem sido explicada
por uma simplificação da escritura hierática
dos egípcios. Mas James Gow aventa as hipóteses
mais modernas de uma influência dos hieroglifos hititas
(hititas, antigo povo da Síria) e principalmente de uma
escrita ainda não decifrada, que se empregava em Creta,
ali para 1500 a. C. (James Gow - Minerva - Introdução
ao es tudo dos clássicos gregos e latinos -Adaptação
francesa de Salomão Reinach).
(NOTA - Em
estudo para o The National Geoographic Magazine, (traduzido
pelo sr. Teófilo Ribeiro, Minas Gerais de
agosto de 1933), diz o arqueólogo Cláudio Schaeffer:
"A tradição tem atribuído aos fenícios
o alfabeto. Hoje, porém, os hieróglifos cretenses,
recentemente descobertos, as inscrições do Sinai
e outras fontes, levam muitos historiadores modernos a abandonarem
a crença de que foram os fenícios os que nos
legaram o alfabeto.
Era esta a situação quando, em maio de 1929,
fazendo escavações na destruída cidade
de Ras Shamra, ao norte da Síria, desenterrei algumas
chapas ou placas de argila, escritas numa nova espécie
de alfabeto cuneiforme, nunca antes encontrado. Esta informação,
remetida à Academia de Paris, despertou o mundo científico.
...Estas chapas ou placas datam de 14º ou 15º
século antes de Cristo." [Espasa]}.
Seja como for, a nossa tradição
alfabética se inicia com os gregos. E teria sido Cadmo
quem introduziu o alfabeto na Grécia. Assim o querem Heródoto
e as tradições. Cadmo, um fenício que se
estabelecera na Beócia.
Apenas, os gregos tiveram de inventar as letras
vogais, ainda não existentes.
Os fenícios, como os semitas, escreviam
da direita para a esquerda. Os gregos escreveram alternando: da
direita para a esquerda, e da esquerda para a direita - sistema
chamado bustro fédon, (de boustrophedón: voltando
sôbre os passos, como o boi, no arado). Mais tarde, adotaram
a direção única que hoje temos.
Parece que Homero não escreveu a
Ilíada e a Odisséia. Seus versos imortais, ele teria
deixado à tradição oral, que os trouxe, de
viva voz, na boca dos aédos e rapsodos, até que
os filhos de Pisístrato os reduzissem à primeira
compilação escrita.
Os latinos apropriaram-se do alfabeto
grego. E os povos da Europa ocidental adotaram o latino. O alfabeto
gótico - estilização de caracteres gregos
- data do bispo ariano Úlfilas, que editou uma tradução
gótica da Bíblia, no século 4°.
Algumas palavras ainda, sobre o
material gráfico e a evolução histórica
do seu uso.
Heródoto, citado por Burggraff (Ap. E. C.
Pereira, Gram. Hist.) diz que os jônios chamavam
dífteras (peles) aos livros, porque eram escritos
em peles de cabra ou carneiro, no tempo em que o byblos era
raro. Byblos era o papyros dos próprios
gregos ou o papyrus latino, planta das regiões
pantanosas, marginais do Nilo. Para Teofrasto, porém, byblos
era a planta, e papyros a película ou casca,
a que chamavam liber os romanos. Ao papel fabricado com
o papyros ou liber se denominava chartes
pelos gregos e charta, pelos romanos.
Já os egípcios pintavam, no papiro,
os seus sinais, ou os gravavam em superfície lisa.
Desde cedo, pois, se conheceram duas vias para
a escritura: a seca e a úmida.
Por via seca se têm feito gravações
e se tem escrito a carvão, greda, almagra, chumbo, grafito.
Os antigos se utilizavam de tabuinhas (códices) acamadas
com gesso - donde o nome de álbum -, ou com cêra
(pugillares, pinária, enchirídia) sobre
as quais gravavam as letras com um estilo metálico (grapheion
ou glypheion, dos gregos).
A úmida generalizou-se depois de Alexandre
Magno, com a utilização do papiro, do cálamo
e da tinta, o atramentum librarium dos romanos.
No tempo dos Tolomeus, foi proibida a exportação
do papiro egípcio. Desenvolveu-se em Pérgamo, um
novo costume e uma nova indústria: escrever sobre uma péle
de carneiro, preparada, a membrana pergamena, donde,
hoje, o nosso pergaminho.
O pergaminho, mais encorpado, podia ser utilizado
de ambos os lados. Daí nasceu o começarem as folhas
a ser, não coladas, longitudinalmente para enrolamento
(o rolo de papiro), mas coligadas em livros.
Com todas as dificuldades da
confecção antiga, os livros muito se espalharam
na Grécia e em Roma. Eram artigo de um comércio
organizado. Adquiriam-se a fortes preços.
Em Roma, no tempo de Cícero, havia editores
a quem o autor vendia sua obra. E havia livrarias de comércio,
principalmente no quarteirão chamado Argilétum,
onde os bibliopolas anunciavam, em cartazes, as obras aparecidas.
Bibliotecas, como
a celebérrima de Alexandria, mostram até quanto
subiu o gosto antigo dos livros.
As invasões
bárbaras acabaram de arrasar a civilização
romana.
Não fora a Igreja, com seus mosteiros e
seus monges, e a literatura clássica teria desaparecido,
- não parcial, mas completamente -, nos incêndios,
devastações, destruições, dos germanos
e mais invasores.
São Bento (480-543) é, por isto,
um enorme benemérito da civilização, do humanismo,
da humanidade. Ele e o monge Cassiodoro, que introduziram o costume
e regra de copiar e reproduzir boas obras. Costume em que ficaram
célebres mosteiros como o de Monte Cassino,
perto de Nápoles, o de S. Columbano, perto de Gênova,
tantíssimos outros, na Itália, na França,
na Suiça, na Inglaterra, na Alemanha.
E porque, na Idade Média, raro e caro se
fez o pergaminho, foi adotado o processo de se raspar ou apagar
a escritura de um texto, afim de, no lugar, se escrever outro.
Era o palimpsesto ou pergaminho reescrito.
Então, Plauto, Tito Lívio, Cícero,
Horácio, etc. - coitados! - sofreram a desconsideração
da raspagem, cedendo lugar a alguma cópia da Bíblia
- o que se explica - ou à de algum qualquer autor religioso.
O tratamento químico, moderno, destes palimpséstos,
tem revelado que, muitas vezes, dois ou três textos se superpuseram
no mesmo livro.
Se o comum era apagarem-se textos clássicos
que dessem lugar a textos cristãos, houve, contudo, exemplos
em contrário. Há, na biblioteca de Florença,
diz James Gow, a quem ando seguindo, um manuscrito de Sófocles,
escrito em 1298, por cima de uma cópia uncial, da versão
grega dos Setenta.
Eu gostaria de saber o nome desse monge que desalojou
a Bíblia, de um pergaminho, para nele vasar uma tragédia
de Sófocles!
E queria que Montaigne ou Erasmo
o tivessem igualmente sabido!
No século
9º, com os árabes, entrou na Europa o papel de algodão,
ainda muito caro. Outros tipos de fabricação baratearam
o artigo. Foi grande, então, o impulso dado às letras,
com o florescimento admirável e equilibrado do século
13.
O cálamo foi substituído pela pena
de ave, que a Alemanha vulgarizou no século 16. Em 1808,
Bürger teve a idea de cortar a pena de ganso em vários
pedaços ou várias penas, que eram adaptadas a canetas.
E fez penas de metal que não foram aceitas. Em 1830, começou
a usar-se, na Inglaterra, a pena de aço. E, em 1850, Blanckertz
fundou, em Berlim, a indústria das penas de aço.
NOTA - Propositadamente deixei, de margem,
a imprensa, com o Guttenberg. Não interessaria, propriamente,
às questões da preocupação ortográfica,
porque a imprensa reproduz; mecanicamente, um texto manuscrito.
HERDEIROS
DE MÁ HERANÇA
As escrituras antigas eram
essencialmente fonéticas. Em latim, como em grego,
cada símbolo gráfico correspondia a um som
único determinado.
Na fermentação longa e bárbara
de que sairam as línguas novilatinas, houve sons que se
abrandaram, sons que desapareceram e sons que apareceram. E a
representação deles, na escrita, seguiu um caminho
irregular de arbítrios e absurdos e caprichos individuais,
a que a reação pós-renascentista veio complicar
com a involução às formas latinas, num movimento
que o arcadismo século 18 mais agravou.
A filologia pré-científica, tomada
em falso pelos lingüistas de então, levou-os às
mais estúrdias aproximações etimológicas
e às mais enganosas afirmações lingüísticas.
A grafia deixou de ser fonética, para se
complicar num sistema lastreado de valores mortos, de sincretismos
abusivos - com predominância do pior - de sons multiplicemente
representa dos, de desvios introduzidos pela ignorância,
armada de presunção, legando-nos, a nós,
o sistema usual ou misto, que possuímos: disparatado, ilógico,
absurdo, afilológico, aglotológico, irracional,
dificílimo. Suplício chinês dos aprendizes
e desespero eterno dos eruditos.
À influência francesa atribui Gonçalves
Vianna os exageros de nosso alatinamento e helenização
ortográficos.
Se a Revolução Francesa houvesse
democratizado também a grafia pedante que encontrou no
país - acha o autor da Ortografia Nacional - nós
os teriamos imitado e a simplificação, hoje, seria
um fato simples, inconteste, como na Espanha e na Itália.
A ortografia francesa, continua ele em outra parte,
foi desfigurada pelos escritores do século XVI ao XVIII,
e alterada consideravelmente pelo famoso Rabelais... num tempo
em que a etimologia
era um entretenimento de fantasia vã, no qual se inventou
escrever sçavoir, pensando que viesse do latim
scire (e não de sapére).
É aquela etimologia
de que zombou muito o Voltaire, quando dizia ser ela uma ciência
em que as vogais de nada valiam e as consoantes valiam pouca
coisa.
Ou ainda, quando explicava, com pouca intuição
e muito sarcasmo:
"Os primeiros reis da China tiraram o nome
dos reis do Egito, porquanto, no nome da família Yú
podem achar-se os caracteres que, arranjados de outra maneira,
formam a palavra Menés. É, portanto, incontestável
que o imperador Yú recebeu o nome de Menés,
rei do Egito; e que o imperador Ki é evidentemente
Atoés, mudado o k em a e o i
em toés...".
Ao propósito vem ainda o epigrama de Aceilly:
"Alfana vient d'equus sans
doute,
mais il faut convenir aussi,
qu'à venir de là jusqu'ici
il a bien changé sur la route".
Era a etimologia, também,
de velhos doutrinadores, em língua portuguesa. Julgue-se
pela origem da palavra Lisboa, num
autor do século XV. Segundo o referido glotólogo,
foi Ulisses quem fundou a cidade de Lixboa. Mas
ele morreu antes de a acabar e...
"mandou a hua sua filha, que auya
nome "Boa" que acabase e que ela a acabou, e que
despois que foi acabada, que ajuntou hua parte do nome de
seo padre ao seo e pos-lhe nome LIX-BOA."
(NOTA - No original arcaico a palavra hua
tem um til sobre o u. E ele aqui não
se reproduz por deficiência das oficinas tipográgicas.).
Se me obtemperam que não admira assim andasse
a etimologia, no século XV, um exemplo citarei, agora admirável,
de certo gramático português do século XIX
- Tristão da Cunha Portugal - autor de uma Orthografia
da língoa portuguesa, em 15 lições,
pelo sistema Madureira, retificado pelos princípios da
Gramática filosófica de Soares Barbosa,
etc. Trabalho publicado em 1837. E em que muita coisa interessante
pode encontrar-se. Mas a ciência etimológica de meu
T. da C. Portugal costuma ser engraçada como a de Rabelais
ou a daquele seu antepassado, no século XV. Também
para ele, saber vem de scire; çumo (era
a escrita, há cem anos) vem de succum; rançoso
vem de râncidus; cuidado vem de cura.
Se insisto nesta
digressão a respeito desta lingüística de alquimia,
que esteve em moda até fins do século 19, em nosso
idioma, é para que bem se aquilate qual seja o valor científico,
disciplinador e racionalizador, de uma grafia a que se agarram
os inimigos da simplificação.
A ciência filológica e glotológica,
florescendo embora desde os começos do século passado
só nos fins dele entrou, pelos estudiosos, a serviço
de nosso idioma. Só de então para cá, passou
a merecer respeito. Com Carolina Micaélis de Vasconcelos,
Aniceto dos Reis Gonçalves Viana, Antonio Garcia Ribeiro
de Vasconcelos, Antonio Cândido de Figueiredo, Adolfo Coelho,
José Joaquim Nunes, José Leite de Vasconcelos, etc.
(para citar únicamente portugueses), os quais conseguiram
impor-se como autoridades, no começo do século XX.
O estudo metódico e profundo da língua,
deles feito, levou-os à simplificação de
que foi paladino o insuperável Gonçalves Viana,
a maior autoridade no assunto grafia, que a língua portuguesa
conhece.
Malgrado a resolução dos doutos,
e apesar de serem os doutos, o que temos feito é não
a admitir e não os admitir, continuando nessa ortografia
- ou, melhor, cacografia - "caquíssima"
grafia, que por aí anda, eivada de contra-sensos, inçada
de erros, carregada de bastardias, tudo para se não ser
simples e lógico, para se não quebrar uma rotina,
para se não desrespeitar a absurdos que a ignorância
e o capricho criaram, para se não abandonar uma péssima
imitação francesa.
Escrevendo uma língua tão intimamente
irmã da castelhana, tão parenta da italiana, imitá-las
na sua comodíssima e racional sistematização
não o queremos nós, porquanto os exemplos eficientes
ainda têm sido só os de França. E não
há, na superfície da terra, grafia mais arbitrária
e absurda e antipática do que a francesa, dizem os proprios
filólogos franceses, repetidos por Cândido de Figueiredo.
Mas, na França, ao menos, uma cultura adiantada,
uma literatura incomparável e uma autoridade respeitada
- o Dicionário da Academia - remedeiam, quanto
possível, as dificuldades de tal incongruente ortografia.
Não é de hoje, porém, que
aqueles irmãos de língua se queixam das próprias
complicações gráficas. Desde o século
XVI, já se propunham reformas, naquele idioma, como as
de Meignet (1542) e Ramus (1562). Eram pela simplificação
da escritura francesa, nomes literariamente altos como Corneille,
Bossuet, Voltaire.
Era reformista, a Gramática de
Port-Roval. Foram reformistas: Roberto Poisson (1609), o abade
Dangeau (1694), o padre Vandelis, o abade Girard e vários
outros, no século XVII. Domergue, Marle, Adrian Feline
e outros, no século XIX. (V. Espasa Calpe). Pela
reforma se bateram ainda autoridades do peso de Darmesteter, Havet,
Bréal, Grammont, etc.
Leia-se o que escreveu Antoine Grégoire,
no Petit traité de Linguistique:
"L'opinion générale, quand
le public sera plus familiarisé avec les faits de langue,
finira par souhaiter la réforme orthographique. Il
existe plusieurs pays où elle a été réalisée,
et même imposée, en vertu d'une decision gouvernamentale.
En Allemagne, le ministre a édité des simplifications
orthographiques, et cela pour une largue qui en ressentait
beaucoup moins la nécessité que le français
ou que l'anglais. On ne peut que louer cette mesure prudente,
qui prévient 1'accummulation des singularités
orthographiques. Il est à noter que les partisans
les plus convaincus de la réforme sont des philologues
et des linguistes, c'est-à-dire, des personnes
versées dans 1'histoire des langues, et par conséquent
les plus compétentes..." (Ap. Lindolfo Gomes
- in Rev. Ling. Port.)
As simplificações
e unificações alemãs fôram propostas
em 1880. Bismarck opôs-se a elas, mandando que os funcionários
escrevessem pelo sistema antigo. Mas as modificações
venceram, por terem sido adotadas nas escolas e na imprensa.
É típico o fato desta oposição
do chanceler de ferro. O ne sutor ultra crépidam há
de sempre explicar a desrazão e espírito de suficiência
humanos, opinando e agindo, em cousas de que não entendem
o bastante, mas que tosam por um enfermo critério pessoal,
sem conta com o parecer dos doutos e especialistas.
Na questão da reforma ortográfica,
entre nós, ansiada e proposta de quantos nela mourejam,
com mão diurna e noturna, a oposição é
a dos leigos no assunto, unicamente por amor da rotina, por amor
de se não desalojarem de hábitos antigos.
A oposição de Bismarck lembra uma
anedota de Max Müller e que vem a ponto contar agora (Ap.
F. T. D., Gram. hist.).
Quando Sigismundo, imperador da Alemanha, presidia
ao Concílio de Constança, pronunciou um discurso
em latim, exortando à extirpação da heresia
hussita.
- Videte, patres, ut eradicetis schismam
hussitarum. (Vede, padres, que desarraigueis
o cisma hussita!)
Não se conteve um monge, que não
exclamasse:
- Sereníssime rex, schisma
est generis neutri. (Sereníssimo rei, cisma
é do genero neutro).
- Quem to disse? indagou o imperador, com presença
de espírito.
- Alexandre Galo, respondeu o velho mestre-escola boêmio.
- E quem é esse Alexandre Galo? tornou o imperador.
- Um monge.
- Pois bem: eu sou o imperador de Roma e espero que mais valha
minha palavra do que a de um monge.
Sem dúvida, na ocasião, a assistência
ficou do lado do imperador. Mas schisma não deixou
de ser do gênero neutro, porque nem um imperador lho poderia
mudar. Contra o que deve ser, acabam as resistências, ainda
as maiores e mais autorizadas. A simplificação gráfica
vencerá, apesar de tudo. Ela não é uma sistematização
completa e perfeita da escrita, porque a complicação
é muita . Mas, se o pouco que se quer excita e amedronta
a rotina... imagine-se uma tarefa radical!
Dizia eu, em começo, da má herança
que dos romanos houvemos. A vantagem deles era o simbolo escrito
representar o som, e para cada som valer um símbolo.
Vejamos, agora. em exemplos apanhados a J. L. de
Campos, a variedade de valores sônicos para os mesmos símbolos
gráficos ou a de símbolos gráficos para os
mesmos valores sônicos, no português. (Nota do organizador:
é claro que a exemplificação do Autor refere-se
a grafias existentes na época - velhas grafias, diz ele).
1. Um símbolo único latino,
de valor polifônico em português.
Exs.: cara, cedo; sábio,
casa, resoar (pronuncie-se ressoar; está
pela velha grafia), ânsia, transação;
fluxo, bexiga, exame, máximo.
2. Um som único, de representação
poligráfica.
Exs.: capa, cháos, kágado;
cégo, selva; poço, posso;
lixo, nicho.
Isto, sem contar as complicaçães
gregas e latinas, que um falso conceito radicou, desgraçadamente,
num errado uso de escrita, transformando muitas palavras em câmaras
funerárias de letras mortas, afeando a muitas outras, com
bastardias ignóbeis.
Só um novo alfabeto remediaria completamente
a escritura das línguas novilatinas. Tinha razão
o Leibnitz : "Dai-me um bom alfabeto e eu vos darei uma língua
bem feita. Dai-me uma língua bem feita e eu vos darei uma
boa civilização".
E tinha razão às carradas, porquanto
um povo capaz de tal alfabeto e tal língua só poderia
estar em nível intelectual de tal civilização.
Entretanto, enquanto lá não chegamos,
por que não imitar a italianos e espanhóis?
GRAFIA DA LINGUA PORTUGUESA
“...os Ozas sacrílegos
que erguem a mão contra a arca santa da rotina.”
(Cândido de Figueiredo).
O caminho errado, que nos trouxe à grafia
irracional que no Brasil domina ainda, trilhou-o, até onde
estamos, a escritura da língua, porque se deixou governar
por falsas concepções de lingüística
e etimologia. Ou melhor, por um corpo de conceitos que estão
para a glotologia
como para a química está a alquimia.
Já da língua asseverava o Camões
que Vênus, quando nela imaginava, cria que era a latina
poucamente corrompida.
A convicção de ela ser um latim disfarçado
gerou, na reação renascentista, um movimento aproximador
das fontes, naturalmente acompanhado de preocupações
a respeito da origem do idioma.
Todo o erro, porém, foi tentar-se a aproximação
de maneira seca e simples, num salto absurdo por cima de séculos
de vida, da língua. Aproximação que levou
a escrita aos melhores disparates ortográficos, até
o século XIX, século de florescimento da literatura
e murchecimento do vernáculo, gafado
de um francesismo invencível, que o contagiou definitivamente,
desde que a falência histórica de Portugal foi posta
mais em evidência, com o surto progressista de outros países,
e desde que o Brasil apenas começava a sua maioridade política,
encantado com a liberdade e ansioso de imitação.
Os franceses inundaram-nos de palavras gregas,
freqüentemente mal formadas e piormente nacionalizadas por
nós, enfarpeladas numa grafia de arrebiques que a insuficiência
glotológica
de uma época definitivamente implantara no sistema ortográfico
daquela língua irmã.
As chamadas palavras de origem grega, tão
predominantes em o nosso vocabulário técnico e científico
- medicina e ciências naturais, principalmente - jamais
nos vieram do grego. Da França, originàriamente,
ou pela França transitivamente, é que elas nos vieram,
porque francesa tem sido nossa cultura, aqui e em Portugal. O
fato é coisa explicabilíssima, pois nossa cultura
é toda de importação. Se lá fóra
é que inventam e descobrem, lá fóra é
que se hão de batizar, na pia gramatical grega, as cousas
que depois nos vêm nomeadas, restando-nos o trabalho, tão
anarquicamente feito, de nacionalizar o grego... francês.
O mais que nos veio do grego - velhos termos de
filosofia, retórica, etc. - também não foi
do grego e sim do latim, que os houvemos.
Alguns se plebeizaram de todo. Muito rezador da
Acrópole e muito lírico da Arcádia, entre
nós, poderia ficar espantado, ouvindo afirmar que a palavra
bodega é de origem grega ou helênica.
E para todas estas palavras, mediatamente gregas,
quando vulgarizadas, a tendência, que sempre houve, na língua,
foi simplificar-lhes a escrita. São exemplos carta,
escola, tio, talo, cirurgião, fantasma, faisão,
fleugma, farol, Felipe, etc. etc.
Mas a reação afrancesada moderna
andou reentronizando os valores gregos com abundância que
fez sobrar os tês-agás e pês-agás e
ipsílones para gregos e troianos: lyrio, cyrio, cathegoria,
systhema, Athayde, etc.
Por outro lado, o entusiasmo etimologista levou-nos
a fervores como o de Castilho, José, que nos queria ver
escrevendo poncto, docto, insinar, haghora, para se não
desrespeitar aos étimos punctum, doctus, insignare,
hac-hora.
Essa laia de ciência imaginava a etimologia
como uma química de gabinete: tomada a palavra latina,
dela se deduziria a forma vernácula, segundo processos
queridos pelo filólogo.
Ora, o vocábulo de evolução,
a palavra vernácula, sofre e se transforma à ação
de leis mais ou menos constantes, que o estudioso unicamente terá
de verificar e registrar. São as chamadas leis fonéticas.
A palavra a elas submetida é como o seixo,
rolado no leito de uma corrente, em que vai sendo desbastado,
desangulado, polido, até perder repontas e acidentes, e
harmonizar-se com os outros seixos.
Ao etimologista cumpre, ir, pacientemente, curso
em fora, descobrindo as transformações, verificando
os estágios vários, através dos autores e
dos documentos, ao longo dos séculos.
É esta uma ciência de observação
meticulosa, apoiada na verificação, sustentada no
fato.
Só o vocábulo erudito, de formação
não evolutiva e sim artificial, pode ser mais ou menos
imediatamente explicado num confronto com a palavra originária.
Não levado na corrente, de que fica à margem, fàcilmente
conserva alguma feição e aresta que tinha, quando
importado.
Exemplifiquemos o primeiro caso com as palavras
igreja, fruto e agora.
Igreja Do grego latinizado ecclesia.
O uso e desgaste popular transformou a palavra em eigreija
(vocalização do 1º c, abrandamento
do 2º, substituição da líquida l
pela líquida r, hipértese do i,
mudança do s em j). O
grupo inicial se virou em i, ficando a palavra igreja,
após a queda do i médio. Esta a razão
de grafar-se IGREJA e não EGREJA.
(NOTA - O único tipo de grupo consonantal
verdadeiramente português, em início de sílaba,
é o que tem r como pospositiva. Os grupos
de l (em pospositiva) apareceram depois, com a influência
erudita - Gonçalves Viana.)
Fruto - Do latim fructu. Vocalização
do c e queda subseqüênte do i: fruito>fruto.
(NOTA - A praxe moderna é dispensar-se
o m do caso lexiogênico, nas formas originárias:
em vez de fructum, fructu.)
Agora - De hac-hora. A grafia
arcaica suprimia muito os agás: onra, avya, ora. Escreviam
acora, donde o português agora.
(NOTA - Gonçalves Viana escreve com
h o nome desta letra: hagá. Outros,
porém, como Rui Barbosa e Mário Barreto, Oiticica
e o Vocabulário da Academia, pintam simplesmente agá.)
Querer reaproximar a forma vernácula, já
evolvida, à forma etimológica, seria o mesmo que
querer voltar o seixo a um precedente estágio de despolimento.
EVOLUÇÃO GRAFICA DA LINGUA
PORTUGUESA
"É mister formular-se ortografia
portuguesa com os elementos tradicionais da sua escrita, e
não com farrapos de escrita alheia..."
(Gonçalves Viana)
Vamos passar em revista algumas exemplificações
da grafia portuguesa e transformações por que tem
passado.
Para os textos mais antigos, queria transcrever
trechos da Crestomatia arcaica, de José Joaquim
Nunes. Como, porém, a ortografia dele, segundo
confessa em prefácio, é a bastante singela,
do códice
da Ajuda, pela qual retificou a escritura da obra,
preferi exemplos tomados à Gramática histórica
da coleção F. T. D.
Ela não explica a fonte dos ótimos
textos para estudo, que enchem todo o volume, mas, de qualquer
maneira, pela grafia, eles vêm muito ao caso e matéria,
de que trato. Uma leve amostra do:
Século XII:
Hec est notitia de partiçon, e de
devison, que fazemos antre nos, dos erdamentos e dos coutos,
e das Onrras e dos Padruadigos das Eygreygas, que forum do nosso
padre, e de nossa madre, en esta maneira: que Rodrigo Sanchiz
ficar por sa partiçon na quinta do Couto do Viiturio,
ena quinta do Padroádigo, dessa Eygreyga, en todolos
herdamentus do Couto, e de fora do Couto. (1192).
Século XII:
Conoscã todos que eu Eluira Lourenço
abadesa do moesteiro de Santa oufemea ensenbra cõ o conuento
dese meesmo logar fazemos carta denprazamento a uos Mouro domingiz
e a uosa molher Domingas... de huu meio de muino que o dito
Moesteiro a en Folares por en dias de uosa uida danbas as pesoas
en cada huu ano ende no dito Moesteiro dous segundos de pã
e seer ende os dous quarteiros de Milho, etc...
(NOTA - A falta de u-til e e-til
força o autor a deixar deficiente a reprodução
gráfica de uma ou outra palavra nos textos antigos
amostrados neste capítulo.)
Século XIV: A rã
e o boi
Pom este enxemplo este doutor e diz que
huu boy, andando a beber, pose o pee em çima de huu filho
d'hua rrãa. E a rrãa veendo esto, assanhou-sse
muyto: conpeçou-se muyto fortemente de jmchar, e queria-sse
fazer tam grande como era o boy, pera sse matar com ell. O filho
lhe disse:
- Madre, nom faças, ca tu es muy pequena cousa a rrespeyto
d'este boy.
A rrãa, polo gram pesar que auia outra vez muyto mays
conpeçou de jmchar. O filho a rreprehemdia, dizemdo:
- Madre, nom te esforçes de te jmchar tanto, ca poderias
arrebemtar: e ajmda que te jnches quanto poderes, nunca serás
tamanha como o boy.
A terceira vez a rrãa sse jmchou tamto que arrebemtou
pollo uemtree morreo.
Compare-se com a retificação
de J. J. Nunes, na Crestomatia:
- Madre, non faças esso, ca tu és
mui pequena cousa a respeito deste boi.
A rãa, polo grau pesar que avia, outra vez muito mais
começou de inchar. O filho a repreendia, dizendo
- Madre, non te esforces de te inchar tanto, ca poderias arrebentar:
e, ainda que te inches quanto poderes, nunca serás tamanha
como o boi. - Etc.
Século XV: Bons conselhos:
Ouve, vê e calla,
e viverás vida folgada.
Tua porta çerrarás,
Teu vizinho louuarás,
quãto podes nam farás,
quãto sabes nã dirás,
quãto ves nã julgarás,
quãto ouves nã crerás
se queres viuer em paz.
Seis cousas sempre vê,
quando fallares, te mando:
de quem fallas, onde e quê
e a quem, como e quando;
.....................
nom cures de ser picam,
nem trauar contra rrezam
Assy lograrás tas caãs
cõ tuas queixadas saãs.
(Dom João Manoel, camareiro-mor del-rei d. Manuel).
Século XVI:
Chegou aa torre furtado da frontataria da
janella, a horas de meia nocte e ordenou Deus que fosse em tal
asseio, que ho mouro que hacte entam veelara se foora a dormir
& encõmendara a veela aa filha. Ha qual quomo moça
& pouco cuidadosa de tal cuidado, se soccornou na janella,
e addormesceo. Alegre ho caualleiro de tã boa conjunçam,
desattando-se da rama, trepou & lançando mão
aa moça, deu com ella abaxo: de modo que nunqua mais
falou, nem fez rumor alguo, & entrando na torre cortou a
cabeça ao Mouro que achou se guramente dormijndo, &
entreghe a ho primeiro soinno. Etc. (André Falcão
de Resende)
Compare-se a escritura de Falcão
de Resende com a desta nota, no Cancioneiro Geral de
Garcia de Resende, publicado em 1516:
- Acabousse de empremyr o cancyoneyro geerall.
Com preuilegio do muyto alto, & muyto poderoso Rey dom Manuell
nosso senhor. Que nenhua pessoa o possa empremir nem troua que
nella vaa, sob pena de dozentos cruzad', & mais perder todollos
volumes que fizer. Nem menos o poderam trazer de fora do reyno
a vender ahynda que la fosse fejto so a mesma pena atras escrita.
Foy ordenado, & emendado por Garcia de Resende fidalguo
da casa del Rey nosso senhor, & escriuam da fazenda do prinçipe.
Começouse em almeyrym, & acabouse na muyto nobre,
& sempre leall çidade de Lixboa. Per Hermã
de cãpos alemã bõbardeyro delrey nosso
senhor, & empremidor. Aos xxvjjj dias de setembro da éra
de nosso senhor Jesu cristo de mil & quynhent, & xvj
anos.
Século XVII: Neologismos
- Por tres razõens deve huma lingua
admittir e naturalizar as palavras de outra: por indigencia,
por elegancia, e por decencia. Em primeiro lugar, a indigencia
noõ tem ley, que prohiba a huma lingua o valerse de huma
palavra, que necessita. Os mesmos Romanos ainda que soberbos,
e altivos, como Senhores do Mundo, se sogeitarão a mendigar
palavras dos Gregos, seus subditos, e por boca de Quintiliano
confessaraõ a sua indigencia: Paupertate sermonis laboramus.
(Rafael Bluteau)
Não é possivel continuar
citando textos antigos. Para bem se avaliar a desordem ortográfica,
o capricho, a desunidade, necessário fôra cotejar
os autores, um por um.
Vão aqui uns rápidos
respigos, feitos em vários trechos do século XVII:
-mouer- huma - hua - Hierusalém -
janeyro - christaõs - corryeo - he - dicçoens
- candea - mayores - mãy - hum - Phavorino - filosofo
- fallar - circumlocuçoens - vay - Cosmografia - Hydrografia
- serman - cõsolaçaõ - profeta - capitam
Joam - diziaõ - Deos - froxos - pello (per+o) - conservouse
- Izaias - sintamse - perdem - eleuaõ - baxel - izentas
- mancissima - sugeito - metafora - author - senam - dezeja
- epresa - be - cõ - hu - tepos, etc., etc.
Século XVIII - No século
18, o individualismo e anarquia eontinua o mesmo. Escrevia-se:
rei - rey - foy - missoens - capellam - hua
- questam - Bahya - martires - pello (ut supra) - muy
- regiam - dirvoshey - cazo - athê (até)
- daly - rezultavaõ - dissensoens - couzas - he - izentas
- laborioza - taõbem - Luzitana - envejar - occazioens
- dezembargador - Jozé - phraze - etc., etc.
SÉCULO
XIX
O século XIX é o século do
romantismo, constelado de grandes nomes, como Garrett, Herculano,
Castilho, Camilo, Latino Coelho, ou Gonçalves Dias, Alencar,
Macedo, etc. Em questão de grafia, teve cada um seu processo
e seu procedimento.
Garrett (João Batista da Silva Leitão
de Almeida, 1799-1854), vaidoso, gostava de particularidades
gráficas, como mattar, fummo, entrehabrir, cumullar,
ingano, imbora...
Herculano (1870-1877) era cuidadosamente etimológico:
mysterio, monarchia, apparecer, theatro. etc.
Castilho (Antonio Feliciano, 1800-1875) aconselhava
a seus secretários uma racional simplificação:
outono, anualmente, afeição, inocente, etc.
Camillo (1825-1890) nunca se preocupou de grafia:
sear, alphange, sidreira, emmergir, antypodas, etc. são
formas encontradas em escritos dele, garante-o Cândido de
Figueiredo, a quem estou seguindo nestas informações
acerca dos românticos portugueses.
Latino Coelho (1825-1891), quebrador de lanças
por uma "grafia estética", escrevia prophano,
com pê-agá!
Examinarei aqui um trabalho de Tristão
da Cunha Portugal, para ficar sabido que cousa ainda se ensinava
como devendo ser, em questão de grafar palavras, na primeira
metade do século dezenove.
Intitula-se Ortografia da lingua portuguesa,
o referido trabalho. Segue Madureira, retificado por Soares
Barbosa. Data de 1837. Estamos quase no centenário do livro.
Vejamos o que, há cem anos, era determinado por um professor
de português.
Na prefação, lamenta que a ortografia,
na língua portuguesa, venha andando empírica, quase
absolutamente empírica, escrevendo cada um segundo o próprio
querer. Após definir o que seja ortografia, enumera os
quatro modos de errar contra ela:
1. por acrescentamento: he, adoação,
alanterna;
2. por diminuição: olivera, qalidade,
sô (sou);
3. por troca: antre, precurador, negrigente...;
4. por transposição: clomeia, frol.
Discorre sôbre os três sistemas ortográficos:
I - O sônico, em que a escrita
representa, ao justo, o som da palavra.
II - O etimológico, em que as letras denunciam
a origem da palavra.
III - O usual, que caminha entre os dois primeiros
e de ambos participa.
O primeiro, o sônico, inculcaram-no alguns
reformistas do século passado, diz o autor, e até
livros, por ele, se escreveram. Mas ele não teve voga.
Filho do latim, há de o português
pautar-se pelos seguintes princípios:
I - As palavras primitivas seguem a escritura
adotada na língua latina, se dela provierem.
II - As palavras derivadas seguem a das palavras de onde vêm.
III - As que não procedem próxima e claramente
do latim, seguem o uso das pessoas cultas.
(Entre parênteses, é uma espécie
de lei da boa razão, deste Pombal gramático,
que foi o nosso T. da C.)
Tratando do h, do k, e do y,
diz que eram letras quase escusadas e se podiam substituir por
outras, como desejavam alguns. Mas tacha de inútil discutir
a questão, concluindo: "... e nem aqui é
o lugar destas erudições".
Regista grafias como pai, pau, céo,
meu, ouviu, pôes, mãi ou mãe, mains
ou mães, bee, bõo, etc., declarando
ser muito variado o uso.
Protesta contra a "inovação
que começa de introduzir-se, escrevendo coisa, açoite,
coiro, coi ce". É defeito contra a derivação
latina". "Ninguem escreve nem pronuncia oitro, azoigue,
coive, oitubro".
Falando do ch, diz que o empregamos por
imitação: archanjo, Achilles; e por necessidade:
chave, cheiro.
PH - A respeito, cita uma regra do padre Madureira,
que mandava escrever com ph o nome, sendo próprio,
e ph ou f, sendo apelativo. Após uma nomenclatura
ph, bastante longa, o Portugal chama a atenção
para as palavras que se vão introduzindo na língua,
como: tachygraphia, lithographia, etc.
FF - "Toda palavra que principia por
di, e, o e su, seguindo-se-lhe imediatamente f,
dobra esta consoante", reza textualmente o livro.
Pelo menos tem a vantagem de ser decisiva e clara,
a regra!
Gambetta, quando, um a vez, se preparava a um exame
de direito, ficou encantado com a nitidez líquida de um
texto legal, que dizia: "Todo condenado à morte
terá a cabeça cortada." Prometeu e apostou
que havia de começar o seu exame pelas referidas palavras.
No dia aprazado, saiu-lhe à sorte o ponto hipotecas.
Os companheiros entreolharam-se, expectativos. Calmamente
ele principiou: "Todo condenado..." com espanto
grande dos examinadores e dos colegas. Mas logo acrescentou: "Antes
fôsse tão clara, a legislação sobre
hipotecas..."
Antes fosse, também, toda, assim clara,
a legislação a respeito de grafia, como o referido
texto de Portugal. Eis alguns nomes, apanhados na lista de exemplos
que ele desenrola, para concretizar a dada regra : affadigar,
affagar, affamado, affastar, affear, afferrar, e muitos outros
do mesmo calibre.
G - Soares Barbosa propunha-lhe desterro dos logares
antes de e e i: jente, jiro...
H - Diz o T. da C. que é letra muito discutida.
E faz longo discurso a respeito, com pontos de vista normais,
mais ou menos, para os olhos de nossos dias. Numa lista de exemplos,
aconselha que se escreva Hetruria, huivar, etc.
K - Os amantes da simplificação não
o querem nem para kalendas. (Só nas gregas, concordaria
eu). - Cada qual escreva como lhe pareça, contanto que
se respeite aos nomes próprios peregrinos: Kan, Kremlim,
Koran.
PS - Muitos já se vão resolvendo
a escrever salmo, salmear.
TH e X - Expõe ideas mais ou menos atuais.
Y - Tem havido luxo demasiado no seu uso. Já,
hoje, porém, o empregamos em palavras de origem grega...
E cita o critério de Bluteau (seguido por Madureira) para
reconhecimento de palavras gregas ipsilonadas. São as que
começam por (1) syn, (2) chrysos, (3)
pyr, (4) lycos, (5) poly, (6) hydor,
(7) physis, (8) hyper, (9) hypo. Manda
ainda escrever Cambaya, giboya, zagaya, etc.
Z - Responde ao c latino ou ao t.
Manda escrever az, aza, braza, duqueza, mez, preza (do
la tim pretium), etc. - Quem não quiser prender-se
à imitação pode escrever brasa, bellesa,
asinhaga...
TREZE REGRAS ORTOGRÁFICAS de T.
da C. Portugal
T. da C. Portugal resume num código de treze
princípios, as regras comuns e gerais da ortografia. Vamos,
aqui, delas, reduzir alguma cousa mais interessante, quer positiva,
quer negativamente.
1. Palavra nativa (?) escrever-se-á
com caracteres nacionais. E cita o abecedário nacional,
em que não entram k, nem y, nem w, nem
o h solto.
3. Na regra 3, diz que as palavras derivadas
ou etimológicas (?) não devem ter letras desnecessárias.
Não se escreverá he, hum: nem esparto,
espaço (mas sim sparto, spaço), porque
é escritura contrária ao latim spartum, spatium.
Etc.
5. O acento diferença vozes: pára
e para. Mas quando ele se acha preocupado pela sílaba
aguda, é permitido, segundo os clássicos, como João
de Barros, dobrar a vogal: vaadío, preegár.
13. Se a palavra vem do grego ou do latim, conserve
os caractéres. Do grego: k, y, th, ph, rh, ch, ps.
Do latim: h, x (cs), bb, cc, dd, ff, etc.
Para sabermos quando são duas as consoantes,
temos que olhar a composição prefixal.
Já se começa a desertar da supersticiosa
imitação das origens.
Se a palavra é de uso dos sábios,
conserve sinal da origem; se de uso popular, tome roupas de nosso
alfabeto.
CRITICA AO PORTUGAL
Vê-se que era um bom homem, o nosso T. da
C. Portugal.
Ele manda escrever çumo (do latim
succum), preza (do latim pretium), cuidado (do
lat. cura), affear, affadigar (por causa do prefixo latino)
- mas isto só mostra como a etimologia
estava infantil ainda, e zureta, no tempo dele. A ciência
de Bluteau, Madureira, Soares Barbosa, não passava de uma
grande vontade de acertar.
Nosso Portugal ressuma, já, uma constante
inquietação de eruditismo, de ver escritas com efes
e erres as palavras, em uso de sábios, que venham do grego
ou do latim. Mas o bom senso - que é um lastro da opinião
geral, uma tendência harmonizadora com a realidade, e tendência
possível em todos nós, - poreja, nele, a cada momento.
Quando fala do ch, do ph, do
k, do y, declara que os amantes da simplificação
não os querem. E que são mesmo inúteis. Ou
ainda, que já se começa a desertar da supersticiosa
imitação das origens. Mas ele próprio se
não furtou a essa imitação, contaminado que
andava de uma ingênua presunção científica,
"a qual, em vez de infirmar e desaparecer, alastrou e vigorou,
tomando conta da nossa ortografia, embora a verdadeira ciência
glotológica
de um Gonçalves Viana bem mostrasse a desrazão de
todas estas complicações que perturbam a escrita
e reagem contra a natural evolução da língua.
OPINIÕES
Em 1853, pela célebre revista Panorama,
declarava Latino Coelho que devia “a escrita significar rigorosamente
os diferentes sons de que constam as palavras”, e que era um erro
“o escrever diverso do que há de ler-se e se pronuncia”.
Em 1879, dando parecer, em nome da R. Academia
das Ciências, sobre um projeto de reforma ortográfica,
- na ocasião tentada, - o mesmo Latino falou em “ortografia
estética”, ortografia que não era bem perder o “colorido
de veneranda ancianidade”... E, numa zumbaia
comme il faut, disse mesmo que a falta de ortografia
foi uma das mais poderosas razões de perda da primitiva
linguagem romana!...
Bem se vê
que era o Romantismo! Temos, porém, cousa melhor! Escute-se
o Aulete, o do Dicionário contemporâneo:
"Quando lemos a palavra homem. a
letra morta h traz-nos à fantasia a grande civilização
romana: filia o homem atual nessa gloriosa plêiade de
heróis latinos. cujas ações maravilhosas
ainda hoje assombram o mundo".
Tem realmente força esse defunto h!
Pena que os italianos, mais diretos herdeiros da “gloriosa plêiade”,
o hajam eliminado da palavra uomo e do alfabeto deles!
Lástima que aqueles portugueses duros de
d. João I, apesar de vencedores em Aljubarrota fossem tambem
omens sem h e tivessem em tanta conta a onrra,
tambem sem h e até com dois erres!
Entre nós,
quando a Academia Brasileira tentou a malventurosa reforma de
1907, contra esta se descarregou o melhor sarcasmo que, então,
possuíamos, e era o de Carlos de Laet.
Mr. John C. Branner
é da Standford University, Califórnia. Em artigo
para a Rev. da Ling. Port. (1920), o sr. Júlio
Nogueira traz, como forte argumento contra a reforma ortográfica,
a opinião do norte-americano Mr. Branner.
Otávio Augusto (autor do livro Fausto
e Asvérus) mandou a este professor o seu trabalho,
escrito na grafia simplificada. Numa carta ao autor - e que Júlio
Nogueira reproduz - Mr. Branner declarou que muito ruim impressão
lhe causara a neografia da obra. Sobretudo porque ela torna o
português mais parecido ainda com o espanhol. (!)
"There is unfortunate impression that
the Spanish and Portuguese languages are so much alike that
if one learns Spanish he need not trouble himself about the
Portuguese".
A nova escrita veio agravar a parecença.
Palavras como anarquia, Atenas, Cristo, etc. não
são portuguesas, sim espanholas: "These new forms
are not the Portuguese, but simply the common Spanish words".
Quando um falante de língua inglesa encontra, em português,
palavras como atmosphera, orthographia, condemnar, etc.
- é como se encontrasse velhas conhecidas, velhas amigas:
mas tais palavras são como estranhas, se escritas sem ph
nem th, etc.
Muito bem ao professor Branner e ao sr. Júlio
Nogueira, que o chama a tablado, para atacarem a neografia simplificada!
O primeiro, porque acha lamentável o português tornar-se
mais parecido ainda com o espanhol, com o grave inconveniente,
para quem sabe uma das línguas, de não precisar
de aprender a outra! "He need not trouble himself about
the Portuguese". (!) O segundo, porque parece daí
concluir não se dever reformar a grafia, para não
desagradar aos estrangeiros "like" Mr. Branner!
Se esse metéco de ph - e seus companheiros
th, ch, y - ao menos conquistassem para nós a
Inglaterra e os Estados Unidos, ou nos fizessem um tiquinho mais
conhecida a língua brasileira, ali naqueles países,
então lhes admitiria eu utilidade e ajudaria a gritar contra
a reforma.
Como antídoto
ao sentimento professoral e estrangeiro de Mr. Branner, apresentarei
o que disse o professor José Oiticica, em artigo no Correio
da Manhã, em 1929:
"Aqui, na Alemanha, tendo de ensinar
a alemães, em concorrência com o espanhol, mais
se sente o peso morto de tantos agás inúteis,
letras dobradas, letras parasitas e a falta de uma acentuação
esclarecedora. Adotei imediatamente a grafia portuguesa, embora
no uso corrente do Brasil se use ainda o caos ortográfico
e pseudo- etimológico. A grafia brasileira é rebarbativa,
incerta, incoerente, afugentadora. A espanhola, graças
à sua simpleza e certeza, convida os estrangeiros e daí
sua assinalada vitória até sobre o francês,
nas universidades alemãs. Para uso interno e externo,
pois, é indispensável, premente, a oficialização
de um sistema gráfico fácil, cômodo e invariável."
Venho citando opiniões
e reações contra a reforma ortográfica. Elas
poderiam ser multiplicadas. É inutil, porém, continuar.
E vou concluir este bater na mesma tecla pela admissão
de que o opor-se ao novo é uma fatalidade, e é cousa
que tem sido inevitável às coletividades humanas.
As melhores inovações foram combatidas rudemente,
ao tempo em que apareceram. Os mais geniais inventores sofreram
cruas decepções nos sonhos de ver sua obra triunfalmente
consagrada, quando a apresentassem ao público.
Tomemos para exemplo a ferrovia. Que se não
disse contra o trem-de-ferro, quando ele apareceu? Homens dos
mais ilustres e dignos, em França e Inglaterra, insultaram
profundamente, solenemente, aquele progresso, quando, há
cem anos, começava a espalhar-se na Europa. Aquilo não
tinha segurança, aquilo não iria à frente.
Como poderia o homem respirar, andando com uma tal velocidade?
E, dado que fôsse viável, num dia só o trem
faria todos os transportes... e, depois, no resto da semana, que
se haveria de fazer?
A massa é ingênitamente conservadora.
Em qualquer outra questão, como na questão ortográfica,
o primeiro movimento é o de repulsa “pelos Ozas sacrílegos
que erguem a mão contra a arca santa da rotina”.
O problema ortográfico tem existido, mais
ou menos premente, em cada país civilizado. Resolveram-no,
e bem, a Espanha e a Itália. Mas na França e na
Inglaterra, ele continua uma dificuldade de esmorecer todo esforço.
Os movimentos no sentido de uma grafia mais racional
e simples têm encontrado veementes e indignadas oposições.
E são os literatos que chefiam, não raro, a campanha.
Enquanto os técnicos, no assunto, os gramáticos,
filólogos, professores - que lidam com a matéria
e lhe enxergam os absurdos e dificuldades - são, em geral,
os que recomendam e pedem remédios, os romancistas e poetas
e jornalistas gritam contra a inovação. E é
natural, até certo ponto. Aprenderam a pintar as palavras
quando cursavam a escola. Lançando-se, depois, na atividade
literária, enrijaram os dedos e os olhos naquela maneira
aprendida. Que se vá agora propor-lhes mudança,
deslocá-los de seus hábitos, obter-lhes um novo
sistema de escrever!
Entretanto, é sabido que os literatos,
modelos de estilo, em gramática e ortografia têm
lá suas liberdades. Sobretudo em ortografia.
"Ninguem sabe escrever" dizia o Fradique
Mendes do Eça.
"Os próprios mestres têm extravagâncias",
dizia o Cândido de Figueiredo.
'Não há Camões, Sousa, Bernardes,
Herculano, Vieira, ou Castilho, de quem não hajam apontado
muitas (extravagâncias), os melhores aquilatadores",
dizia o Rui, concluindo o citado Cândido de Figueiredo.
“Somos três, em Paris”, gabava-se Balzac,
“os que sabemos a nossa língua: Hugo, Gauthier e eu”. “Mas
já os contemporâneos lhe respondiam, exprobando-lhe
enormes erronias, solecismos, formas bárbaras, torneios
inauditos ou formalmente irregulares". (Rui, Réplica).
Citei, como exemplos maus, em cousas de ortografia,
a Garrett e Camilo. Dos antigos nem se há de falar. Entre
nós, o próprio Rui, tão modelo e tão
seguro na vernaculidade, percorra-se-lhe a Réplica,
num exame ortográfico, e se verá como é descriteriado,
como e usual, misto e inconseqüente. E já não
vou citar, por exemplo, ao Eça e ao Fialho de Almeida,
cuja irreverência para com o vernáculo e cuja indiferença
para com tais perfeições, como a grafia, são
muito sabidas.
Isso, apesar de o Eça ter dito, com a finura
sedutora de sempre : "Um homem só deve falar, com
impecável segurança e pureza, a língua de
sua terra: todas as outras as deve falar mal, com aquele acento
chato e falso que denuncia logo o estrangeiro". (Fradique
Mendes).
Na Inglaterra, na
França e nos Estados Unidos, os literatos se têm
oposto a reformas ortográficas e defendido a grafia usual,
com todos os seus males. E, se há línguas que necessitariam
de regiminização, haviam de ser a francesa e a inglesa.
Do inglês dizia, em chacota, Alexandre Dumas,
se me não engano: "Em inglês, a gente escreve
árvore, pronuncia canoa e, no fim, a
palavra significa montanha".
Nos Estados Unidos, T. Roosevelt,
inimigo da disparatada grafia de sua língua, chegou a determinar
que, nos atos oficiais, fosse usada a ortografia dos reformistas.
Houve protestos, houve reações. E o caso foi levado
à Suprema Corte. A qual determinou que, oficialmente, só
deveria ser usada a ortografia de Webster. Webster, que
é uma espécie de Morais lá dos americanos,
como diz Mota Assunção, de onde tirei o informe.
Quem deslocará a massa
grande e informe, da rotina?
- A infiltração.
Lá dizia o Lucrécio admirável:
- "Indupedíta suis fatálibus omnia vinclis"
- A tudo ligam vínculos fatais.
O que há de ser, terá força.
TENTATIVAS DE REFORMA
Enquanto o escrever esteve mais ou menos relegado
à saboreada pacatice dos mosteiros, à obrigação
superlativa dos cronistas de poderosos e ao gosto aristocrático
da diminuta classe letrada, era possível a questão
ortográfica não incomodar tanto, socialmente, a
um povo.
Ainda hoje, na China, em muitos lugares, não
pode haver preocupação ortográfica. O escrever,
neles, é atividade limitada a poucos profissionais. Há
os escrevedores de ofício. Quem precisa de mandar uma carta
ou ter um documento, a eles se dirige, como quem vai ao mercado
ou à loja. E o profissional, com a mesma cara, pinta uma
carta lírica, que lhe pede uma noiva, ou uma carta lutuosa,
com notícia da morte de alguém. (Creio que vi isto
no Tapete mágico, do cinema).
Escrevia-se, como vimos dos antigos, mais ou menos
à vontade. E ninguém sentia muita preocupação
de ortografia. Grafia era o suficiente.
Enquanto a ciência da linguagem esteve cheia
de abusões e infantilidades, era admissível o capricho,
a imaginação, - com que foram enfeitadas, pelo uso,
as palavras escritas.
A pouca extensão social da cultura, a predominância
do especulativo e do formal, os largos ócios e as calmas
necessidades de uma vida em que o espaço era medido lentamente
e em que o tempo era servido em largas porções -
tudo faz adivinhar porque não ecoaria tanto o problema
e a dificuldade de bem representar o pensamento escrito.
Mas hoje a instrução democratiza-se.
Todo mundo escreve. No Japão, 99,5% da população
freqüentam a escola. Só meio por cento de japonês
é analfabeto. (Miguel Couto, A educação
do povo). Imagine-se que seja a ortografia japonesa
complicada feito a brasileira... Qual não será o
trabalho louco dos professores, para a ensinarem a tanto filho
do sol!
No momento, a tendência social é para
a coletivização, a massificação. Daí
a importância de todo problema que interesse à massa.
Estão na conta as dificuldades insuportáveis de
nosso sistema ortográfico. E o homem de hoje, em vez de
aumentar sua capacidade intelectual, para vencer as complicações
da escritura do pensamento, só lhe apraz aquilo que o ajuda
nas explorações práticas da vida. Isto de
escrever corretamente é uma especulação.
A vida rápida reduziu muito o espaço e valorizou,
em porções infinitesimais, o largo tempo de outrora,
que lhe não sobra mais, bastante, para calmas lucubrações.
Por outro lado, a glotologia
moderna demonstrou a falsidade complexa e a inutilidade estorvante
de nosso sistema ortográfico, em oposição
com uma grafia mais simples, mais racional, mais perfeitamente
histórica e etimológica. Ela não é
ainda tudo. Mas por que não a adotarmos, definitiva, eficiente
e universalmente?
Quantas vozes sensatas se têm
feito ouvir, e quantas tentativas se têm ensaiado!
Desde os primeiros livros sôbre a língua
portuguesa, vem sendo tratado o assunto. Em muitos deles, com
bons conselhos que ditaram o estudo, a prática e o senso.
Trabalhos especiais têm sido consagrados à matéria...
e o problema ortográfico continua apoquentando a inteligência
do estudante brasileiro e a lógica de nossos homens feitos.
Dos que pude ir sabendo, no estudo que me ocupa,
eu citaria: Duarte Nunes de Leão, Ortografia da língua
portuguesa. Fins do século 16, ou começos do
17, porque ele morreu em 1608; Álvaro Ferreira de Vera,
Ortografia, 1631; Bento Pereira, Ortografia,
1666; Tristão da Cunha Portugal, Ortografia da ling.
port., 1837; V. Bóscoli, Ortografia, 1885,
Rio; Miguel de Lemos, Ortografia positivista, 1888. Rio.
Mas foi Gonçalves Viana quem definiu, delimitou
e tratou seriamente o assunto, em que se tornou suprema autoridade.
Mencionarei especialmente a sua Ortografia Nacional,
1904. Depois dele, a lição dos doutos, quase unânime,
tem sido pela simplificação. Mas a idéia
parece não querer amadurecer entre nós.
Entretanto, o conselho da simplicidade gráfica
apareceu, na língua, com a sua primeira gramática,
a que escreveu Fernão de Oliveira, em 1536:
"As dicções que trazemos doutras
línguas, diz ele, escrevê-las-emos com as nossas
letras que nelas soam, como ditongo, filósofo, gramática,
porque todo o mais é impedimento aos que sabem essas
línguas donde elas vieram".(Ap. Carolina Micaelis,
in F. T. D.)
E João de Barros, que fez a segunda
gramática, publicada em 1540, também fala:
"A ortografia é a ciência de
escrever direitamente todas as dicções, com tantas
letras com quantas as pronunciamos, sem pôr consoantes
ociosas. Mesmo dado que a dicção seja latina,
logo que a derivamos a nós, e ela perder sua pureza,
logo devemos escrever ao mesmo modo". (Id., ib.)
Que desjuizo e que capricho nos afastou de tão
bom caminho, apontado pelos dois primeiros gramáticos da
língua? Explica-o bem Gonçalves Viana, quando diz:
"Estou convencido de que a denominada ortografia
etimológica é uma superstição herdada,
um erro científico, filho do pedantismo, que, na
época da ressurreição dos estudos clássicos,
a que se chamou Renascimento, assoberbou os deslumbrados adoradores
da antigüidade clássica e das letras romanas e gregas..."
Já Francisco Rodrigues Lobo, o Teócrito
Português (1580-1622), queixava-se, no tempo, dos eruditos
que levavam o “português de arrastro até o fazer
latim ”, escrevendo "septe, docto, escripto, benigno".
Incontestavelmente, foi salutar a reação
erudita, com a forte injeção de latim que deu no
vernáculo. Recompô-lo em formas mais perfeitas, com
melhor satisfação da estética, e enriqueceu-o
com um inigualável sincretismo vocabular. Mas, das suas
péssimas conseqüências, a pior foi a implantação
de uma grafia preciosa e anarquizada.
O tempo de a reformar já
passou, de muito. Tentativas têm sido feitas. Aqui se tratará
de algumas.
A reforma SÒNICA -
A reforma que tornasse a grafia numa reprodução
exata da pronúncia seria a ideal. É a de mais antigas
tentativas. É, também, a menos viável, com
o alfabeto que temos, e com a nossa variedade prosódica.
Se ao menos tivéssemos dado
a Leibnitz o alfabeto que pedia... O consolo é que a falta
para com pedidos de outrem é coisa muito antiga e muito
costumeira, na humanidade. Quem forneceu a Arquimedes
de Siracusa a alavanca com que ele pretendia abalar o mundo?
T. da C. Portugal, segundo vimos,
já se referia a tentativas e experiências fonéticas
- até livros escritos - nos fins do século anterior
ao dele. Morais, o dicionarista, era partidário
da grafia sônica, a que ele chamava de filosófica.
"Quanto à ortografia, declaro altamente
e de bom som, que na maior parte a sigo contra o meu parecer,
e porque assim o querem. Eu sou pela ortografia filosófica,
a qual, fundada na análise dos sons... pede que a cada
um se dê um sinal... Deste voto eram João de Barros,
o célebre Duclos e o imortal Franklin... cujos nomes
aponto para confusão dos que não valem tanto..."
(Morais, Dicionário, Prólogo)
Castilho pregou a ortografia sônica, durante
algum tempo. Leia-se o trecho seguinte, do foneticista J. Barbosa
Leão:
"Em 1853, (atenção
na ortografia do autor), o celebrado poeta Castilho andou
a ensinar o seu método de leitura, e ao mesmo tempo evanjelizava
a ortografia sônica. Indo a Coimbra, teve lugar um
notavel saráu literário, e neste, o académico
Sebastião Jozé de Carvalho, oje o
sr. visconde de Xanceileiros, combateu esa
ortografia com o argumento das omonimias. Como
viese a falar depois o sr. João de Deus, dise
êste que estava inteiramente d'acôrdo: que
realmente era inaceitavel semelhante ortografia pelas omonimias,
que traria consigo; mas que pela mesma razão era precizo
acabar com as omonimias existentes, por meio das competentes
distinçõis; e acrecentou com toda a seriedade,
que para a palavra barra propunha já um meio
muito simples de se alcançar isto, que era : na acèção
de barra de metal, escrevel-a com dois rr; na
de barra de um leito, escrevel-a com trez; na de barra
de um rio, com quatro; na de barra d'um vestido, com
cinco... Mas xegando aqui teve de calar-se, porque
os acadêmicos e demais assistentes rião a “bandeiras
despregadas”. 1880 (Ap. F. T. D. - Gram. hist.)
Foi quando Latino Coelho fez profissão de
fé, sônica. Para mais tarde, em 1879, se retratar,
no parecer contra o projeto foneticista, da comissão portuense.
Como se vê, o mais notável do sarau
coimbrão foi a proposta das barras, feita por
João de Deus (1830-1895). O poeta da Cartilha maternal
tinha, então, 23 anos só, e era estudante de
direito, pois terminou o curso em 1859. "Dez anos frequentou
o curso de direito, num desapego absoluto dos seus maiores deveres
acadêmicos. Trovador, cantava, guitarrava, desenhava...",
diz dele José Agostinho de Campos. Não é
hora de o defender e nem é aqui o lugar. Mas os seus versos
davam-lhe direito de escrever barra com quantos érres entendesse.
Quanto ao movimento fonetista do Porto, de
que eram chefes Barbosa Leão e João Felix Pereira,
gorou porque era muito forte e porque subordinava, à pronúncia
individual dos líderes, a pronuncia geral. E quem o diz
é Cândido. de Figueiredo.
A opinião pública ficou do lado de
Latino Coelho, no parecer por ele apresentado, em nome da Real
Academia das Ciências.
Só em 1885 se iniciou o verdadeiro movimento
simplificador, num plano de reforma arquitetado, de colaboração
com Vasconcelos-Abreu, por Aniceto dos Reis Gonçalves
Viana (1840-1914), "o mais extraordinário poliglota
que ainda fulgurou em Portugal", diz o sr. José de
Sá Nunes.
"Digo que ele é o mais extraordinário
poliglota, porque, além de saber profunda e magistralmente
o idioma pátrio, conhecia cabalmente as demais línguas
românicas - o francês, o italiano, o espanhol, o
provençal, assim como o inglês, o alemão,
o russo e o dinamarquês, o húngaro, o sueco. o
árabe, o persa, o malaio, o prácrito, o concôni,
o chinês. o japonês, e o latim, e o grego, e o sânscrito..."
[Ap. F. T. D., Literaturas estrangeiras]
"Deve fixar-se esta vocação
extraordinàriamente acentuada de Gonçalves Viana
para o estudo das línguas, porque... demonstra, quando
levada a primores que poucos atingiram como o grande filólogo,
um apuramento de ouvido excecional e que muito o ajudou nos
seus estudos de fonética". (Manuel Múrias,
Pref. às Palestras filológicas do mestre)
Redundo em elogios ao egrégio filólogo
porque entramos na parte nuclear do assunto. E preciso que fique
bem iluminado o valor de competência dos homens que fizeram
a simplificação ortográfica portuguesa, verdadeiramente
sensata, verdadeiramente científica, verdadeiramente etimológica,
verdadeiramente harmonizada com o gênio e a tradição
da língua. E o mais acatado deles foi, e o mereceu ser,
Gonçalves Viana.
Ele não é um nome qualquer. Como
não são nomes quaisquer, na ciência da língua
portuguesa, nomes como os de Carolina Micaélis de Vasconcelos,
Adolfo Coelho, Leite de Vasconcelos, José Joaquim Nunes,
Epifânio Dias, Cândido de Figueiredo, para citar só
os vulgarmente conhecidos dos que, mais Gonçalves Viana,
fizeram a simplificação portuguesa.
O movimento reformista de 1885 surgiu na plena
devoção pelos estudos filológicos, em Portugal.
E destacável, na época, a ação de
Carolina Micaélis de Vasconcelos, pelo seu extraordinário
valor, por ser mulher e por ser estrangeira. (Nasceu em Berlim,
em 1851 - Morreu no Porto, em 1925). Criança ainda, aprendeu
latim, grego, sânscrito, hebraico. Com 18 anos, já
falava bem o português... vivendo na Alemanha, é
claro. Indo àquele país, em 1876, o historiador
português Joaquim de Vasconcelos, com ele casou a jovem
poliglota. E veio para Portugal, que ficou sendo sua pátria
e por cuja língua trabalhou infatigavelmente, até
1925.
Foi quem animou o fervor filológico, em
que já apareciam os esforços de Adolfo Coelho, Leite
de Vasconcelos e outros. Favorecia-a a erudição,
a seriedade dos métodos, o espírito minucioso da
investigação, que aprendera e trouxera da pátria.
Leite de Vasconcelos enumera-lhe mais de 170 publicações.
Só o Cancioneiro da Ajuda lhe custou 27 anos de
esforços.
Não podia deixar de ser bem feita, uma simplificação
moldada na forja em que trabalhavam tais e tamanhas competências.
Só a nossa mais ou menos geral ignorância do assunto,
encouraçada na instintiva lusofobia que comumente nos achaca,
pode explicar a repulsa ainda entre nós sofrida por um
sistema ortográfico que é o único, em suas
linhas mestras, admissível e viável, para as necessidades
de nosso caos escritural.
Não é novidade o que digo. Mas quem
fala novidade? Lá rezava o Terêncio: "Nullum
est jam dictum quod non dictum sit prius" - Nada foi
dito, ainda, que já não tenha sido dito antes.
E trago Terêncio para não incomodar
o Salomão.
A REFORMA DA ACADEMIA BRASILEIRA, EM 1927
Em abril de 1907, pelo sr. Medeiros e Albuquerque,
foi apresentado à Academia Brasileira de Letras, um projeto
de reforma ortográfica. Fundamentava-se numa série
de considerandos. Nada menos do que 39. Faltou um para que fossem
40 e para que a série se fizesse cabalística, perfazendo
o número de nossos imortais, pois eles são 40, a
conta da Academia Francesa, padrão e modelo da nossa.
Creio que foi mesmo a falta de mais um considerando
que fracassou o projeto do sr. Medeiros e Albuquerque. Quem já
desprovou a força secreta dos números?
Após as fundamentações, aquele
acadêmico propunha, em resumo:
1. supressão do y, do w, do
h mediano e do k;
2. desterro para o ph, o ch gregos e corte
do x em todo comissionamento ou posto que não fosse do
tipo xarque;
3. simplificação das geminações,
exceto rr e ss;
4. faxina de toda consoante nula;
5. empossamento do z nas atividades sônicas, dele antes
exercidas pelo s;
6. colocação do j no lugar do g (antes
de e e i), em que o som é daquele;
7. utilização de az, ez, iz, oz, uz, nos
finais de palavras agudas, exceto os pronomes pessoais e o plural
de palavras agudas em á, é, í, ó
e ú;
Com muitas e tépidas discussões da
matéria, a Academia Brasileira apresentou, como resolução
do problema, um dodecálogo ortográfico, de que vai,
seguinte, uma resenha.
Regra 1.
- Manda escrever máu, chapéu, partiu, etc.
(ditongos au, eu, iu).
- Escrever, nos hiatos, io: fio, rio, tio, etc.
- Escrever com i o ditongo ai: pai, mãi, sai,
etc.
- Escrever idade, igreja, igual.
Regra 2.
- Abolir o k, o y, e o w: quépi,
quilo, vórmio, uigândias, martírio...
Regra 3.
- Cortar o h médio: surpreender, tesoura;
porém, deshonra, rehaver, etc.
- Substituir os grupos gregos: química, corografia,
filosofia, teorema...
Regra 4.
- Dar ao j o lugar do g, no valor palatal: ajir,
lejislativo, rejelar; porém, gente, gelo, peito,
etc.
Regra 5.
- Dar ao z todo lugar em que o som for dele: caza,
roza, Jozé.
Regra 6.
- Simplificar as geminações: sábado,
aduzir, inocente; exceto em elle, ella, aquelle, aquella.
Regra 7.
- Não utilizar consoantes mortas: ativo, aluno, crecer,
ciencia.
Regra 8.
- Não gastar ç em comêço de
palavras: sapato, samarra, etc.
Regra 10.
- Escrever com z as finais tónicas az, ez,
iz, oz, uz: atraz, portuguez, giz, coz, obuz, etc.
Regra 11.
- Escrever ão e ã, quando forem
tônicos: pagão, manhã; am e an, quando
forem átonos: amam, orfam, orfan, etc.
Regra 12.
- Desempregar o apóstrofo: dêste, naquele, destoutro,
etc.
A reforma de 1907 motivou discussões em
que participaram, dentro no recinto da Academia e na imprensa,
os acadêmicos João Ribeiro, José Veríssimo,
Salvador de Mendonça, Medeiros e Albuquerque, Carlos de
Laet, etc.
José Veríssimo propôs, em emenda,
que se conservasse o y dos nomes indígenas.
Laet, o incorrigível, chasqueou-o, dizendo:
- Porque y em Catumby, se física o
perdeu? É emenda do Veríssimo. Lá por
ser ele, entretanto, caboclo, não admito que nos imponha
o y de seus maiores...
Muito discutiu, igualmente, o assunto, o Cândido
de Figueiredo, em artigos que mais tarde publicou no volume Ortografia
no Brasil.
O que mais desagradou, na tentativa da Academia,
foi a substituição do g pelo j e do s pelo z,
nos valores já referidos.
"A Academia Brasileira, tomando por base o foneticismo
exclusivo, procura a uniformidade gráfica, rompendo de
um modo revolucionário com hábitos tradicionais
e deturpando, destarte largamente, as formas vocabulares..."
(Ed. Carlos Pereira (1855-1923) - Gram. hist.)
A REFORMA DE 1911
O excesso de anarquia e desencontros, na grafia
de Portugal, provocou do governo provisório daquela república,
em 1911, um decreto em que nomeava, para fixar as bases de uma
ortografia a adotar-se, uma comissão composta de Carolina
Micaélis de Vasconcelos. Gonçalves Viana, Cândido
de Figueiredo, Adolfo Coelho, Leite de Vasconcelos, nomes
a que foram agregados os de Gonçalves Guimarães,
Ribeiro de Vasconcelos, Epifânio Dias, Júlio Moreira,
José Joaquim Nunes e Manuel Grainha. Foram
os autores da simplificação ortográfica de
1911. São os melhores e maiores nomes da filologia e gramática
da língua portuguesa.
Não vou discutir a reforma. Nem expô-la.
Apenas lhe reproduzirei os dez mandamentos feitos por
Cândido de Figueiredo
1. Não se duplicam consoantes. Portanto,
beleza, aprovar, imediato, abade, Melo, Matos. Mota...
2. Simplificam-se e substituem-se os grupos ph,
th, rh, ch (com valor de k). Portanto, filo
sofia, teatro, reumatismo, quiméra, química, corografia.
3. Não se emprega y,nem k,
nem w. Por tanto, lira, martírio, Calendário,
Venceslau... Exceptuam-se só os vocábulos derivados
de nomes próprios estrangeiros, como byroniano, kantismo,
wiclefitas...
4. Dentro dos vocábulos não se escreve
h. Portanto, inerente, inibir, inábil, compreender,
inumano...
5. Os ditongos orais ae, ao, eo, oe, substituem-se
por ai, au, eu, oi - Portanto, pai, pais, jornais,
marau, chapéu, herói, anzóis...
6. Evitam-se consoantes inúteis. - Portanto,
escritura, escritor, distrito, salmo, luta...
Exceptuam-se os casos em que a consoante, embora
se não pronuncie, tem a utilidade de significar que é
aberta a vogal que a precede, como em exceptuar, rectidão,
redacção, direcção, actor, etc.,
e nos vocábulos das mesmas famílias: - excepto,
recto, redactor, directo, actuar...
7. O pronome pessoal enclitico lo liga-se
ao verbo por um traço. Portanto, tu faze-lo e eu não
posso fazê-lo; louvá-lo; ouvimo-lo...
8. O emprêgo do s e do z
é regulado pela etimologia e pelas tradições
da língua. Portanto. português, francês,
cortês, freguês, defesa, empresa; e, ao mesmo
tempo, natureza, beleza, civilizar, realizar, organizar, vez,
talvez... Em caso de dúvida, há ainda o recurso
dos bons dicionários e vocabulários, organizados
depois que é conhecida entre nós a ciência
da linguagem, isto é, nos últimos vinte ou trinta
anos.
9. Escreve-se igreja, idade, igual.
10. Acentuam-se gràficamente todos os vocábulos
esdrúxulos. Portanto, pálido, túmulo,
crisântemo, lêvedo, hipódromo, velódromo,
diário, África... Acentuam-se os homógrafos,
não homo fônicos, pois há séde
e sêde, govérno e govêrno, dúvida e
duvída, etc. O acento grave pertence às vogais
abertas, não tónicas. Portanto, còrado,
prè gador, pègada... E também se pode
empregar para desfazer ditongo, como em proìbir, miùdamente;
e para mostrar que o u se pronuncia depois de g
ou q, como em agùentar, fregùente...
(quando venha representar a pronúncia, especialmente
em ensino primário).
Estes dez mandamentos se cifram em dois: não
perder de vista os casos aqui consignados, e. quanto aos mais,
continuar a escrever como escreviam os mestres.
O ACORDO DE 1931
Como pode ver-se, é sensata, é inteligente,
esta reforma que respeitou a etimologia, a história evolucional
das palavras, enquanto procurou atender à fonética,
desembaraçando-se das inutilidades mortas e dos enganos
abusivos, filhos da confusão, da ignorância ou da
falsa interpretação etimológica.
Dois ou tres reparos tornariam completamende útil
e hábil, para nós, este sistema etimológico-histórico-fonético.
Sistema bem mais seriamente etimológico do que esse
que por aí anda, desorganizando e adoudando a escritura
brasileira, com o nome de usual ou mixto e a pecha
de disparatado ou insensato.
O que devia ter feito a Academia Brasileira, desde
cedo, era adotar aquele como o fizeram pessoas entendidas e ajuizadas,
quais foram e são Mário Barreto, Antenor Nascentes,
José Oiticica e tantos outros. Em vez de acordo, adesão.
Adesão inteligente ao sistema simplificado de 1911, com
as leves adaptações necessárias. Acordo supõe
transigências de parte e de outra.
A Academia das Ciências tem sua culpa em
ter aceito negociações em torno de uma ortografia
que, em 1911, não foi codificada por ela nem implantada
por ela, mas por uma comissão estranha a ela, bem como
pelo prestígio de tal comissão e pelas medidas inteligentes
tomadas prudentemente pelo governo português. Para nós,
que tínhamos ou temos o hábito de escrever pela
velha grafia, o esforço inicial é grande e é
um esforço completo. Mas não nos esqueçamos
de que ele se faz no sentido de quem vai de um mau para um bom
caminho. É, pois, uma obrigação racional.
Mas os portugueses, que já se ajeitaram
tão bem com a simplificação de 1911, porque
os deslocar agora, num ou noutro ponto ortográfico, em
que as exigências da Academia Brasileira querem alterações
para pior?
Se a Academia Brasileira, numa cortesia internacional,
comunicasse a sua congênere portuguesa, que havia adaptado
e adotado a grafia de 1911, a coisa estava bem feita, sem compromissos
nem dependências recíprocas.
Não ficava esta ponta, esta sobra, esta
fonte de discórdia e caturrice, que nós vimos escorrer
sobre o acordo, contra o acordo, pela imprensa e pelo livro, aqui
e em Portugal.
Imagine-se agora àqueles filhos de ultramar,
tão satisfeitos com sua mãi (deles), seus
firmamentos azuis, sua acção e
suas excepções, sua sciencia e suas
declarações amar-te hei, tudo que para
eles constitui já um hábito, obrigados
a um desumano acôrdo em que se passa a escrever:
mãe, azues, constitue, ação, exceção,
ciência, deshumano, amar-te-ei, etc.!
Ou, o que é pior ainda, e insuportavel até
para nós, escrever indistintamente todo nome próprio
em az, ez, etc., com z final: ASSIZ, MOISEZ, MERCEZ (ao
lado do substantivo comum mercês), Inglez... de
Sousa, por exemplo (ao lado de inglês... “marinheiro
frio”), Luiz (ao lado de luís, moeda,
e de Luisa, feminino de Luiz), Tomaz (ao lado
de Tomásia) ...
Ou, ainda: Davi, Jó, Jacó, etc..
em vez dos milenares, proféticos e patriarcais David,
Job, Jacob.
Com o acordo, não se pode ter contentado
aos portugueses e provocou-se a ranzinzice nacionalista ou, melhor,
lusófoba, dos Medeiros e A1buquerques, Agripinos Griécos,
etc. Quem percorra o interessante livro do sr. Mota Assunção
- Origens e ortografia da língua brasileira - verá
informações a respeito da campanha que se desenvolveu
em torno e contra o acôrdo academia Brasileira - Academia
das Ciências. Clamou-se reforçadamente pela "defesa
do idioma falado no Brasil", como se a adoção
de uma ortografia, que tanto pudera ter sido simplificada aqui
como em Lisboa, viesse desnaturar ou prejudicar a língua
brasileira!
Isso de chamar a palco o sentimento nacionalista,
para o envolver numa má defesa ou num ataque de intenções
escuras, e cousa que fica abaixo de certos nomes, que estiveram
envolvidos na questão. E isso de "idioma falado
no Brasil" para capear tudo, mereceu de Rui o seguinte
juizo, na Réplica:
"Respeito ao idioma, saiu escrita (a Resposta)
no que ele mesmo desvanecidamente chama "o dialeto brasileiro",
surrão amplo, onde cabem à larga, desde que o
inventaram para sossego dos que não sabem a sua língua,
todas as escórias da preguiça, da ignorância
e do mau gosto, rótulo americano daquilo que o grande
escritor lusitano tratara por um nome angolês. Lá
encontrará o ouvido vernáculo todos os estigmas
dessa degeneração, em estado coliquativo, do idioma
em que escreveram no Brasil Gonçalves Dias, Francisco
Lisboa e Machado de Assis."
Eu também me convenço de que nosso
idioma não é absolutamente o mesmo que se fala para
além do Atlântico. Não é, porém,
de maneira nenhuma, pela ortografia, que sai a diferença.
É na pronúncia, é na sintaxe, é na
preferência vocabular, que se encontra a diversidade da
língua brasileira e da língua portuguesa.
O sr. Mario de Andrade pode escrever integralmente
pelo Vocabulário ortográfico e remissivo de
Gonçalves Viana, sem perder nem nada do tom gostosamente
brasileiro de seu estilo, de sua linguagem.
Enfim, o acordo, bem ou mal, está feito.
Salve-se, pelo melhor, a simplificação de que tanto
precisamos.
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